A 18 meses das eleições para a Prefeitura de Santo André, o quadro sucessório lembra situação comum no futebol varzeano em que vale mais a vontade do que a organização: o time da casa tem mais jogadores do que vagas disponíveis e o adversário é um catado cujos atletas fingem que se respeitam mas no fundo defendem as próprias individualidades, procurando escalar-se à revelia dos demais sem se dar conta da importância do conjunto.
O time da casa é o PT, no poder desde que Celso Daniel ganhou as eleições de 1996. O time visitante é um aglomerado de pretendentes ao estrelato que ignora o coletivismo e perpetua lutas intestinas. Querem no peito e na raça garantir pelo menos um tempo extra para decidir a partida, agora sim observando-se mutuamente como um conjunto a ser costurado, apesar das diferenças que os separam. Seria o instinto de sobrevivência política que os uniria.
O PT de Santo André engalfinha-se numa contenda que coloca na ponta de apostas a vice-prefeita e secretária municipal Ivete Garcia e o deputado estadual Vanderlei Siraque. O vereador Cláudio Malatesta e o militante Ivo Martins não querem abrir mão da viabilidade de concorrer — ou de pelo menos negociar vantagens para se posicionar na disputa que de fato começa com a escolha do candidato do partido que soma 3,5 mil militantes. Tanto um quanto outro têm parcela dos filiados petistas que o seguiriam por aptidão ideológica ou por perspectivas e ações puramente interesseiras.
A enxurrada de concorrentes oposicionistas comporta variado cardápio que tanto pode satisfazer o apetite dos eleitores mais versáteis quanto provocar congestão. Desde o empresário Sérgio De Nadai, magnata das marmitas que alimentam parcela considerável dos presídios paulistas, até o ex-deputado federal Duílio Pisaneschi, perdedor em duas tentativas de chegar ao Paço Municipal. Tanto Sérgio De Nadai quanto Duílio Pisaneschi disputariam a legenda do PSDB com o ex-triprefeito Newton Brandão, derrotado nas últimas eleições municipais. Pisaneschi leva a vantagem da proximidade com José Serra desde os tempos de Câmara e de Senado. O histórico pode influenciar na obtenção da legenda, embora a máquina tucana ainda tenha muitas marcas de Geraldo Alckmin. O PTB também seria um abrigo formal para qualquer uma das candidaturas.
Salles na frente
A uma década longe do poder municipal que Newton Brandão deixou em dezembro de 1996, os conservadores de Santo André têm outras alternativas. O advogado Raimundo Salles, até prova e custos eleitorais em contrário, é o favorito para chegar a possível segundo turno em outubro do ano que vem. Ele vem carregadíssimo de prestígio, depois de somar 56.195 votos nas eleições para a Câmara Federal no ano passado. Desse total, obteve 29.219 em Santo André, superando estrelas variadas. Não chega a ser uma possível mancha indissolúvel à imagem de que teria saído derrotado porque, apesar de bem votado, não se elegeu. Uma boa campanha de marketing poderá torná-lo espécie de vítima do sistema eleitoral que levou a Brasília candidatos muito menos votados.
A situação de Raimundo Salles é bem mais confortável em relação a que encaçaparia Sérgio De Nadai, empresário que jamais disputou um voto sequer mas que não pode ser avaliado como novidade política. Ele trafega há uma década e meia pelos escaninhos do governo do Estado, origem da fortuna que começou a amealhar com marmitas aos presidiários num dos negócios mais rentáveis do País. A população carcerária paulista triplicou nos 12 anos do governo do PSDB.
Dificilmente a candidatura de Raimundo Salles encontrará respaldo numa primeira etapa entre os conservadores que disputam a legenda do PSDB e do PTB. Há em comum entre Sérgio De Nadai, Duílio Pisaneschi e Newton Brandão uma quase insuperável aversão por Raimundo Salles. O sentimento é antigo e tem relação com o fato de Raimundo Salles ter se infiltrado num eleitorado supostamente sob controle de conservadores mais antigos de Santo André. Salles irrompeu na classe média-média que principalmente Duílio Pisaneschi e supostamente Sérgio De Nadai pretenderiam dominar. Diferentemente dos dois adversários, e também de Newton Brandão, Raimundo Salles esbanja disposição em buscar votos. Faz do método Celso Daniel um dogma: gasta solado de sapatos para visitar eleitores de casa em casa.
