O triprefeito Newton Brandão é o maior vencedor da disputa de ontem em Santo André. Os céus protegeram e abençoaram o candidato tucano. Não fosse a sabedoria majoritária dos eleitores, que consagraram o petista João Avamileno, Newton Brandão provavelmente viveria os quatro piores anos de sua vida política e, certamente, correria sérios riscos de ver seriamente arranhado o legado gerencial de 14 anos que passou no comando da Prefeitura.
E sabem por quê? Porque Brandão, quase octogenário e previamente comprometido em partilhar o poder com os insaciáveis aliados, não teria o menor controle sobre as forças antagônicas, recalcitrantes, conservadoras, idiossincráticas e destrutivistas que tomaram de assalto a coligação Frente Andreense.
Imperou nessa multifacetada e convulsiva coalizão partidária uma proposta de combate encardido que desprezou as normas de civilidade democrática e de entendimento diplomático. Não que se espere comportamento pacificador nos combates entre militantes e alquimistas táticos e estratégicos dos adversários petistas. Nada disso. Escaramuças fazem parte do processo democrático.
A Frente Andreense errou frequentemente ao exagerar na dose exatamente porque desgovernou-se como tronco de árvore rio abaixo. A panfletagem irresponsável, principalmente na avacalhação de Celso Daniel, desrespeitou inocentes até prova em contrário. Foi um contínuo ato de desespero e de desqualificação eleitoral. Acreditava-se que a chuva de torpedos contra a honra de adversários políticos contribuiria para desalojar do Paço Municipal uma estrela vermelha que alcança três mandatos consecutivos.
Destemperos
E os destemperos da Frente Andreense contra o Diário, então? Pretendendo fazer-se de vítimas, bem nutridos leões-de-chácara jurídicos atormentaram o tempo todo o trabalho do jornal. Intervenções sistemáticas contra a divulgação de pesquisas do Instituto Brasmarket foram a face mais visível da lambança antidemocrática.
Foram mais intensas, mais estúpidas, mais desordenadas e mais provocativas as três dezenas de tentativas de entorpecer a cobertura jornalística com pedidos de direitos de respostas que a Justiça Eleitoral, sábia no cumprimento da Constituição e da Lei de Imprensa, rejeitou na mesma proporção em que foram interpostas. Não faltou persistência à retaguarda jurídica da Frente do Atraso na industrialização de petições em nome de Newton Brandão e de Duílio Pisaneschi.
A única ação de direito de resposta determinada pelo juízo eleitoral foi perpetrada às vésperas da disputa do primeiro turno, em 2 de outubro. Oficiais da Justiça Eleitoral e um representante do quadro de advogados da Frente Andreense postaram-se na Redação do jornal para ver consumado o pior tipo de agressão ao direito de informação: a publicação de manchete de primeira página e de destaque da página 3 de um texto absurdamente ofensivo à tradição quase cinquentenária do jornal e, também, imantado de possibilidades de viciar os resultados do primeiro turno, dada a reconhecida influência deste veículo de comunicação.
Direito de invadir
Sim, aquele direito de resposta redigido por ensaístas ditatoriais e mesmo que reformado em parte pelo juízo eleitoral seria uma agressão ao jornalismo, porque a fundamentação era tosca e contraditória. Algo assemelhado fora descartado anteriormente pelo próprio juízo eleitoral. A manchete de 3 de outubro da primeira página e o título principal da página 3 foram de autoria de quem tem delegação constitucional para tanto -- os jornalistas deste Diário. Na semana seguinte, o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) deu um peteleco nas pretensões dos ditadores da Frente Andreense ao atender o recurso do Diário.
O que a Frente Andreense queria o jornal não lhe concedeu: a possibilidade de substituir o adversário João Avamileno pelo jornal e, daí, estruturar plataforma eleitoral supostamente como vítima. O Diário cumpriu integralmente o compromisso de informar com isenção, com equidade, com respeito. Mesmo atacado em material covardemente preparado às escondidas, distribuído aos mangotes nas ruas e avenidas. Eram repetidas tentativas de retirar o jornal do prumo de racionalidade na cobertura dos fatos. Celso Daniel parecia não bastar para os ideólogos da vanguarda do atraso.
