Política

Como superar Avamileno
nas eleições municipais?

DANIEL LIMA - 17/07/2003

O grau de vulnerabilidade dos cronistas esportivos só perde em risco para a circunstancialidade genética das eleições no campo político-administrativo. No futebol, um tropeço pontual de agora pode ser recompensado pelo resultado final da competição mais na frente. O Jabaquara não costuma ganhar campeonato para consagrar o critério de que zebras são carne de vaca. Ou seja, no futebol, o cronista mais entusiástico de agora tem sempre a possibilidade de acertar o passo mais à frente. Desde que, evidentemente, não se exceda demais e não transforme qualquer time em timaço.


 


Já na política, e mais propriamente nas questões eleitorais, os prognósticos são potencialmente muito mais audaciosos quando se sabe que se trata de um campeonato de um jogo apenas, ao contrário do futebol, onde o campeonato se decide numa série de jogos. Prognóstico feito hoje em política sobre eventuais resultados em outubro de 2004 podem ser dinamitados pelas circunstâncias futuras. Por isso, convém ressalvar, o que se segue está contextualizado ao momento atual, porque o futuro só a Deus pertence.


 


Nesse quadro, como estariam os projetos dos oposicionistas do Paço Municipal de Santo André com vistas às próximas eleições, daqui a pouco mais de um ano? Francamente, e diferente do que pensam alguns, a retirada de João Avamileno e do Partido dos Trabalhadores da Praça IV Centenário é uma jornada muito mais difícil do que se imagina. Vejam as ponderações de um espectador privilegiado porque não tem compromisso com qualquer partido político:


 


a) João Avamileno é um prefeito em pleno exercício do cargo, com o desfrute da máquina pública como massa crítica de convencimento. Se ainda é pouco conhecido do eleitorado, porque sempre esteve à sombra do esfuziante Celso Daniel, tem a vantagem de não registrar taxa de rejeição minimamente expressiva, ao contrário de vários de seus oponentes, mais desgastados porque se expuseram em embates ao longo dos tempos, ganhando e perdendo, como é do jogo. 


 


b) João Avamileno é um prefeito que abarcará todo o bônus administrativo de Celso Daniel. A campanha que o PT desenvolverá o relacionará à liderança do prefeito assassinado, atribuindo-lhe predicados como fidelidade, discrição, confiança e tudo aquilo que se poderia resumir como bom companheiro. Ou seja: João Avamileno é um homem sem manchas de relacionamento pessoal com um chefe de governo municipal que, morto em condições abomináveis, entrou para a história como a mais importante liderança regional de todos os tempos porque foi efetivamente o único que idealizou o Grande ABC longe do municipalismo atávico.


 


c) João Avamileno é um prefeito que flutuará muito acima das idiossincrasias denuncistas que marcaram a vida administrativa de Santo André no período subsequente ao assassinato de Celso Daniel. Em absolutamente nenhuma das espalhafatosas divulgações sobre maus tratos financeiros do Paço aos recursos públicos, João Avamileno foi minimamente citado. Se não foi alcançado pelas balas de festim (até prova em contrário) direcionadas ao Paço, adquiriu o atestado de idoneidade de que particularmente o PT de Santo André tanto prescinde.


 


d) João Avamileno é um prefeito que já conseguiu desbaratar o fraccionismo interno do PT, especialmente dos deputados Vanderlei Siraque e Luiz Carlos da Silva. Com a competente costura de seus mais próximos colaboradores, entre os quais o secretário de governo Mário Maurici, João Avamileno agora é o ponto de convergência daqueles dois grupos. Resta segurar os radicais que querem impor um vice inadequado à complementaridade do perfil eleitoral de Santo André.


 


e) João Avamileno tem contra si a modéstia exagerada e um arcabouço intelectual que, confrontado com o antecessor, o coloca em situação de desvantagem. Entretanto, a modéstia ele tem potencializado em carismático relacionamento de aproximação com o eleitorado mais popular, e da desvantagem intelectual ele aproveitará igualdade com a maioria dos oponentes, também a léguas de distâncias de Celso Daniel. Ou seja: Celso Daniel tornou a todos, aliados ou oponentes, referências minimizadas em intelectualidade.


 


f) João Avamileno tem contra si o desgaste de uma cobrança desastrada de uma parte muito pequena dos contribuintes do IPTU, mas são nódoas eleitorais localizadamente debeláveis. Aliás, já o foram em parte com as correções que se deram na sequência de uma tentativa de tornar regra geral o que era exceção. O problema maior com o IPTU de João Avamileno e de outros prefeitos da região é que o perfil dos contribuintes é um saco de gatos. Tanto que grande parcela dos moradores de Santo André paga muito aquém do razoável, conforme já cansamos de escrever com base em dados oficiais, enquanto parcela ínfima esperneia com razão porque o custo da terra é elevado.


 


g) Também as áreas de saúde e segurança pública estão no radar oposicionista como material bélico a ser utilizado para atingir o alvo do Paço Municipal. Entretanto, contrariamente ao que tentam fazer crer alguns, a flacidez da saúde e a fragilidade na segurança pública são questões nacionais e, portanto, não restritas ao território de Santo André. A desindustrialização irresponsável dos últimos anos, a bordo do governo Fernando Henrique Cardoso, está na raiz da deterioração da saúde e da segurança pública do Grande ABC, em escala superior à da maioria dos territórios nacionais. Nenhuma outra região perdeu tanto quanto o Grande ABC, como provamos também com números oficiais. Aliás, recente pesquisa da Cremesp construiu o mapa dos descalabros nos hospitais e prontos-socorros públicos e privados do Estado de São Paulo.


 


h) Há questões menores que vão atazanar a vida de João Avamileno na reta eleitoral, como a rigidez punitiva na área de trânsito e o suposto esbanjamento de gastos com palmeiras imperiais. Nesse ponto, o legado de Celso Daniel é a melhor defesa, porque tanto a humanização (com desvios sempre apontados por este jornalista) do trânsito e a recuperação visual de uma cidade marcantemente cinzenta foram iniciativas do prefeito que se foi, rastreadas de suas viagens internacionais. Ou seja: mesmo onde há estridência de parte da população, o colete a prova de radicalismo transposto para as urnas eleitorais ganha impenetrabilidade com o uso da imagem do prefeito transformado em mito.


 


i) O prefeito João Avamileno e a administração petista de Santo André escolheram o campo de jogo, garantiram um árbitro camarada e podem se dar ao luxo de jogar com a bola que quiserem porque os oposicionistas estão aparvalhados, presos a uma dualidade esquizofrênica de não saberem se é melhor se juntarem numa única candidatura ou se espalharem em várias para, num esperado segundo turno, imantarem uma frente única. A dispersão ou a unificação, eis a questão.


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