Retirada de apoio
Além da invasão de domicílios eleitorais de concorrentes com maior tradição em Santo André, nas eleições municipais de 2004 Raimundo Salles retirou apoio à dupla Brandão-Pisaneschi, quando fez refluir a coalizão de mais de uma dezena de partidos cujos integrantes se dividiram entre o distanciamento e o apoio tático mesmo que envergonhado a João Avamileno. O concorrente petista acabou eleito em segundo turno com menos de cinco pontos percentuais de vantagem numa disputa em que tudo parecia encaminhado para a derrota petista, ainda sob a bateria de desconfianças do caso Celso Daniel.
Raimundo Salles agiu com a inteligência prática de quem sabia que a vitória de Brandão-Pisaneschi estreitaria o horizonte do sonho de chegar à Prefeitura de Santo André. Mais que isso: desconfiava de que o acordo que partia e repartia secretarias e autarquias não seria efetivamente honrado, apesar de supostamente assinado, porque aos olhos e mentes dos dois caciques com os quais juntou provisoriamente as peças eleitorais surgiria como ameaça nas eleições seguintes.
Beneficiado com o arquivamento dos planos de Klinger Sousa virar prefeito, depois da morte de Celso Daniel, Raimundo Salles preferiu não contribuir para dar sobrevida eleitoral a Newton Brandão e tampouco embalar a recuperação de Duílio Pisaneschi.
Fora esses quatro nomes (De Nadai, Duílio, Brandão e Salles), as perspectivas sempre elásticas mas imprecisas dos oposicionistas em Santo André encontram o engenheiro Ajan Marques e o vereador-médico Aidan Ravin como forças capazes de dar um empurrão na tentativa de esticar a disputa para o segundo turno. Esse, aliás, é o ponto central dos objetivos individuais dos concorrentes que querem apear o PT do Paço Municipal: carregar a disputa para um novo turno significaria zerar o jogo eleitoral, situação que, acreditam os conservadores, poderia conduzir todas as correntes a, finalmente, se juntar e dividir o poder.
Desconsidera-se nesse caso o alargamento dos tentáculos do PT nascido das composições partidárias que dão respaldo ao governo Lula da Silva.
Aidan flutua
A candidatura de Aidan Ravin, dono de uma montanha de mais de 10 mil votos nas eleições para vereador de 2004, também flutua entre a perspectiva de engrossar os votos oposicionistas que provocariam o segundo turno ou uma possível negociação que o instalasse como candidato a vice-prefeito na possível chapa de Ivete Garcia. A região de Vila Luzita, reduto eleitoral de Aidan Ravin, ajudou a estreitar a diferença de votos na vitória de João Avamileno contra Newton Brandão. Foram votos repassados automaticamente pelo vereador mais votado de Santo André depois de acordo nos dias seguintes à apuração do primeiro turno.
É remotíssima a possibilidade de o deputado federal Celso Russomanno voltar a concorrer em Santo André, repetindo a experiência de 2000 quando, Duílio Pisaneschi desistente, obteve mais de 80 mil votos contra um Celso Daniel no auge da carreira. O defensor em programas de televisão dos consumidores ludibriados está com os olhos postos na Prefeitura da Capital. Tanto que disputa o controle da máquina partidária com o ex-governador e de novo deputado federal Paulo Maluf.
Além disso e contrariamente ao contexto político-partidário de 2000, Celso Russomanno teria razões para evitar colisão com os petistas de Santo André. A notoriedade do deputado federal principalmente no eleitorado mais popular poderia comprometer um dos filões que abastecem a candidatura petista de Ivete Garcia e, em menor escala, de Vanderlei Siraque. Mais de Ivete Garcia porque a secretária municipal trata diretamente do Orçamento Participativo, espécie de democratização da alocação de recursos orçamentários a obras diversas.
Embora se afirme que há equilíbrio entre Ivete Garcia e Vanderlei Siraque na busca de votos dos militantes petistas, não faltam especialistas em PT que garantem que tudo não passa de jogo pré-eleitoral para valorizar o passe do único deputado estadual do partido em Santo André. O que de fato Siraque pretenderia como suposto concorrente petista é abrir mais espaços na máquina administrativa. Colocar mais aliados em postos-chave o fortaleceria internamente, garantiria re-reeleição à Assembléia Legislativa e semearia o solo para a disputa municipal de 2012, quando uma possível vitoriosa Ivete Garcia estaria impedida de concorrer com a provável desativação do critério de reeleição.
