Política

Lula e Alckmin valem mesmo
tudo isso nas eleições 2004?

DANIEL LIMA - 22/12/2003

É muito maior a bateria de mensagens sobre as tendências do eleitorado para os pleitos do ano que vem às prefeituras locais do que fez crer a matéria de domingo do Diário do Grande ABC. Pelo menos dois aspectos são extremamente importantes mas não tiveram o realce explicativo necessário: há grandes oscilações no contingente de eleitores que ainda não decidiram em quem votar e, da mesma forma, sobre a influência do governador Geraldo Alckmin e de Lula da Silva na definição do voto. Tanto num caso quanto noutro o Diário reproduziu burocraticamente uma espécie de relatoria da empresa especializada em pesquisa.


 


Sobre os dados que dão conta da inapetência crítica atual para escolher o candidato a prefeito, a sempre mais esclarecida São Caetano registra apenas 27,8%, enquanto Ribeirão Pires ataca no extremo oposto com 59,1% de eleitores às escuras. O índice de Santo André também é assustador, porque atinge 46,5%. A ausência de Celso Daniel e a dificuldade de consolidação da imagem de João Avamileno, por causa da ausência de mídia de massa, ajudam a explicar tamanho buraco negro. São Bernardo (38,3%), Diadema (35,7%), Mauá (39,6%) e Rio Grande da Serra (31,1%) estão em nível relativamente esperado.


 


A baixa cidadania municipal, agravada nos últimos anos pela debacle econômica, torna a maioria da população menos suscetível aos movimentos político-partidários. Até porque, os meios de comunicação eletrônicos consumidos pela região são prevalecentemente dominados por emissoras da Capital. Diarréias eleitorais que beneficiaram Celso Russomanno, com 80 mil votos numa disputa com o fulgurante Celso Daniel, em 2000, não são descargas acidentais. Trata-se mesmo de alheamento de parte da comunidade às realidades locais e uma propensão ao voto-celebridade.  


 


Vantagem petista


 


Agora vamos aos fatores Alckmin-Lula, começando por Santo André. A diferença em favor do apoio de Lula ao candidato petista João Avamileno, levando-se em conta as gradações "muito" e "um pouco" importantes na definição do voto, é de cinco pontos percentuais -- 33,4% contra 28,5%. Considerando-se que João Avamileno obteve 25,7% das intenções de votos contra 22,8% de Newton Brandão e 9% de Duílio Pisaneschi, deduz-se que o petista sucessor de Celso Daniel levaria vantagem potencial de mais da metade dos votos destinados a Pisaneschi.


 


Em São Bernardo, a influência de Lula em favor do candidato Vicentinho Paulo da Silva seria semelhante à de Santo André, com 33,8% dos eleitores sensibilizados "muito" ou "um pouco" pelo apoio do presidente da República, contra 27,7% de Geraldo Alckmin em favor de William Dib. Vicentinho liderou nessa primeira pesquisa com 34,1% dos votos, contra 26,1% de Dib.


 


Na conservadora São Caetano, o peso relativo da imagem e da ação do governador Geraldo Alckmin seria mais significativo do que as incursões da Presidência da República: enquanto o candidato do Paço Municipal contaria com 43,8% de influência eleitoral do governador, o candidato petista gozaria de 37,7% de apoio lulista. Em outros tempos, tempos em que Lula não passava de perdedor contumaz, a diferença seria mais contundente. O médico José Auricchio, que aparece em primeiro lugar na pesquisa com 30,5%, seria beneficiário preferencial desse fator externo. O petista Hamilton Lacerda, com 20,1% da preferência do eleitorado, sofre o aperto dos 16% do também situacionista Iliomar Darronqui. Aparentemente, as eleições em São Caetano estariam decididas em favor do candidato que Luiz Tortorello apoiar. O peso do governador do Estado seria quase desnecessário.


