O secretário de Governo da Prefeitura de Santo André vive prova decisiva. Sucessor de Gilberto Carvalho na articulação política e administrativa intramuros do Paço Municipal, Mário Maurici de Lima Morais colaborou intensamente na superação do trauma emocional e administrativo provocado pela morte do prefeito Celso Daniel. A governabilidade do Paço tem digitais desse jovem mas experiente dirigente político que já foi vereador e prefeito de Taboão da Serra, complicadíssimo pedaço de chão da Região Metropolitana de São Paulo com 150 mil habitantes e orçamento semelhante ao da Câmara de Vereadores de Santo André.
Mário Maurici mostra nesta entrevista o quanto exercita com desenvoltura a arte de produzir declarações fortes com a leveza verbal dos malabaristas semânticos. Por isso mesmo escapou praticamente ileso da última das questões que lhe foram endereçadas: como lidar com uma situação que não é mais possível postergar e que coloca sua mulher, a vice-prefeita e secretária municipal Ivete Garcia, no centro da disputa pela candidatura petista à sucessão de João Avamileno?
Quem conhece o elementar sobre pré-movimentação de peças eleitorais sabe que acompanhar adversários de outras agremiações é aquecimento providencial para a disputa oficial. O que dizer então se, além de observar oposicionistas que se articulam para tomar o Paço Municipal, Mário Maurici está entre os mediadores de interesses legítimos de Ivete Garcia e do deputado Vanderlei Siraque, candidatíssimo à patente petista em 2008? Maurici responde. E, à moda exemplar dos moderados, se sai muito bem. Maurici é especialista em entrelinhas.
É possível, a praticamente dois anos das eleições municipais em Santo André, definir quais serão as duas forças, nominalmente falando, que disputarão o Paço Municipal? Se há dificuldades nominais para o apontamento, que vertente o senhor preferiria para traçar quadro do que poderia ocorrer?
Mário Maurici de Lima Morais -- O PT e seus aliados governam Santo André de forma ininterrupta há 10 anos, têm operado transformações importantes no Município no âmbito do desenvolvimento econômico, social e urbano, da inclusão social e da elevação da qualidade de vida das pessoas, e essas transformações são reconhecidas pela sociedade. Por isso acredito que a disputa seja novamente polarizada entre este projeto e aqueles que o rejeitam. O PT e seus aliados deverão apresentar um candidato ou candidata com compromisso com projeto transformador, enquanto as demais forças deverão se movimentar para encontrar liderança que unifique suas insatisfações. Acredito que o PT de Santo André tem projeto, capacidade de governo e base social para vencer mais uma eleição municipal, em 2008.
Mas o fato é que o legado que nossa administração tem deixado na cidade modificou definitivamente a maneira de se fazer política. Hoje a população tem consciência de que sua participação é fundamental na condução das políticas públicas. Graças a isso não há mais espaços para clientelismos e para a velha tática de se fazer política.
Que desenho macroeconômico o senhor acredita que teremos quando das eleições de 2008? O Brasil estará vivendo de fato um quadro de estabilidade econômica, com leve crescimento do PIB, combinada com evolução e maturação dos programas sociais, o que beneficiaria o PT nas disputas municipais, ou há risco de reversão?
Mário Maurici -- O presidente Lula tem demonstrado verdadeira obsessão em induzir o País ao desenvolvimento econômico a taxas bem mais significativas que as atuais, sem que isso coloque em risco a austeridade fiscal e a estabilidade monetária. Acredito que as taxas de juros seguirão caindo, ao tempo em que os marcos regulatórios vão tomando formas permanentes, garantindo ambiente favorável à retomada de investimentos privados que, juntamente com a ampliação dos investimentos públicos em infra-estrutura e o ambiente externo favorável, poderão tornar os próximos anos período de crescimento econômico sustentado e continuado. Nesse cenário, Santo André já retomou seu crescimento e está pronta para continuar avançando com o País.
