Política

Como está hoje a disputa à
Prefeitura de Santo André?

DANIEL LIMA - 08/10/2003

Talvez seja onírica a proposta do advogado, presidente do PL e porta-voz da Prefeitura de São Bernardo, Raimundo Salles, em defesa de um governo de coalizão em Santo André. Entretanto, por mais inviável que seja, considerando-se fissuras pessoais e partidárias que envolvem boa parte dos contendores que só enxergam as torres disformes do Paço Municipal, as premissas de Raimundo Salles valem como atestado de civilidade no processo eleitoral que há muito se iniciou com tiroteios contra o governo petista, e que potencialmente podem se intensificar a partir do segundo trimestre do ano eleitoral de 2004.


 


Tanto as derivações especulativas que sucederam a morte de Celso Daniel por um bando de marginais como as denúncias de irregularidades no Paço Municipal foram artefatos bélicos precocemente lançados no mercado de votos de Santo André com vistas em primeiro lugar às eleições majoritárias e proporcionais do ano passado e, em segundo, à sucessão municipal de 2004. Por isso, quando um líder oposicionista com influência gestora sobre mais de uma dezena de agremiações se prontifica a desfraldar a bandeira da conciliação e, na sequência da entrevista, evidencia que espera por debates de idéias em vez de assassinato de reputações, só temos de comemorar.


 


Os engenheiros eleitorais do Paço de Santo André ainda não se manifestaram sobre a idealização de Raimundo Salles. É provável que não o façam tão já, porque há guetos puristas da agremiação que, enclausurados ideologicamente como Heloisas Helenas, defendem que a candidatura de João Avamileno tenha como vice alguém comprometido historicamente com o partido e cuja ideologia esteja muito próxima de um esquerdismo de vezo estatal. 


 


Outros, menos dogmáticos mas igualmente defensores de uma chapa exclusivamente petista, e que estariam alinhados ao deputado federal Luizinho Carlos da Silva e ao deputado estadual Vanderlei Siraque, defendem composição igualmente intrapartidária, mas com um nome representativo da corrente Articulação, majoritária do PT tanto em Santo André quanto na maioria dos municípios.


 


Plantando os pés


 


Seria esse escolhido alguém tão próximo e de completa lealdade principalmente a Luizinho Carlos da Silva que o deputado federal plantaria os dois pés e a cabeça no Paço muito antes das eleições de 2008, das quais pretende emergir como sucessor de Avamileno. Aliás, essa composição teria sido o preço para que Luizinho Carlos da Silva recuasse da tentativa de bater chapa com o atual prefeito. Evidentemente, uma versão negada. 


 


A terceira alternativa, mais convergente para os pressupostos de Raimundo Salles e várias outras lideranças não-petistas, defende a abertura da Administração a um representante da classe média, com a distribuição de secretarias de forma equitativa ao perfil dos vereadores que se consagrarão nas urnas eletrônicas. Seria essa fórmula provavelmente a mais indicada para João Avamileno não correr maiores riscos em outubro do ano que vem, embora sua compatibilização aos anseios internos da agremiação demande negociações intensas porque, como mostramos, fere a natural ambição pela repartição de poder entre os próprios comensais petistas.


 


Essa é a primeira vez que o PT de Santo André se defronta com um problema que o presidente Lula da Silva só finalmente resolveu ao chamar como companheiro de chapa, depois de três tentativas fracassadas, o empresário José Alencar. Nas três gestões anteriores de Celso Daniel, e também na derrota que o ex-prefeito sofreu na primeira tentativa de chegar ao Paço diante de um Newton Brandão em plena forma física e intelectual, o Partido dos Trabalhadores não precisou contornar esse mata-burro estratégico. Celso Daniel era filho de família tradicional, de pai vereador e secretário municipal que enxergava o mundo sob ótica centro-direitista e que acumulara prestígio suficiente entre os conservadores para repassar-lhe a herança do dístico familiar sem que o esquerdismo fosse demonizado num período em que a sociedade regional dividia-se mais acentuadamente entre trabalhadores e tradicionalistas.  