Tudo isso -- as pesquisas surrupiadas dos eleitores e as investidas atabalhoadas de pedidos de direito de resposta -- não teria passado pelo crivo do candidato a prefeito Newton Brandão. Ou se passou, Brandão não teve forças para impedir. Ele mesmo, Brandão, de viva voz, disse textualmente ao Diário que estava curiosíssimo em saber os dados do Instituto Brasmarket. Bastava dar ordens ao quadro de advogados. Como não deu, os leitores e eleitores se frustravam a cada semana, quando o jornal anunciava a publicação e era barrado por filigranas jurídicas.
Esfarelamento
Mais que isso: notava-se com clareza meridiana que a autoridade de Newton Brandão esfarelava-se em complexas redes de interesses dissonantes, porque mal planejados. O que seria então de Newton Brandão prefeito, partindo e repartindo um arranjo eleitoral estabelecido no Palácio dos Bandeirantes do governo Geraldo Alckmin? O mesmo Geraldo Alckmin cuja voz suave e elegante invadiu os telefones de centenas de milhares de moradores de Santo André no sábado de véspera do segundo turno.
Tanto eram filigranas jurídicas as investidas da Frente Andreense contra o Diário que, surpresa, às vésperas da disputa neste segundo turno o Instituto Brasmarket teve reconhecido pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) o direito de divulgar dados nas páginas do jornal. Na última batalha de bastidores, a Frente Andreense sempre arredia ao diálogo, sempre múltipla em tomadas de decisões contraditórias, acabou derrotada pelo sagrado direito de informar.
No meio do tiroteio errático de aliados que procuravam atingir alvos geralmente mal focados mas que deixavam escapulir medidas escancaradamente lógicas, estava o triprefeito Newton Brandão. Escapou o político de compromissos que provavelmente não poderia cumprir, sob pena de a governabilidade em Santo André escoar pelo ralo. E se não as cumprisse, não existiria alternativa senão o efeito espelho, ou seja, o controle do Paço Municipal viraria uma espécie de saco de gatos.
Afinal, transformaram um já cansado Newton Brandão numa espécie de El Cid, o herói espanhol que, mesmo morto, foi levado ao campo de batalha como esperança de vitória. Brandão está vivo, goza de boa saúde, está lúcido, mas é transparente a fragilidade que lhe impuseram como suposto comandante. Colocaram Brandão sobre o cavalo de um oposicionismo irritadiço, coercitivo, discriminatório, e provavelmente o apeariam após eventual vitória. Com as consequências imagináveis para uma cidade que precisa de paz, depois de tanto tormento nos dois últimos anos.
Celso vivo
Se Newton Brandão recuperou-se temporariamente nas urnas de Santo André, apesar de todos os pesares da composição ensandecida de aliados a qualquer preço, Celso Daniel ressuscitou como administrador público sempre respeitado, ao fazer seu sucessor pela segunda vez. A primeira foi compulsória, dramática, depois de uma morte tratada a porretadas. Os adversários petistas em Santo André souberam construir a partir da morte de Celso Daniel uma frondosa teia de versões contraditórias e sempre dilacerantes contra antigos companheiros do prefeito. Tudo sem uma nesga de ética, de compromisso com a apuração dos fatos.
Mais que isso, desprezando as investigações da polícia mais especializada do governo estadual de Geraldo Alckmin, o maior financiador da campanha da Frente Andreense. Como se sabe, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), a elite da polícia paulista, concluiu que o sequestro seguido de morte de Celso Daniel constitui-se um dos muitos infortúnios urbanos da Região Metropolitana de São Paulo sempre maltratada pelos governos na área de segurança pública.
Mas os acompanhantes de Newton Brandão, pelo menos os principais, preferiram o desvio do crime encomendado para atingir os adversários políticos. Uma operação iniciada antes que o corpo de Celso Daniel descesse à terra em janeiro de 2002, mas de olho no calendário eleitoral que pretendiam tomar como referência da consagração oposicionista.