O senhor faz parte do grupo que acredita serem as disputas municipais desvinculadas do quadro nacional ou entende que, sobremodo em regiões metropolitanas e em municípios com as características de uma Santo André tão densamente ocupada, o que vale para o governo federal tem influência no governo municipal?
Mário Maurici -- As disputas municipais estão contextualizadas no quadro estadual e nacional, sem dúvida. Mas apresentam especificidades que a tornam bastante diferenciadas. O governo do presidente Lula tem realizado investimentos muito importantes no Grande ABC, tais como a ampliação do Pólo Petroquímico e a implantação da Universidade Federal do ABC que, a médio e longo prazos, terão impacto positivo muito importante na sociedade e na economia da cidade e de toda a região. Sem contar as políticas de transferências de renda que o governo federal implantou, aqui em Santo André complementadas pelo governo municipal, que, associados a uma política correta de geração de emprego e renda, de incentivo ao desenvolvimento de cadeias produtivas ligadas, não só, mas principalmente, à indústria petroquímica, deverão gerar novo ciclo de expansão da economia regional no ABC. Nesse ambiente que imagino, as condições de disputa de projetos em Santo André deverão conter ingredientes bastante favoráveis à revalidação do nosso.
Atribuem-lhe a condição de um dos interlocutores mais importantes do Paço Municipal de Santo André, tanto internamente, com executivos públicos de diversos escalões, como também externamente, no âmbito de interface com Brasília. Dizem também que a condição de conciliador permitiu que a ausência de Celso Daniel causasse menos problemas de recomposição gerencial. Como o senhor avalia esse diagnóstico sem cair no extremo de considerar tudo isso fruto de superestimação dos observadores?
Mário Maurici -- Fui escolhido pelo prefeito Celso Daniel para substituir Gilberto Carvalho na Secretaria de Governo da Prefeitura de Santo André. Após sua morte, essa escolha foi confirmada pelo prefeito João Avamileno. Talvez esse meu perfil conciliador, como você classifica, além das experiências anteriores que acumulei, de dirigente partidário, ex-vereador e ex-prefeito de Franco da Rocha tenha sido decisivo para balizar essa escolha. O fato é que num governo como esse que temos em Santo André, no qual o planejamento estratégico e a ação matricial são fundamentais, a tarefa de articulação da ação de secretarias, empresas e autarquias torna-se muito importante, exigindo da Secretaria de Governo atenção voltada quase que exclusivamente para dentro do governo, deixando as relações externas ao governo para a Chefia de Gabinete do prefeito. Sem contar que a Secretaria de Governo também responde pelas políticas de prevenção à violência, a Guarda Municipal, as políticas de direitos, a comunicação, o Programa de Segurança Alimentar, o Programa de Voluntariado e a relação com as equipes de governo em todos os níveis também são tarefas da Secretaria pela qual respondo.
Mais que a minha presença, foi a sensibilidade e o espírito democrata do prefeito João Avamileno o fator decisivo para que a equipe de governo fosse mantida, praticamente intacta, até hoje.
Quanto à interlocução com atores externos e o governo federal, tenho um nível de diálogo construído ao longo da minha trajetória e reforçado pelo peso das atribuições em Santo André. Mas o grande interlocutor do governo municipal de Santo André é, sem dúvida, o prefeito João Avamileno.
Na última disputa eleitoral pela Prefeitura de Santo André os oposicionistas bateram praticamente o tempo todo na mesma tecla de ética, sobretudo com relação às supostas propinas na Prefeitura na esteira do caso Celso Daniel, e também em alguns aspectos administrativos, como o sistema de humanização de trânsito, tratado pelo viés da industrialização de multas, e os aumentos do IPTU. Como acredita que será o temário prevalecente em 2008?
