Política

Presidente da Acisa não
pode partidarizar entidade

DANIEL LIMA - 29/04/2004

Geralmente cuidadoso nas manifestações públicas, em contraste com a habilidade em virtualizar cenários de bastidores, o presidente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) protagonizou autêntico strip-tease no Diário do Grande ABC de hoje sobre a sucessão eleitoral. Wilson Ambrósio da Silva trocou os pés da discrição corporativa pelas mãos do descuido institucional ao fazer uma afirmação que o coloca, no mínimo, em colisão com a classe que representa. Disse ele exatamente o seguinte à jornalista Regiane Soares: "Sugiro que os candidatos que fazem oposição ao PT se unam. Esse é o pensamento que tem norteado a nossa diretoria. Portanto, vocês devem se sentar quantas vezes forem necessárias para se unir"-- afirmou Ambrósio.


 


Vamos ao fato. A matéria do Diário trata da visita do candidato peessedebista à Prefeitura de Santo André, Newton Brandão. Triprefeito do Município, Brandão lá se encontrou com o também candidato ao Paço Municipal, o petebista Duílio Pisaneschi. A notícia dá conta de que os dois poderiam juntar forças para concorrer diretamente com o petista João Avamileno já no primeiro turno. Desta forma, tentariam encurtar a disputa que se apresenta como desdobrável ao segundo turno. A notícia em si, da possível coalizão de forças, não é inédita, mas não deixa de ser oportuna porque a dinâmica do quadro político-eleitoral consegue revitalizar assuntos aparentemente congelados ou mesmo descartados. Reaquecê-los faz bem à prática democrática.


 


Faltou acrescentar ao texto que a possibilidade de união tem o objetivo quase salvador, para os dois candidatos conservadores, de evitar uma disputa mais acirrada no segundo turno, quando a militância petista tem poder de aguerrimento costumeiramente maior e, portanto, mais influente à catalisação de votos.


 


Quem vai comandar?


 


Faltou dizer também que o desejo de ambos -- ou seja, a união em primeiro turno -- encontra uma barreira quase intransponível que se chama cabeça da chapa. Brandão e Duílio não abrem mão de disputar o primeiro e eventual único turno como candidato a prefeito, somente a prefeito, exclusivamente a prefeito. Pelo menos até que eventuais pesquisas revelem que uma das duas candidaturas estaria irreversivelmente batida bem antes de outubro.


 


Feitas essas observações contextuais, voltemos ao caso Wilson Ambrósio da Silva. Ao explicitar um tão antigo quanto pernicioso e dissimulado conteúdo político-eleitoral da Acisa, ou seja, a partidarização de uma entidade de classe, o dirigente tropeça no degrau da ética e do bom senso. Mais que isso: dá um soco portentoso na confiança dos associados. Suas preferências pessoais às eleições em Santo André ou em qualquer outra geografia, assim como de seus pares, deve ser exercida na amplitude dos direitos civis como pessoa física, jamais como suposta liderança empresarial.


 


Presidente de uma entidade sem representatividade efetiva, porque, como a maioria das demais do gênero, vive burocraticamente da arrecadação de serviços prestados, Wilson Ambrósio da Silva cometeu delito que poderia lhe custar inclusive o cargo. Afinal, o estatuto da entidade obriga a si e aos demais dirigentes a conduzir ações apartidárias.


 


Será interessante saber como foi ou está sendo a reação da Administração Pública de Santo André ao tomar conhecimento dessa disparatosa confissão de uma rotina histórica mantida intra-muros e, portanto, a salvo de censura pública. Provavelmente o prefeito João Avamileno e a Câmara Municipal se travestirão de otários porque ainda outro dia fizeram aprovar a liberação de cerca de R$ 200 mil para a Acisa investir  nos enfeites e na infra-estrutura de Natal desta temporada, mesmo diante de uma bateria de desconfianças e provas de que recursos financeiros anteriores não teriam se pautado pela transparência e segurança de informações, dados e documentos.


 


Não é exagero algum argumentar que a liberação da dotação poderia ser cancelada. Menos por retaliação partidária ou multipartidária das forças políticas que asseguram a governabilidade atual do Paço Municipal, mas simplesmente porque a entidade beneficiária contraria frontalmente o distanciamento partidário impresso em estatuto. 


 


Infelizmente, o que se observa nesse caso -- único apenas na explicitude, porque é regra geral na metodologia discreta  -- é que em vez da integração regional mambembe que não consegue obstar a quebra da economia, o que temos de fato é uma maior e mais danosa fragmentação municipal, movida pelo incendiarismo do loteamento partidário de instituições que deveriam zelar pela reorganização das peças de um quebra-cabeças socioeconômico que nos inferniza a todos. 


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