Política

Avamileno reage;
oposição cresce

DANIEL LIMA - 07/12/2007

Depois de provocar no mês passado a maior crise da história de uma administração pública no Grande ABC, o prefeito João Avamileno ganhou fôlego e conseguiu reduzir os estragos capitalizados pelos partidos de oposição que, além da confirmação da candidatura de Raimundo Salles, acenam com a possibilidade do que alguns chamam de terceira via. A demissão coletiva de 13 secretários municipais dois dias depois (27 de novembro) da abertura das urnas do segundo turno das prévias do Partido dos Trabalhadores teve efeitos diretos na trepidação da governabilidade e principalmente na tempestade de areia que atingiu a máquina pública de Santo André.


 


Nos dias que se seguiram, o trabalho de João Avamileno e assessores foi reconstruir a plataforma gerencial com convites a toque de caixa para preenchimento de vagas. E nesse ponto o chefe do Executivo de Santo André acertou na filosofia, embora na qualidade individual e na capacidade de compartilhamento de ações dos escolhidos qualquer julgamento parecerá precipitado: Avamileno não se deixou levar por pressões fisiológicas de partidos que dão sustentação política ao PT na Câmara de Vereadores.


 


Mesmo na desconfortável situação de quem precisa sair do sufoco da crise o quanto antes, João Avamileno requisitou os préstimos de funcionários públicos na maioria técnicos sem fundas vinculações partidárias. Tudo para tapar buracos da imprevidência de conduzir a sucessão partidária.


 


A vitória de Vanderlei Siraque no segundo turno por apenas 22 votos de diferença (1.237 contra 1.215 votos, com 11 nulos e dois em branco) elevou a temperatura de complicações para o prefeito João Avamileno. Tivesse a disputa interna do PT se resolvido no dia 11 de novembro, no primeiro turno, tudo poderia ser menos abrasivo. A diferença em favor de Ivete Garcia por sete votos só não foi comemorada como passaporte para a disputa da Prefeitura de Santo André no ano que vem porque Ivo Martim, concorrente que teimou em sustentar candidatura, obteve 65 votos e, com isso, impediu que a maioria absoluta do eleitorado petista se cristalizasse. Foi a perdição de Ivete Garcia.


 


Quinzena tensa


 


Os 15 dias que separaram o primeiro e o segundo turnos foram tensos, com acusações veladas e públicas de métodos eleitorais comuns entre partidos adversários e, principalmente, uma caça aos 573 eleitores que não compareceram às urnas. Nem mesmo o barulhento anúncio de Ivo Martim de bandear-se com mirrados e aparentemente decisivos 65 votos impediu a derrota de Ivete Garcia.


 


Por esperteza política ou por convicção matemática de quem não tinha tempo a perder, o contragolpe de Vanderlei Siraque foi instantâneo: ele reduziu a carga psicológica do anúncio do apoio de Ivo Martim ao declarar que mais da metade dos correligionários do petista mais esquerdista entre os filiados já teria bandeado para suas cores.


 


Embora se procure minimizar a responsabilidade do prefeito na debandada geral de um secretariado cujo conceito e métodos de atuação gerencial mantinham as pegadas de Celso Daniel, a realidade é que João Avamileno fracassou como articulador de uma candidatura que unisse o partido, em vez de estilhaçá-lo. Depois de passar seis anos à frente do Paço Municipal, seria inimaginável que João Avamileno fosse incapaz de sensibilizar o secretariado para convergir em direção ao candidato que considerasse mais apropriado a dar continuidade às ações de uma agremiação que pretende manter-se na Prefeitura pela quarta administração seguida.


 


A demissão do secretário de Governo Mário Maurici, marido da concorrente Ivete Garcia, também vice-prefeita e secretária municipal, foi a confissão tácita da imprevidência de gerenciamento político do titular da Prefeitura. Sobretudo porque ocorreu no primeiro dia útil após Avamileno anunciar apoio ao deputado estadual Vanderlei Siraque.


 


Apoio negado


 


O secretariado petista que se evadiu após o segundo turno das prévias é uníssono em afirmar que João Avamileno garantiu em encontro realizado em março no Paço Municipal que jamais daria apoio a Siraque. O prefeito desqualifica a informação que, confirmada por todos, sacramenta a tendência de até então alinhar-se a Ivete Garcia, também a preferida de Gilberto Carvalho e Miriam Belchior, ex-executivos de ouro da administração de Celso Daniel e que atuam como assessores especiais do presidente Lula da Silva.