Mário Maurici -- O tema da ética foi levantado e bastante debatido não apenas no pleito de 2004 mas também nas eleições deste ano. E é muito bom que permaneça presente em todas as eleições que se dispute no País, pois trata-se de valor fundamental não apenas para a vida pública mas também é componente básico na formação dos conceitos de cidadania. Mas quem deseja ganhar as eleições numa cidade como Santo André precisa esgrimir argumentos muito além desse tema: precisa debater com a sociedade um projeto consequente de cidade, de desenvolvimento econômico e social e de inclusão social, pois não basta agitar a bandeira da ética, muitas vezes de maneira hipócrita, como se esse valor fosse importante apenas no programa do adversário. E precisa também de uma liderança que unifique todos os setores de oposição.
É importante destacar também que, pouco a pouco, a sombra lançada sobre a morte do prefeito e companheiro Celso Daniel vem se desfazendo e a tese de crime comum vem se confirmando. Ao mesmo tempo em que as denúncias de corrupção contra o governo municipal, levantadas a partir da morte de Celso, vêm perdendo força ao longo dos processos judiciais. Por isso, creio que o debate em torno de propostas para a cidade deverá estar recolocado no centro da disputa eleitoral de 2008.
Como Santo André tem superado as dificuldades orçamentárias e de investimentos de um Município que, embora tenha conseguido frear a sangria nos últimos 10 anos, passou, no período anterior de 20 anos, pelo mais acentuado processo de perdas industriais, com consequente redução de receitas, e crescimento populacional?
Mário Maurici -- O perfil econômico de Santo André vem se modificando acentuadamente nos últimos 10 anos. Temos hoje uma economia muito mais diversificada, que articula indústria, comércio e serviços. E isso possibilitou redirecionar as políticas públicas orientadas ao desenvolvimento econômico local e regional, fazendo com que transformássemos o limão em limonada. As imensas perdas de empregos industriais, que foram resultado do processo de reestruturação ao longo dos anos 90 em todo o País, e não apenas em nossa região, foram em certa medida revertidas, e temos hoje um nível de emprego formal superior ao de 10 anos atrás. Mesmo no setor industrial tivemos crescimento do emprego formal em Santo André mais expressivo a partir de 2003, e um acréscimo significativo nos setores do comércio e dos serviços. Não se pode comparar a qualidade dos postos criados com os que havia no passado, por se tratar de coisas diferentes, mas isso é um fenômeno mundial, não exclusivamente de Santo André.
A Prefeitura tem sido muito bem-sucedida no planejamento financeiro, conseguindo frear a longa trajetória de perdas de arrecadação, melhorando a fiscalização e modernizando o processo de cobrança, hoje feito predominantemente por meios eletrônicos. Nossas perdas, contudo, foram mais significativas em relação ao ICMS que, aliás, é um imposto sobre o qual não temos nenhuma governabilidade, pois se trata de repasse do governo do Estado. O índice de participação dos municípios no que se refere ao ICMS registrou perdas desde o final da década de 70. No entanto, essa tendência é revertida desde 2004.
Esse tem de ser um dos temas nas próximas eleições, ou seja, o financiamento da cidade. Temos proposta clara para isso: além dos tributos municipais, desenvolver parcerias com as demais esferas de governo e sempre buscar recursos internacionais de agências públicas e governamentais, e entidades privadas interessadas em investir na nossa economia.
A duplicação de produção da Petroquímica União nos próximos oito anos vai favorecer tremendamente as receitas da Prefeitura, pelo peso relativo elevado do retorno do ICMS decorrente dessa atividade. O senhor diria, com isso, que ser prefeito de Santo André em igual período será muito mais interessante do que hoje?
Mário Maurici -- O eventual ganho de arrecadação decorrente do aumento de produção em alguns setores da nossa economia é fruto de trabalho realizado ao longo dos últimos 10 anos do Poder Público com a iniciativa privada. Isso permitiu melhorar as condições da infra-estrutura da cidade, da logística de transportes, da modernização da legislação, entre outras coisas. Na verdade já estamos colhendo os frutos que plantamos e, desse ponto de vista, certamente será mais interessante administrar a cidade nos próximos anos.
