Política

Grande ABC está à espera
de cinturão de prosperidade

DANIEL LIMA - 22/04/2004

Ainda outro dia o Diário do Grande ABC deu em manchete: "PT quer cinturão vermelho no ABC". Mais precisamente, a matéria foi publicada em 23 de março e retratava a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, o petista João Paulo Cunha. Disse ele que o PT vai investir pesado no Grande ABC para tentar conquistar as sete prefeituras da região nas eleições de outubro. Tenho por costume, depois de selecionar todas as matérias de jornais e revistas, sublinhar os parágrafos que considero importantes, destacando-os para eventual releitura ainda mais profunda e subsequente arquivo. E um dos trechos ao qual adicionei a tinta sempre preta de minha caneta esferográfica diz exatamente o seguinte, na reportagem assinada por Gislayne Jacinto:


 


 Para João Paulo, o partido tem de tratar a região com prioridade porque o Grande ABC é o berço do PT. "Vamos fazer uma agenda das grandes lideranças no Grande ABC. Vai ter um acompanhamento de publicidade, vai ter apoio político, vai ter um olhar muito forte das lideranças do partido sobre a região" -- afirmou.


 


Convenhamos que a declaração de João Paulo Cunha tem ressonância ética menos contundente e menos desproposital do que a do ex-deputado federal Duílio Pisaneschi e a agência de empregos chamada Bandeira Andreense, mas também poderia ser inserida como antológica em matéria de insensibilidade social e, como tal, ser elevada à ABBEI (Academia Brasileira de Bobagens Eleitorais Irreversíveis). A performance de Duílio Pisaneschi foi retratada pelo Diário do Grande ABC, domingo passado. Escrevemos sobre o assunto neste espaço. O petebista disse em público que dos 300 candidatos a vereador da coligação Bandeira Andreense, todos os que não conseguirem se eleger terão emprego garantido como comissionados na Prefeitura de Santo André.


 


Alheio à realidade socioeconômica do Grande ABC, o deputado João Paulo Cunha deveria contar com assessores mais dispostos a orientá-lo sobre o desajuste verbal de partidarizar de forma tão açodada as questões que mais de perto interessam à nossa região. Primeiro, porque o Grande ABC vive situação dramática de pós-desindustrialização acentuada pelo governo Fernando Henrique Cardoso a ponto de tornar-se uma região muito mais crítica à política partidária do que eventualmente imaginam os mais cáusticos analistas sociais. Segundo, porque a expectativa criada em torno do governo Lula da Silva, o Lulacá, Urgente!, como definimos em Reportagem de Capa, permitia acreditar que efeitos de maciças ações socioeconômicas seriam capitalizados politicamente, como é natural do jogo de administradores públicos. Infelizmente, como se sabe, nada de especial cerca as ações de Brasília em relação ao Grande ABC, embora não se repita o desinteresse dos tempos fernandohenriquistas. 


 


Reavivando a memória


 


A explicitude eleitoreira do discurso de João Paulo Cunha foi um deslize menos grave que o de Duílio Pisaneschi mas não passou despercebida. Tanto que esperava apenas o momento propício para reavivá-la. No livro "Meias Verdades", que lancei em 1º de abril do ano passado, reservei breve capítulo sobre as promessas de o PT metropolizar a pauta econômica e social por ter a massa crítica gerencial em nove dos principais municípios da Grande São Paulo. Sob o título "Metropolização petista desaparece com eleição", reavivo naquela obra a proposta do Partido dos Trabalhadores em transformar a Grande São Paulo numa vitrine de seu programa de governo.


 


Pinço um trecho da análise que faço no livro:


 


 A carência de cultura de integração das metrópoles brasileiras, cujos dirigentes são tão parceiros quanto gatos e ratos, recomenda que iniciativas cooperativas sejam preparadas por medidas legais. Mas isso apenas não basta: a participação da sociedade nas instâncias de diagnósticos, formulação, operação e monitoramento das propostas é tão importante quanto a vontade política de quem está na administração pública. Fosse diferente, a Região Metropolitana de São Paulo, herdada da rigidez de planejamento do regime militar, não teria calamidade como sinônimo" -- escrevi na obra cuja edição está esgotada.


 


O líder do governo federal na Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, não fez em sua rápida passagem pelo Grande ABC em março último a abordagem de que tanto precisamos; ou seja, um discurso menos partidário e mais adaptado às carências e reivindicações da região. Mesmo que tenha de dizer com todas as letras -- e essa possibilidade não pode ser desclassificada por opositores petistas -- que o caso Grande ABC é complicadíssimo, que as soluções dos principais problemas são demoradas e que, portanto, é melhor que todos continuem a rezar. Teria sido mais inteligente e verdadeiro e, desta forma, amenizaria o peso sobre os cinco prefeitos petistas da região que, como os outros dois não-petistas, sabem que a porca da fragilização econômica está torcendo o rabo da avalanche de demandas sociais.


 


Ou seja: mais que um cinturão vermelho, precisamos de um cinturão de prosperidade. Independentemente da cor. Até porque, a crise que vivemos já há alguns anos e renegada apenas pelos irresponsáveis não tem cor definida, porque é uma obra multicolorida de antigas e atuais gestões públicas (regionais, estaduais e nacionais), lideranças empresariais e atores sociais.  


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