Política

Quem passa pelo
segundo turno?

VERA GUAZZELLI - 05/10/2004

A porção do Grande ABC já definida pelo voto ainda é insuficiente para responder a maior inquietação regional. A expectativa de que os novos prefeitos eleitos tenham peso decisivo no time que precisa virar o jogo do empobrecimento econômico e social só permitirá análise mais aprofundada quando forem computadas as urnas do segundo turno, neste 31 de outubro. A reeleição esmagadora de William Dib, do PSB, em São Bernardo e a vitória de José Auricchio Júnior, do PTB, em São Caetano apontam para quadro de continuidade administrativa até agora só alterado pelas conquistas de Clóvis Volpi, em Ribeirão Pires e do tucano Adler Kiko Teixeira, em Rio Grande da Serra. A disputa , porém, continua em Santo André, Mauá e Diadema e o que importa nesse momento é saber quem vai passar pela peneira fina do segundo tempo do jogo.


 


A dificuldade em traçar diagnóstico que aponte postura mais incisiva dos novos administradores em relação ao desenvolvimento econômico é até compreensível diante das peculiaridades e do pouco tempo que rondam mais essa batalha. Nas três cidades onde a disputa foi estendida para 31 de outubro, a briga mais uma vez vai extrapolar os domínios locais para reproduzir a polarização entre o PT do presidente Lula da Silva e o PSDB do governador Geraldo Alckmin.


 


Em Santo André e Mauá, os candidatos petistas João Avamileno e Márcio Chaves saíram na frente do tucano Newton Brandão e do verde alinhado ao PSDB, Leonel Damo. Já em Diadema, o tucano José Augusto chegou na dianteira do prefeito que tenta a reeleição José de Filippi Junior, em quadro que aponta para um duelo onde praticamente vale tudo. Até mesmo deixar o imprescindível debate de idéias para outra hora.


 


Por isso, o que se pode esperar de gestos construtivos nesses dias que restam de campanha é muito pouco. Principalmente se for levado em conta o histórico ainda bem recente na briga pelo voto. Na ânsia de seduzir o eleitor, viu-se de tudo: rachas internos, ataques pessoais, panfletos apócrifos, cerceamento à liberdade de imprensa e acusações de todos os gêneros, números e graus. Acreditar que agora, no momento derradeiro, as ações seriam diferentes, soaria tão ou mais demagógico que os discursos inflamados de palanque. Resta saber, então, o quanto a federalização e a estadualização das disputas vão desviar o foco dos principais problemas de cada município.


 


Nova eleição


 


 “O segundo turno é uma outra eleição, na qual a rejeição e a relevância dos apoios têm peso bem maior” — acredita o cientista político e professor da Fundação Santo André, Marco Antonio Teixeira, ao reiterar a tese defendida por especialistas de que candidatos com índices negativos superiores a 20% têm dificuldades em se sustentar numa disputa com apenas dois concorrentes. Se a teoria estiver correta, o atual prefeito de Santo André João Avamileno já teria a vantagem de estar abaixo do índice crítico e de ter 10 pontos a menos de rejeição que Newton Brandão, da Frente Andreense.


 


Pesquisa do Ibope publicada uma semana antes do primeiro turno e contratada pela própria Frente apontava 19% e 29% nesse quesito, respectivamente, para os candidatos Avamileno e Brandão que agora vão brigar pelo comando do Paço andreense. A mesma sondagem atribuiu vantagem de 11 pontos percentuais a João Avamileno na intenção estimulada de votos. Avamileno chegou à frente com 46,4% e Brandão alcançou 42,3% da preferência dos eleitores, após computados 381.069 votos válidos. A pesquisa do Ibope foi realizada em meados de setembro e só foi publicada por decisão da Justiça Eleitoral, já que a Frente Andreense a mantinha a salvo da curiosidade pública.


 


O próprio Newton Brandão reconheceu a força do adversário no segundo turno e se adiantou em dizer que vai procurar os candidatos Wilson Bianchi, PMDB, e José Dílson, PDT — que juntos somaram os 10,26%, o que levou a decisão para o segundo turno. A decisão leva à interpretação de que pesquisas agora são passado e que a ordem é estabelecer nova correlação de forças. “Quem quiser me apoiar será bem vindo” — disse o tucano em tom diferente do clima de beligerância que marcou sua campanha.


 


A Frente Andreense protagonizou atos contínuos de truculência durante o primeiro turno ao associar novamente a imagem do prefeito morto Celso Daniel a supostas denúncias de propina em Santo André. Utilizou-se para tanto de recortes de jornais e revistas com acusações não comprovadas. Também colocou sob suspeição três rodadas de pesquisas Brasmarket/Diário que por determinação da Justiça não puderam ser publicadas. Ironicamente, o resultado das urnas confirmou a sondagem do instituto.