 


Sem extremismos 


 


Ou seja: em todas as vezes que se meteu a disputar os votos para dirigir o Paço de Santo André, o PT de Celso Daniel era enviezadamente o PT de parte da centro-direita menos conservadora. Celso Daniel jamais foi visto ou interpretado pela classe média menos intimista do chão de fábrica como revolucionário a ser banido da geopolítica local. Embora fosse sim um filhote intelectual da esquerda socialista de linha soviética, Celso Daniel aprumou as concepções na exata medida em que o aniquilamento do regime comunista consumia os alicerces do Muro de Berlim.


 


Celso Daniel morreu mantendo laços ideológicos estruturalmente superados, mas já havia descartado a carga mais pesada de um igualitarismo que não tivesse o contraponto da meritocracia, de igualdade de oportunidades em vez de comunização pura e simples. Era um socialista de linha mais democrática, como franceses e alemães, por exemplo.


 


Agora, como se sabe, o PT vive na encruzilhada de comandar a Prefeitura de Santo André mas de contar com um prefeito candidato à reeleição que se distancia do perfil do antecessor arbitrariamente retirado de cena. Aliás, exatamente por ser o contraponto de Celso Daniel, como ex-líder metalúrgico, João Avamileno completava o figurino eleitoral que as pesquisas recomendam que sejam devidamente valorizadas para sinalizar ao conjunto da população que o governo não é uniclassista.


 


Caberá à cúpula petista de Santo André reunir sensibilidade para analisar as matizes do quadro eleitoral derivadas da ótica específica de Raimundo Salles: o Município mais fortemente abatido pela desindustrialização nos últimos 30 anos está nos limites de sua força econômica, convive com o agravamento do quadro social e não se pode dar ao luxo de subestimar o relacionamento multipartidário como ferramental de governabilidade.


 


Moeda de troca


 


Espera-se, evidentemente, que os legados de Celso Daniel não sejam moeda de troca a ponto de comprometer o futuro. Sim, porque a Santo André que se espera do futuro é a Santo André do passado deixada por Celso Daniel, exatamente porque aquele administrador que rompeu os limites municipais não delirava ao criar o Projeto Santo André Cidade Futuro, que conectava o presente de 2000 com o futuro de 2020.


 


Considerando-se que o maior discípulo de Celso Daniel, o arquiteto e urbanista Klinger Sousa, ex-secretário e atual vereador petista, ainda procura se refazer do esquartejamento moral que tanto a direita quanto a esquerda locais lhe impuseram no ano passado, não é arriscado afirmar que as digitais de modernidade de Celso Daniel possam ser descaracterizadas por metástases deliberadamente agressivas e ao sabor das eleições do ano que vem. O afastamento do grupo mais expressivo de colaboradores de Celso Daniel das decisões do Paço Municipal estremece a torre de longevidade programática erigida de forma compartilhada entre aqueles que olhavam para uma Santo André do amanhã.


 


Isto posto, fica claro que o futuro de Santo André não se esgota em 2004 com os eventuais arranjos político-eleitorais. De fato, o futuro de Santo André pode ser recolocado no centro das preocupações gerais se a disputa eleitoral do ano que vem for tratada com responsabilidade entre situacionistas e oposicionistas. Por isso, tanto aqueles que açodadamente infligiram duras derrotas institucionais no ano passado, com sensacionalismo puro, como aqueles que estão de olhos bem abertos e bolsos recheados às eleições de 2008, teriam muito a contribuir para essa sociedade tão sofrida, amargurada e ferida de morte em sua auto-estima de cidadania se transformassem 2004 na plataforma de novo embarque à Santo André policêntrica, dinâmica, regeneradora, que Celso Daniel tanto imaginava e lutava para alcançar.


 


Estamos no fundo do poço econômico, no fundo do poço social, no fundo do poço cultural -- como todo o Grande ABC. A recuperação está intimamente ligada ao desarmamento partidário em grau suficiente para os contrários respeitarem as regras do jogo da civilidade. O esquartejamento de reputações, método que muitas vezes conta com a cumplicidade quando não com a sem-cerimônia de parte da mídia, precisa ceder lugar ao diálogo, à explicitação das diferenças sem ranços de hipocrisia, à exaustiva tentativa de aproximação sem submissão, ao comando sem humilhação.


 


Será que Santo André, Capital Cultural do Grande ABC, conseguirá sair na frente e dar esse presente de responsabilidade regional? Esperamos que sim. 


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