 


Empate em Diadema


 


Em Diadema, Lula e Alckmin se anulam nessa primeira rodada de intenções de votos como elementos de catequese. O governador, que apóia o candidato José Augusto da Silva Ramos, tem 42,8% de influência, contra 43% que seriam destinados ao prefeito José de Filippi Júnior por alinhar-se ao presidente da República. Surpreendentemente, o deputado estadual Augusto Ramos aparece em primeiro lugar na pesquisa com 33,6% das intenções de votos, contra 29,2% de José de Filippi. O ex-prefeito Gilson Menezes é o fiel da balança com 16,2% das intenções de votos.


 


Surpresa mesmo está em Mauá, onde a influência de Geraldo Alckmin (35,9%) seria maior que a de Lula da Silva (26,9%), certamente sob influência da liderança das intenções de votos do oposicionista Leonel Damo, com 30,6%, contra 26,9% de Márcio Chaves.


 


Em Ribeirão Pires esse jogo de dependência de imagem alienígena também se anula, quando se observa que Alckmin representa 38,7% de influência, contra 36% de Lula. A liderança do conservador Valdírio Prisco com 31% -- contra 16,7% do também oposicionista Clóvis Volpi e o terceiro lugar do petista Jair Diniz com 15,5% -- é um complicador para o governo de Maria Inês Soares. Preliminarmente, uma reprovação que o tempo vai confirmar ou simplesmente atomizar.


 


Em Rio Grande da Serra, a influência do governador é de apenas 24,2% contra quase o dobro de Lula da Silva (42,8%). Isso significa uma luz para o candidato petista Carlos Cafu, que tem 27,4% das intenções de votos, contra 39,3% do peessedebista Adler Teixeira.


 


Cedo mas não descartável


 


É verdade que é muito cedo para incursões mais ousadas sobre o destino dos votos em outubro do ano que vem, mas também é fato que a postura em contrário, ou seja, de omissão, não contribui em nada para pelo menos tentar explicar o quadro aos leitores e eleitores. Nada impede que dentro de seis meses os resultados sejam completamente diferentes. É possível, inclusive, que haja gradual redução dos fatores externos à escolha dos candidatos. Os debates deverão tornar os programas mais próximos e palatáveis à soma de cidadão, contribuinte e eleitor escondida em cada voto. A intensidade de ações dos governos estadual e federal também poderá catapultar ou fazer desmoronar os percentuais divulgados nessa primeira sondagem. Enfim, há muita água para rolar.


 


De qualquer modo, parece impossível que tanto Geraldo Alckmin quanto Lula da Silva sejam desconsiderados nas eleições municipais do ano que vem. Por menos que venham a contaminar ou a turbinar os candidatos sob a influência de seus tentáculos, já com vistas às eleições presidenciais de 2006, a importância relativa poderá sacramentar a diferença entre vitoriosos e derrotados em outubro do ano que vem nos municípios onde a disputa de votos projeta-se mais acirrada.


 


Por isso, todo cuidado é pouco na interpretação do real valor das intervenções estadual e federal no Grande ABC. A perspectiva de dourarem a pílula é muito mais que provável. Se em tempos de paz eleitoral a disposição de glamourizar intervenções geralmente esparsas e pontuais é embalada pela mídia pouco crítica, o que dizer então quando se pretende estender o tapete de superproduções para o inebriamento do eleitorado?


 


Não é nada improvável que o Grande ABC venha a ser pintado na tela dos triunfalistas como extraordinariamente rico, progressista, libertador da evasão industrial e descobridor de alternativas de sustentação socioeconômica. Os calhordas que passaram os últimos anos mentindo descaradamente para a sociedade sempre estarão de plantão para a coleta de benefícios.


 


Fosse o eleitorado da região mais esclarecido e exigente, tanto o governo estadual quando o federal seriam sumariamente riscados da zona de influência dos candidatos às prefeituras porque, especialmente o estadual, há mais tempo no controle do governo, pouco retribuíram à região em contrapartida aos milhões extraídos de nosso território em forma de tributos. Não temos sequer planejamento estratégico para sair da enrascada em que estamos metidos. 


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