 


Por conta de tropeços semelhantes, Newton Brandão também não participou da sabatina promovida pelo Diário do Grande ABC e perdeu a oportunidade de detalhar propostas de governo. Preferiu bater na tecla do aumento do IPTU em vez de apresentar alternativas de crescimento para a cidade do Grande ABC que mais perdeu riqueza industrial e arrecadação de ICMS nas duas últimas décadas. A atitude, com certeza, aumentou a ressonância do discurso de João Avamileno, principalmente na periferia contemplada com programas sociais premiados nacionalmente. “Acho que precisamos de apenas um terço dos 10 pontos percentuais dos outros candidatos” — calculava o prefeito João Avamileno, no momento em que tomou conhecimento dos resultados.


 


Rede eleitoral


 


José Augusto, do PSDB de Diadema, também decidiu deixar de lado o saudável debate de idéias para privilegiar o toma-lá-da-cá tão comum da política. O candidato também não compareceu à Sabatina Diário e amargou denúncia de envolvimento em rede de assistencialismo com vários assessores na distribuição de alimentos de programas do governo estadual. Mesmo assim, terminou o primeiro turno quatro pontos percentuais à frente de José de Filippi Júnior. A hipótese de que tenha saído de vítima de episódio que pode ser configurado como crime eleitoral não está descartada. Afinal, quando o assunto é fome e miséria, não se pode exigir dos excluídos sociais que a compreensão eleitoral chegue ao discernimento ético do certo e errado.


 


De qualquer forma, José Augusto não parece muito preocupado com o assunto e já está de olho no apoio de Gilson Menezes, outro político emblemático da história de Diadema e que um ano antes trocava o PSB pelo PL, justamente por não concordar em montar chapa com José Augusto. Gilson Menezes deve acrescentar mais um ingrediente picante ao revezamento de poder que começou com sua eleição em 1982, então pelo Partido dos Trabalhadores. Conhecido pela emotividade à flor da pele e com densidade eleitoral comprovadamente abalada nos esquálidos 5,9% de votos, terá influência decisiva no resultado. Tanto que o PT também já admitiu procurar auxílio do primeiro prefeito eleito pelo partido em todo o País.


 


As eleições em Diadema têm ainda outro fator peculiar. Apesar de ainda não alcançar índices de referência de qualidade de vida, a cidade avançou bastante no plano social porque contou nos últimos 20 anos com sucessivas administrações de origem socialista. Essa espécie de continuidade administrativa ideológica — já que dois dos três prefeitos formados no PT mudaram de partido — ganhou contorno mais arrojado na atual administração com a compreensão de que sem crescimento econômico seria praticamente impossível dar conta das demandas sociais. Entre várias ações pontuais, a prefeitura comandada por José de Filippi Júnior tirou do anonimato as empresas de cosméticos. A ação figura entre as poucas iniciativas regionais nas quais o poder público assumiu papel de indutor do crescimento.


 


Grupo político


 


Enquanto Diadema personaliza novamente a disputa política, Mauá repete a história das duas últimas eleições: Leonel Damo é mais uma vez o adversário do PT e vai jogar todas as fichas para reverter a vantagem do vice-prefeito Márcio Chaves, que obteve 45,79% dos votos válidos contra 39,6% do verde. Mais uma vez, Damo começou a corrida eleitoral na frente, mas acabou surpreendido pelo atropelamento da militância petista e por oito anos de uma administração que divulga sem parar transformações econômicas e urbanísticas, como a atração de empresas para o Pólo de Sertãozinho e a chegada de shopping center e grandes redes de supermercados.


 


Até mesmo a baixa popularidade de Márcio Chaves, fator que parecia conferir vantagem extra a Damo, foi revertida nos últimos dias de campanha. Damo centrou pregação nos problemas da saúde — gargalo de quase todas as administrações municipais —, na cobrança excessiva de multas de trânsito e nos valores supostamente abusivos do IPTU. Ainda não sinalizou se deve manter o discurso. O que está em jogo agora é o apoio de Chiquinho do Zaíra. Terceiro colocado, o candidato do PSB obteve 10% dos votos, levou a disputa para o segundo e tem penetração expressiva no bairro que lhe empresta o nome, maior colégio eleitoral da cidade.


 


Leonel Damo aposta em antiga amizade, já que Chiquinho do Zaíra foi seu vice na eleição de 2000. Pragmático como sempre, Márcio Chaves nem esperou a apuração dos últimos votos para sondar as intenções do homem que levou a disputa para o segundo turno. O petista, no entanto, evita demonstrar qualquer desespero de causa. “Minha campanha é baseada em propostas de governo e vai continuar assim” — frisou.


 


Márcio Chaves foi um dos candidatos beneficiados com o pacote de showmícios que o PT nacional contratou para impulsionar campanhas em todo o País. Recebeu Frank Aguiar e Zezé di Camargo e Luciano, entre outras atrações de expressão nacional.