 


Mais que a demissão de Mário Maurici antes do primeiro turno das prévias, o que pesou para valer mesmo para o estouro da bolha de crise pós-segundo turno foram as declarações do prefeito durante a votação que consagrou Vanderlei Siraque. O site do jornal “Repórter Diário” publicou a intenção de Avamileno iniciar demissões no Paço. Alguns trechos da matéria:


 


 O prefeito de Santo André, João Avamileno, confirmou na tarde deste domingo (25), logo após votar no deputado estadual Vanderlei Siraque nas prévias do PT, que fará mudanças no secretariado em dezembro. Ele afirmou que as mudanças podem sim estar relacionadas ao comportamento de secretários durante a campanha para as eleições prévias do partido, mas que poderão ocorrer substituições em razão do trabalho apresentado por eles. “Vou deixar passar esse período um pouco conturbado, aguardar até a primeira quinzena de dezembro para avaliar o trabalho dos secretários e aí sim fazer mudanças” — afirmou. Avamileno disse que ainda confia em alguns secretários. “Mas provavelmente alguns não terão mais coragem de olhar na cara do prefeito depois de tudo que fizeram” — justificou. Segundo Avamileno, a questão não foi em quem votaram, mas sim como se comportaram durante o processo. “Os secretários têm um cargo de confiança e alguns extrapolaram os limites na minha frente. Isso ocorreu até com secretário que não é filiado ao PT” — escreveu o jornal virtual.


 


O dia seguinte


 


No dia seguinte, 26 de novembro, reportagem do Diário do Grande ABC sob o título “Avamileno confirma mudanças no secretariado” refletia o conteúdo da entrevista coletiva do prefeito na tarde do segundo turno das prévias.


 


A importância de situar as declarações de João Avamileno no contexto em que realmente se deu é vital, porque ajuda a entender e a explicar a reação do secretariado apoiador da candidatura de Ivete Garcia. A renúncia coletiva não tem relação visceral com os resultados democráticos das prévias, porque todos reconheciam que a disputa seria equilibradíssima. A crise se instalou por conta mesmo das declarações do prefeito.


 


Nem a vitória de Vanderlei Siraque conseguiu impedir que João Avamileno rompesse o sinal de cautela principalmente para aproximações que buscassem a reorganização do partido com vistas às eleições do ano que vem. Chegou-se inclusive a surgir a possibilidade de Avamileno convidar Mário Maurici a retomar o posto na Prefeitura, com poderes mais centralizados na reorganização do partido rumo às eleições municipais.


 


Para o secretariado demissionário, não restava alternativa senão a saída conjunta comunicada em texto relativamente breve entregue pessoalmente na tarde de terça-feira (27 de novembro) pela então secretária de Educação, Cleuza Repulho, a João Avamileno.


 


O prefeito disse que foi surpreendido com a medida. Ele planejava conversar individualmente com todos os secretários. A tática de demissões individuais e gradativas, sempre com a possibilidade de acrescentar pitadas de idiossincrasias quanto à efetividade técnica dos defenestrados, causou revolta entre os secretários dissidentes da candidatura de Vanderlei Siraque que, numa verdadeira operação de guerra, decidiram reagir em conjunto.


 


A perspectiva de deixar a Administração de Santo André com o carimbo de ineficiente praticamente fechou as portas de diálogo entre vencedores e vencidos. Principalmente porque João Avamileno jamais, ao longo de um mandato e meio, deixou de estender ao secretariado o que considera sucesso da Administração de Santo André.


 


Erro original


 


Não bastasse tudo isso, os secretários municipais que decidiram pela renúncia em reunião demorada na sede do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) não se consideravam insubordinados. Eles entendem que passaram a praticar em favor de Ivete Garcia o mesmo direito exercido por João Avamileno de apoiar ostensivamente Vanderlei Siraque. O erro, segundo interpretação geral, foi originariamente do prefeito que, argumentam, deveria agir como magistrado, sem se envolver diretamente na disputa. Nesse ponto, a influência dos familiares de João Avamileno, principalmente do filho Fabrício, um dos articuladores da candidatura de Vanderlei Siraque, é colocada como explicação para a mudança de rota do prefeito.


 


Se em João Avamileno é afixada a etiqueta de excessos familiares, por extensão devem ser capitalizadas as medidas que se seguiram para o preenchimento de mais de uma dezena de cargos do primeiro escalão. Não faltava quem esperasse que o prefeito desandaria a cometer novos escorregões administrativos e partidários, desta feita com o chamamento político-eleitoral de aliados para repartir o bolo de poder. Foi aí que o ex-metalúrgico e ex-discretíssimo vice-prefeito de Celso Daniel sacou de surpreendente medida: chamou para o Paço Municipal profissionais de várias áreas da estrutura pública, preferencialmente quem já estivesse ocupando cargos nas respectivas secretarias. Com isso, eliminou de vez vazamentos que pareciam levar ao caos gerencial.


