Newton Brandão não é o primeiro nem será o último homem público a se julgar perseguido pela mídia que não lhe estende o tapete vermelho de reverências. O destempero com que brindou uma jornalista deste Diário na última semana é prova do quanto o triprefeito está à flor da pele depois de abandonado por Raimundo Salles, coordenador-geral de sua campanha.
Brandão destilou frases arrogantes para quem o vê geralmente de sorriso aberto, gestos largos, olhar sereno. Parecia possesso quando a entrevistadora iniciou uma bateria de indagações sobre os estragos de Raimundo Salles. Negou-se a continuar a entrevista.
Duas horas depois, com novas perguntas da mesma jornalista, Brandão parecia à vontade. Experiente, só não conseguiu entender que a primeira etapa foi o anzol que se atirou para retirar dele, de viva voz, as consequências da renúncia de Raimundo Salles. Se reagisse com a frieza que pareceria mais ajuizada para quem já colecionou quase 80 anos, o candidato da Frente Andreense teria passado imagem de solidez e preparo. Como fez uma fuzarca carnavalesca, com acusações próprias de torcedores enraivecidos à beira do alambrado, não restou dúvida: o fugidio Salles consumiu seu fígado, maltratou-lhe a alma e partiu seu coração.
Outros tempos
De maneira geral os homens públicos são todos iguais. Adoram lantejoulas. Detestam cutucões. Brandão reclama que a mídia não ressalta as façanhas de um triprefeito que inundou Santo André de obras. Eram tempos diferentes, como se sabe. A jactância industrial multiplicava tributos que garantiam até 50% do orçamento em obras. Fazer não era nem necessariamente questão de sensibilidade como governante -- era uma decisão orçamentária compulsória.
Brandão, como outros prefeitos que passaram por Santo André e pelo Grande ABC dos tempos de fartura, pode preparar documentários específicos sobre o quanto construiu. Eram tempos de Grande ABC e de Brasil Grande, com crescimento do PIB em média de 7% ao ano.
O outro lado da moeda também é verdadeiro e muito mais complicado para a biografia de todos eles, Brandão e companhia. Trata-se da absoluta falta de visão de um Grande ABC integrado que Celso Daniel como ninguém soube colocar na pauta e, mais que isso, um Grande ABC que precisava, durante a fase de riqueza abundante, preparar-se para os tempos de vacas magras, como agora.
Há um fosso entre o passado fluvial e o presente escasso de desenvolvimento econômico e social que jamais constará conjuntamente dos discursos de quem quer chegar ao centro do poder municipal.
Passado que ajuda
Para Brandão e outros ex-prefeitos que agora disputam o retorno aos respectivos paços municipais, vale muito mais enaltecer seus próprios feitos administrativos de um Grande ABC insuperável na produção de riqueza. Para os candidatos sem passado administrativo ou de passado recente, não resta saída senão lutar por soluções gerenciais que possam amortecer a quebra vertiginosa da qualidade de vida.
Somos, portanto, se não nos cuidarmos com senso crítico além do trivial, presas fáceis de discursos passadistas de governantes que se mantinham ao largo da Lei de Responsabilidade Fiscal e de governantes ou candidatos atuais incapazes de entender que o jogo mudou brutalmente nas regiões metropolitanas. Perdemos muito de riqueza industrial e inchamos demograficamente. Nada pior para enquadrar propostas do passado na bitola da realidade.
Brandão e tantos outros candidatos precisam entender que da mesma forma que estão participando de um jogo de pressões para influenciar a mídia e torná-la aliada de seus objetivos, a mídia tem todo o direito de explorar ao máximo as fraquezas dos contendores. O caso Raimundo Salles, peremptoriamente desconsiderado por Newton Brandão e motivo do azedume contra a jornalista, foi simplesmente um teste psicológico que resolvemos aplicar ao triprefeito de Santo André.
A reprovação não significa que esteja irremediavelmente derrotado em 3 de outubro -- até porque esse não era o objetivo --, mas coloca-o no mínimo numa zona de desconfiança sobre a capacidade de reagir com serenidade depois de acumular tanta experiência pessoal e política.
Não resta dúvida de que Salles promoveu um banzé nas hostes oposicionistas.
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