 


PSDB na frente


 


De qualquer maneira, o primeiro round da guerra que declaradamente aponta os faróis para a eleição presidencial de 2006 foi vencido pelo PSDB. A vitória esmagadora de William Dib em São Bernardo coroou a predominância dos aliados do Palácio dos Bandeirantes na terra do presidente Lula e no berço do PT. Todas as estratégias utilizadas para turbinar a candidatura de Vicentinho Paulo da Silva, incluindo o apoio de principais expoentes do governo federal, foram insuficientes para barrar a ascensão do político que substituiu um Maurício Soares com problemas de saúde.


 


A teia de visibilidade orquestrada em torno de William Dib sob o comando do advogado Raimundo Salles, secretário de governo e principal articulador das campanhas antipetistas na região, teria sido uma das responsáveis pelos 76,37% dos votos válidos. O resultado é o mais expressivo da história de São Bernardo e coloca o prefeito reeleito muito perto do patamar de 78% obtido por Luiz Tortorello, de São Caetano, em 2000. A ingenuidade de Vicentinho em acreditar que a amizade com o presidente Lula da Silva seria suficiente para seduzir eleitores teria contribuído ainda mais para alimentar a diferença.


 


Vicentinho Paulo da Silva reconheceu de certa forma o erro, ao admitir que a federalização acabou prejudicando seu desempenho. Já William Dib beneficiou-se também de extensa lista de programas sociais herdados do antecessor e ampliados durante seus quase dois anos de mandato, o que dificultou ainda mais o tradicional discurso do PT. “A cara da administração vai permanecer a mesma. Só vamos fazer algumas alterações na parte técnica” — garantiu Dib ainda sob a euforia dos 295.487 votos.


 


Tortorello vence


 


Quem também festejou a continuidade de governo foi o grupo político de Luiz Tortorello. Depois de rachas internos que levaram o antigo colaborador Iliomar Darronqui a lançar candidatura própria com o suposto apoio do cacique Walter Braido, o conservadorismo de São Caetano está mais quatro anos no poder. José Auricchio Júnior não pôde comemorar uma vitória esmagadora, mas os 46,4% de votos válidos o colocaram com folga no comando do Município que coleciona os melhores indicadores socioeconômicos do País.


 


Diferente de outras eleições, no entanto, o domínio conservador em São Caetano já não é mais tão hegemônico como em tempos passados. Os 32,17% de votos do petista Hamilton Lacerda têm significado que vai além do melhor resultado histórico obtido por partidos de oposição na cidade. A candidatura de Lacerda — cuja tônica é o discurso social — cresceu justamente no vácuo de uma equação que a cidade precisa solucionar com urgência para não perder a tão decantada condição de Primeiro Mundo. Apesar de Auricchio Júnior ter preferido atribuir o desempenho do adversário a atitudes anti-éticas, a cidade vive da riqueza construída nos tempos de prosperidade e ainda não encontrou a fórmula para substituir as perdas industriais pelo terciário de valor agregado capaz de garantir sustentabilidade econômica. O que se pratica em São Caetano é guerra fiscal no setor de serviços.


 


Kiko e Volpi


 


Rio Grande da Serra coloca os desafios das limitações orçamentárias nas mãos do tucano Adler Kiko Teixeira, integrante da família do ex-prefeito José Teixeira e, portanto, conhecedor da realidade de um município ainda sem condições de caminhar com as próprias pernas. Aos 32 anos, Kiko é o mais jovem da nova safra de prefeitos do Grande ABC e terá bastante trabalho para acertar os rumos da cidade que depende quase que exclusivamente dos repasses de verbas federais e utiliza o comércio e os hospitais da vizinha Ribeirão Pires. Kiko venceu o candidato Carlos Augusto César Cafu, do PT, por 48,34% a 33,19%.


 


A principal novidade política da região está em Ribeirão Pires. Com pouco mais de dois mil votos de diferença, o verde Clóvis Volpi venceu o tradicionalismo de Valdírio Prisco para instaurar novo perfil político à cidade que nasceu conservadora e não aprovou os oito anos da administração da petista Maria Inês Soares. Clóvis Volpi já foi vereador, deputado estadual e federal. Conquistou seu primeiro cargo executivo com fórmula alternativa de participação que colocou a população como principal protagonista do plano de governo. “Acho que a habilidade de ouvir e sintetizar de forma didática as principais demandas fez a diferença” — acredita o verde de 56 anos, alvo de todos os adversários desde o início da campanha.


 


Clóvis Volpi já chega à Prefeitura de Ribeirão Pires com o perfil de novo líder político da cidade. A própria declaração do triprefeito Valdírio Prisco é emblemática do quadro que se avizinha. Prisco falou em aposentadoria e admitiu que deve retirar-se da cena política para abrir espaço a novas lideranças de centro-direita. O PT também perde terreno porque terá de readequar-se à nova correlação de forças.


 


O novo prefeito eleito de Ribeirão Pires também pode ganhar projeção fora do cenário local. Entusiasta da integração regional, pretende contribuir com uma fase produtiva do Consórcio de Prefeitos e entidades voluntariosas de integração. Clóvis Volpi foi autor de projeto não aprovado pela Assembléia Legislativa que pedia a transformação do Grande ABC em região metropolitana. 


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