Desistência improvável
Certo mesmo é que Vanderlei Siraque, com forte atuação na área de segurança pública, não desistirá fácil da cadeira de João Avamileno que, aparentemente, se mantém neutro. Mais que isso: quer tornar a disputa um capítulo especial das eleições. Por isso é possível que, para evitar possíveis rupturas que repercutam nocivamente em outubro do ano que vem, o PT poderá antecipar para setembro as prévias inicialmente previstas para até abril do ano que vem.
Com as prévias agora, seja qual for o resultado que apontará o concorrente do partido, haveria tempo para curar feridas. Aliás, essa é a expectativa de Fabrício Avamileno, filho do prefeito e assessor estratégico do deputado estadual.
A conceituação de que o maior adversário do PT nas eleições do ano que vem é o próprio PT não está limitada a eventual arrogância petista. Muitos dos próprios correligionários dos candidatos de oposição reforçam o coro, entre outros motivos, porque confirmam a falta de unidade entre os adversários do PT.
Perda difícil
De fato, a perspectiva de que o PT venha a perder o controle do Paço Municipal é analisada como otimismo exagerado de opositores mais empedernidos. Além do controle da máquina, que ajuda a fazer a diferença nos votos, a Prefeitura de Santo André poderá receber reforço dos primeiros milhões de reais do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal. Seriam beneficiadas áreas sociais das periferias já doutrinadas com o Bolsa Família e a estabilidade da moeda que ajudou a baratear preços dos alimentos. O efeito-Lula é reforço extra com que contam os petistas.
Somente um escândalo de largas proporções (o que é tradição no período eleitoral no País) poderia abalar os alicerces petistas. Mesmo assim, coloca-se em dúvida a interrupção da trajetória que consolidaria a quarta administração petista seguida em Santo André. Contabiliza-se no Paço de Santo André a possibilidade de forte impacto no setor de transporte coletivo. Está na esfera judicial escaramuça entre o empresário de transporte coletivo Ronan Maria Pinto, também acionista majoritário do Diário do Grande ABC, e o Grupo Júlio Simões, conglomerado de empresas de vários setores que pretende assumir a concessão municipal de receita bruta próxima de R$ 100 milhões por ano.
A Nova Santo André, consórcio sob o controle de Ronan Maria Pinto, recorreu à Justiça para interditar os passos da Júlio Simões. A empresa com sede em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, apresentou proposta de remuneração financeira muito mais vantajosa aos cofres da Prefeitura. A Nova Santo André, entretanto, alega incorreções na planilha técnica que sustentaria artificialmente a disparidade de valores de remuneração aos cofres públicos. A diferença é abissal.
Não se sabe até que ponto possíveis efeitos colaterais de eventual derrota da Nova Santo André poderiam atingir o Paço, considerando-se que o Ministério Público acusa o empresário e o Paço Municipal de movimentarem recursos de propinas durante a gestão de Celso Daniel. A força-tarefa do MP se mantém na defesa da versão de crime de encomenda do então prefeito petista, correlacionando-o ao suposto esquema de caixa dois da Prefeitura, movido pelo setor de transporte coletivo.
Tanto a Polícia Civil de São Paulo sob o governo de Geraldo Alckmin, em dois inquéritos, como a Polícia Federal do governo Fernando Henrique Cardoso, desvincularam um caso do outro. Pelo menos até agora o MP não conseguiu nenhuma vitória no campo administrativo sobre possíveis propinas. No campo criminal a acusação que pesa sobre Sérgio Gomes perdeu força depois de novo inquérito policial da delegada Elisabete Sato.
Designada para comandar a reabertura das investigações pelo então secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu, alckminista de primeira hora, Elisabete Sato concluiu pela inocência de Sérgio Gomes. Titular durante vários anos da 78ª Delegacia da Capital, Elisabete Sato foi promovida pelo governo de José Serra: agora está dirigindo uma das cinco delegacias seccionais da Capital.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)