Fizeram da memória de Celso Daniel algo semelhante ao que donas de casa reservam a um pedaço de tecido imprestável.
Na reta de chegada do segundo turno, Celso Daniel foi o personagem principal dos embates quando a noite caía. Jornais e panfletos apócrifos forraram ruas e avenidas. Tudo sem o conhecimento de Brandão? Ou tudo não só com o conhecimento mas também com o consentimento de Brandão? A dúvida é proposital e simboliza, sem meias palavras, que o candidato tucano de tantas jornadas vitoriosas nas disputas eleitorais em que vestia a camisa do PTB estava amordaçado pelos parceiros que lhe escolheram.
Vá lá que em eleição o vale-tudo seja tolerado, porque o adversário, qualquer adversário, também não é flor que se cheire. Mas, mexer com um morto venerado pela população, enlameando-lhe a memória a pretexto de torná-lo vítima dos próprios amigos, versão reconhecidamente negada pela Polícia do próprio governo tucano, é exagerar na dose.
Boas causas
Outras questões relativas ao desempenho político-administrativo de Celso Daniel e que João Avamileno manteve intocadas são mesmo suscetíveis a críticas, até porque não foram implantadas com o cuidado adequado. Os radares vieram em boa hora -- e os demais municípios correram atrás do exemplo de Santo André -- mas houve descuidos e um certo açodamento arrecadatório.
Nada que não tenha sido corrigido ou atenuado. Entretanto, o que se coloca sobre o assunto na panfletagem da Frente Andreense é a radicalização da versão única de que a fábrica de multas não está sepulta ou menos voraz. Esquecem quantas vidas foram salvas nos últimos anos só com a aplicação de restrições civilizatórias a animais soltos ao volante.
Também o PT de Celso Daniel e de João Avamileno pisou na bola na política de recuperação de tributos próprios, especialmente o IPTU. Uma carga sobressalente de valores atingiu em cheio um número reduzido mas importante de contribuintes. Bastou esse chute fora para que os adversários políticos se mobilizassem. Um direito democrático que se expressou de forma desproporcional aos fatos e à sobrecarga fiscal. Procurou-se espertamente generalizar a exceção, contando com a cumplicidade de incompetência ou de esperteza de vários meios de comunicação.
Até aos coqueiros que Celso Daniel e sua equipe de assessores mandaram plantar nas principais ruas e avenidas de Santo André os adversários mais empedernidos lançaram-se duramente com retaliações. O improvisado paisagismo de uma cidade feita aos trancos e barrancos, sem o menor cuidado estético, não mereceria mesmo alguns retoques, principalmente porque inspirados nas viagens ao Primeiro Mundo de um prefeito globalizado? Para os conservadores, a resposta é não. Um retumbante não.
Transpiração
Os verdadeiros calcanhares-de-aquiles de Celso Daniel não foram atingidos pela Frente Andreense de Newton Brandão entre outros motivos porque a cruzada antipetista se mobilizou apenas com transpiração. Faltou inspiração. A invasão de grandes conglomerados comerciais, a falta de políticas públicas para manter as indústrias, a fragilidade das instituições regionais, a dificuldade de manter interlocução com os governos estadual e federal -- tudo isso e muito mais que não só Celso Daniel como os demais prefeitos do Grande ABC se mostraram pouco produtivos foram simplesmente esquecidos pela vanguarda do atraso pretensiosamente utilitária da denominação Frente Andreense.
E sabem por quê? Porque supostamente esses assuntos não dão votos, não eletrizam o eleitorado. Bobagem. Subestima-se o grau de cidadania quando se retira do coldre de argumentos arma de tamanho enviesamento. Há, é claro, os que se deixam levar pelo denuncismo, pela demagogia, pelo oportunismo. Mas a maioria, seja de que lado for, de Brandão ou de João, vai para as urnas eletrônicas com convicções consolidadamente isentas de baixarias intermitentes.
Além de João Avamileno, Newton Brandão só tem a comemorar neste final de segundo turno. O petista por razões óbvias. O tucano porque escapou de uma enrascada insustentável.
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05/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (21)