 


Se a João Avamileno faltou comedimento durante a fase mais aquecida do segundo turno, especialmente no dia da votação, a Vanderlei Siraque sobrou tranquilidade. Em todas as entrevistas publicadas nos dias seguintes às prévias, o deputado estadual que tem no setor de Segurança Pública o carro-chefe de atuações se mostrou tranquilo. “O primeiro passo é trabalhar pela unidade do partido”, disse ao jornal virtual “ABCD Maior”, edição de terça-feira, 27 de novembro, ou seja, no mesmo dia em que se anunciava a retirada em massa do secretariado.


 


Mais que isso: Vanderlei Siraque também desfilou diretrizes do plano de governo para Santo André: Cidade Acessível, Cidade Segura, Cidade Desenvolvida, Cidade Participativa, Cidade Inclusiva e Cidade Saudável. “A partir desses temas vamos elaborar nossas propostas de melhoria do serviço que já é oferecido à população e implantação de novos projetos.”


 


A materialidade do plano anunciado pelo deputado estadual é questão que será respondida com o tempo.


 


Salto de qualidade


 


É certo que, ao deixar o terreno contaminado das prévias e mostrar a agenda que o moveria a partir da vitória confirmada, Vanderlei Siraque deu salto de qualidade na pauta política para Santo André. Tanto que nem mesmo a possibilidade de inserir o nome da vereadora Heleni de Paiva como candidata a vice da chapa petista o seduziu a abrir a guarda. Heleni trocou recentemente o PT pelo PDT e é vista como composição de chapa envolvente — penetraria no eleitorado mais conservador de Santo André que resistia ao PT mesmo nos tempos de Celso Daniel, e também porque é mulher.


 


Os oposicionistas de Santo André especularam o tempo todo com a possibilidade de o PT sair arranhado das disputas internas. Por isso estavam exultantes nos dias de terror no Paço Municipal. Antes que a semana pós-prévias terminasse, não faltaram mobilizações. Paulinho Serra, que deve disputar com o ex-triprefeito Newton Brandão a indicação dos tucanos, sonha em concorrer à Prefeitura. Ainda em primeiro mandato como vereador, Paulinho Serra sabe que terá dificuldades para obter a indicação, embora conte com o apoio dos cardeais estaduais do partido.


 


Não está descartada nem mesmo a candidatura de Duílio Pisaneschi pelo PSB. Depois de praticamente ter acertado composição com Mário Maurici, nos tempos em que se dava como certa a candidatura de Ivete Garcia, o ex-deputado federal pode reconsiderar a decisão. Ele teria dificuldade de substituir o acordo com Mário Maurici por Vanderlei Siraque.


 


Certo mesmo é que o advogado Raimundo Salles há muito já estava na arena eleitoral. O democrata tem feito dos bairros de Santo André constante maratona. Em visitas familiares, a feiras livres e comerciantes, cumprimenta a todos e fala dos planos para a Prefeitura. Já prepara ações de governo. Até anunciou o ex-medalhista olímpico de prata, William Carvalho para coordenar o plano de governo na área esportiva. Outras grifes pessoais vão marcar uma candidatura que reconhece as dificuldades de superar o PT, mas está confiante: “Governar durante muito tempo desgasta, e o PT está desgastado”.


 


A expectativa eleitoral em Santo André depois de tantos desarranjos petistas em novembro e da dificuldade de recosturar um tecido maltratado passa também pelos oposicionistas. Todos se consideram suficientemente fortes para se oferecerem no mínimo como contraponto do PT. Não se reconhece publicamente dificuldade de surpreender o candidato escolhido pelos petistas. Invariavelmente, desdenham dos oponentes que igualmente querem derrubar o PT. A constatação preliminar de que entre a reaproximação dos petistas, mesmo com cicatrizes que jamais vão desaparecer, e a aproximação dos oposicionistas, é mais viável a primeira possibilidade.


 


Razões programáticas e ideológicas que fazem do PT agremiação minimamente sólida a ponto de se dar ao desfrute de submeter-se a prévias eleitorais seriam praticamente fantasiosas na centro-direita dividida em vários pedaços e por propostas que não se cruzam porque, na maioria dos casos, existem apenas como discurso eleitoral. É contra essa realidade que Raimundo Salles pretende remar, transpondo para espectro diferente do eleitorado uma marca própria de liberalismo.    


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