Teremos uma reitoria da Universidade Federal do Grande ABC que seja de fato operativa à cadeia de interesses regionais de modo que o desenvolvimento econômico seja de fato o carro-chefe ou o modelo proposto pelo reitor Hermano Tavares, que acaba de deixar o cargo, prevalecerá sob outro comando?
Mário Maurici -- O professor Luiz Bevilacqua, novo reitor da UFABC, é um dos principais quadros da academia no Brasil que tem em seu currículo, entre outras experiências marcantes, a coordenação do projeto espacial brasileiro. Além de pesquisador e acadêmico respeitado e experiente, ele foi o grande formulador do modelo inovador da UFABC, que é o de uma universidade para o Brasil, para o mundo, mas articulada a tudo o que se produz em conhecimento no Grande ABC.
Não tenho dúvidas de que o novo reitor, prosseguindo o trabalho do professor Hermano Tavares, que o antecedeu, tem plenas condições de levar a UFABC a sintonizar-se com o projeto de Universidade acalentado pelo Grande ABC, mas de levá-la, em pouco tempo, a ser referência em pesquisa e produção de conhecimento.
A UFABC abre perspectiva concreta e inédita de criar universidade mais aberta que o modelo tradicional e preocupada com a efetiva inserção na articulação em prol do desenvolvimento econômico e social da nossa região e do País. Essa inserção regional, no entanto, depende da compreensão dos problemas locais e da disposição para enfrentá-los de modo ousado e inovador. A busca pela integração com o setor produtivo e com os movimentos sociais é fundamental para essa inserção.
Já cansamos de afirmar que o governo federal e o governo estadual estão em dívida com o Grande ABC por não terem um representante cada para relacionar-se institucionalmente e, com isso, encurtar a distância entre o que precisamos e o que os respectivos governos podem nos dar. O senhor considera difícil uma ação que, falando pelo governo petista, marcasse a atuação de um representante do governo Lula da Silva como espécie de embaixador para assuntos que digam respeito sobretudo ao desenvolvimento econômico sustentado?
Mário Maurici -- É bom frisar que nunca na história do Grande ABC o governo federal investiu tanto como no governo do presidente Lula, não apenas em recursos financeiros, mas sobretudo pela atenção que os representantes do Grande ABC dispõem na esfera federal. No caso de Santo André, nosso interlocutor com ótimo trânsito no governo federal é o prefeito João Avamileno. Foi a partir das articulações comandadas por ele que a cidade conseguiu firmar excelentes acordos envolvendo recursos para o Pólo Petroquímico, como já mencionei, para programas de inclusão social, como o Família Andreense, além de outros envolvendo segurança pública e segurança alimentar.
Como o senhor se sente diante de algo que está absolutamente fora do controle porque entre outros pontos uma série de incidentes sobre os quais não teve qualquer participação acabou levando o enunciado para o seguinte ponto: Ivete Garcia, vice-prefeita, candidatura mais factível à sucessão, é, justamente, sua esposa? Isso o preocupa por eventualmente incomodar terceiros ou o deixa à vontade mesmo sabendo que pode, eventualmente, incomodar terceiros?
Mário Maurici -- A vice-prefeita Ivete Garcia é um dos nomes que o PT de Santo André tem para oferecer como candidata a prefeita à sociedade, nas próximas eleições. Ex-vereadora por dois mandatos, ex-presidenta da Câmara e atual vice-prefeita e secretária de Orçamento e Planejamento da Prefeitura, Ivete construiu trajetória por méritos próprios, tem respeito no partido e na sociedade e está preparada para assumir esse desafio. Se o seu nome for indicado pelo PT tenho a certeza de que poderemos dar consequência ao projeto iniciado por Celso Daniel e continuado por João Avamileno.
A perspectiva de minha companheira se lançar a disputa tão importante não me constrange: ao contrário, me envaidece e me deixa feliz. E se o PT escolher outro nome para a disputa, esse nome terá também todo o meu apoio e empenho.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira