Espécie de supersecretário da Prefeitura de São Bernardo, o advogado Maurício Soares divide com o deputado estadual Orlando Morando as principais fichas da bolsa de apostas da candidatura do Paço Municipal às eleições do ano que vem, mais que prováveis contra o petista Luiz Marinho. Aos 66 anos de idade e do alto da experiência de 10 anos à frente de um dos municípios mais ricos e também problemáticos do País, o ex-petista Maurício Soares não teme a possibilidade de ser espicaçado em eventual disputa eleitoral por causa do que muitos avaliam como nebulosas razões para renunciar ao cargo de prefeito em 5 de março de 2003, quando foi substituído pelo vice William Dib.
O possível candidato situacionista conta uma novidade nesta entrevista: os problemas de saúde que o levaram a deixar a Prefeitura não se restringiam à inflamação nos ombros e tampouco ao diabetes. Ele também tinha coronárias entupidas. Maurício Soares faz a revelação sem constrangimento, entre outros motivos, porque afirma estar plenamente recuperado e também porque não tinha outra saída ética senão a renúncia.
Bem de saúde, conforme garante, Maurício Soares mostra que está em plena forma político-diplomática. No velho estilo de quem acumula experiências suficientes para saber o momento exato de dar ou não um passo adiante para matar a sede das especulações, ele não admite publicamente candidatura à sucessão de William Dib, titular do Paço Municipal a quem cobre de elogios.
Até mesmo para a quebra da qualidade de vida na esteira do desemprego industrial que assolou São Bernardo nos últimos 15 anos, Maurício Soares tem discurso contemporizador e exemplos de muitas obras realizadas, como se os quase 40% de perdas na produção da indústria de transformação por habitante durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso não repercutissem no conjunto da cidade.
Sempre sob a evidente condicionalidade de candidatar-se à Prefeitura de São Bernardo no ano que vem, o senhor também acredita que a renúncia em 2003 seria provavelmente o calcanhar-de-aquiles que os adversários, principalmente o PT de Luiz Marinho, atacariam com maior voracidade? Como se defender de questionamentos e dúvidas sobre sua retirada e também sobre a recuperação da saúde?
Maurício Soares — Todos podem ficar doentes. Os que adoecem procuram assistência médica. Alguns se recuperam e voltam ao trabalho. Eu adoeci, afastei-me por três meses do cargo, através de uma licença de 60 dias, aprovados pela Câmara, e mais 30 dias de férias vencidas. Aos 5 de março de 2003, renunciei ao cargo de prefeito. Poderia ter solicitado licenças sucessivas e terminar o mandato. Achei que não seria honesto fazê-lo e nem seria bom para São Bernardo.
Quando me afastei, tinha um processo de inflamação nos ombros conhecida como bursite, que impedia a movimentação, e um processo de diabetes. Este estado me deixava desanimado e cansado. Após a renúncia busquei novos tratamentos, fiz um check-up e descobri que tinha três coronárias entupidas. Realizei uma angioplastia, com implantação de stent, o que foi muito benéfico para minha saúde. Através de acupuntura e fisioterapia curei a bursite, o que aconteceu também com o presidente Lula. Voltei à ativa em meados de 2003 e desde então estou trabalhando duro, seja na coordenação da vitoriosa campanha do doutor William Dib, seja à frente da Coordenadoria de Ações Comunitárias, a partir de janeiro de 2004 e acumulando a Secretaria Especial de Infra-Estrutura.
Muitos o consideram imbatível. O senhor é mesmo imbatível?
Maurício Soares — Uma vitória eleitoral não é coisa simples. A vitória é resultado de um trabalho de equipe, da estratégia e do desenvolvimento da campanha.
Em julho de 2000, portanto há quase sete anos, o senhor foi capa de nossa revista e entre outras declarações afirmou, sobre o arco de alianças partidárias que deu sustentação à sua candidatura em 1998, que questões municipais são mais práticas, e que não há diferença entre PFL e PPS, por exemplo. O senhor acredita que, como candidato, voltaria a contar com guarda-chuva de partidos de histórias tão díspares?
Maurício Soares — Em nível municipal as coisas podem ser mais simples. As preocupações são comumente reduzidas às reivindicações e necessidades locais, o que gera pouquíssimas diferenças. Sob esse ponto de vista há uma distância abissal entre coligações locais e coligações em nível nacional. Estas envolvem coisas mais relevantes como questões da política financeira, das reformas constitucionais, da presença maior ou menor do Estado na economia etc. Se for candidato, procurarei armar coligação a mais ampla possível, porque minha experiência pessoal, ao lidar com esse problema, indica que o que afirmei em 2000 estava certo.
Muito se especula sobre o candidato situacionista em São Bernardo. Caminha-se para a conversão da maioria das forças de governabilidade do Paço Municipal em direção a seu nome. Se pudesse isoladamente escolher o perfil ou mesmo o candidato ao cargo de vice-prefeito, por quem o senhor optaria?
Maurício Soares — Ainda nem sei se serei o candidato a prefeito e, portanto, não seria adequado especular sobre o vice. Se, afinal, for candidato, tenho bem claro o perfil que prefiro para compor a chapa. Política, como se sabe, exige capacidade de negociar e transigir naquilo que não é antiético.
O senhor acredita que o perfil de antigo integrante do PT, da ala moderada, é suficiente para neutralizar parte dos votos da esquerda em favor do candidato do PT nas próximas eleições municipais, ou, eventualmente, a chapa com um vice também da mesma origem poderá dividir, de vez, o eleitorado adversário?
Maurício Soares — O Osmarzinho (Osmar Mendonça) é um político armado na arte de dialogar e negociar. Isso é bom. Entretanto, as questões de direita e esquerda a meu ver estão muito diluídas, quase sumindo. Nunca fui da esquerda radical. Entretanto recebo votos de todo espectro político. O mesmo posso dizer de políticos como doutor Dib e outros.
São Bernardo perdeu comprovadamente 40% da produção industrial por habitante no período de 1996 a 2005. Com isso, se fossem zerados os números históricos, ou seja, se fossem esquecidos os anos anteriores a 1996, São Bernardo estaria entre os quatro últimos colocados no grupo dos 75 municípios mais importantes do Estado. A flacidez orçamentária de São Bernardo, decorrente das perdas industriais, é incontrolável?
Maurício Soares — Não sou um “expert” em política econômica. Disso entende muito melhor meu amigo Daniel Lima. As perdas industriais são evidentes e não pretendo negá-las. Entretanto, isso não altera significativamente o orçamento municipal.
Por que o orçamento de São Bernardo não foi ferido de morte com as perdas industriais? Primeiro porque as finanças foram saneadas. Em 1997, assumi com uma dívida equivalente a um orçamento, ou pouco mais. Reduzi essa dívida, renegociando contratos, esticando o perfil das dívidas, pagando os atrasados a fornecedores de serviços e empreiteiras, tudo parceladamente. Enfrentei o desperdício e o abuso, coloquei a disciplina como ponto fundamental, e, com tudo isso, readquiri o crédito perdido da Prefeitura.
A Prefeitura que há 20 anos não podia fazer empréstimos ou financiamentos readquiriu essa condição. Não há mágica de se administrar em meio a desordem financeira. A cidade que estava estagnada, deteriorando-se em quase todos os níveis, passou a receber obras novas, entre as quais: a urbanização de 51 bairros da periferia, com instalação da infra-estrutura (água, esgoto, iluminação, galerias pluviais, transporte etc). Dezenove desses bairros são denominados ecológicos pela aplicação de novas tecnologias e intensa participação popular. Construí 40 novas escolas e assumi 26 escolas estaduais. Municipalizei o Ensino Fundamental e a rede que era de 25 mil alunos em pouco tempo tinha mais de 75 mil. Hoje deve ter perto de 100 mil. Criei bibliotecas interativas e laboratórios de informática.
Construí o Ginásio Poliesportivo e mais seis ginásios menores na periferia. Em parceria com o governo do Estado, construí o viaduto do Km 20,7 da Via Anchieta e as novas entradas do Jardim Silvina, do Bairro Assunção e do Rudge Ramos. Também em parceria com o Estado foi feito o nosso Fórum. Reformei, ampliei e equipei o Hospital Acari do Rudge Ramos, implementando ali a Casa da Gestante, o Banco de Leite Materno e o charmoso Projeto Canguru. Também o Hospital Anchieta foi reformado, ampliado e equipado. Criei a Orquestra Filarmônica de São Bernardo. A enumeração pára por aqui para não se tornar tedioso. O que quero dizer é que, apesar dos apertos, a cidade não empobreceu. Ao contrário, ficou mais rica e feliz. Quero dizer também que qualquer dado não pode ser visto isoladamente.
Até que ponto o senhor acredita que governos municipais, dentro do regime federativo do Brasil, têm influência na condução de políticas econômicas que neutralizem ou atenuem os efeitos macroeconômicos de um modelo de inserção internacional aparentemente inexorável? Traduzindo: o que os prefeitos podem fazer de fato para contornar as dificuldades que o mundo dos negócios regido pela competitividade impõe?
Maurício Soares — É certo que a economia municipal caminha ao compasso do macroeconômico. Não é possível fazer muito, quando o País está mergulhado na recessão. Em épocas de vacas magras, o fluxo de capital diminui e o Município, com exceção dos que arrecadam mais do que precisam, nada podem fazer. Quando, porém, as condicionantes são mais favoráveis, os municípios devem criar as condições para que se realizem os desideratos do crescimento, atração de empresas e incentivos. O doutor Dib tem feito isso muito bem.
Qual é sua avaliação sobre a administração de William Dib, tanto no campo social quanto no econômico? O senhor está feliz com o desempenho daquele que escolheu para vice-prefeito na disputa de 1998 e que o substituiu após a renúncia?
Maurício Soares — O prefeito William Dib é o mais inteligente e competente prefeito que São Bernardo já teve. Promoveu o crescimento econômico, investiu pesado na saúde e na educação, continuou a construção do Cenforpe e mais recentemente está investindo pesado na periferia, construindo creches (15), escolas (sete), ambulatórios médicos regionais. Talvez o jeito de ele administrar não coincida inteiramente com o meu, porque somos pessoas diferentes e de origens diferentes. Sua administração, em muitos pontos, foi superior à minha.
Se lhe fosse feito o desafio de listar três prioridades absolutas para São Bernardo, o que o senhor apontaria?
Maurício Soares — A educação, a saúde e o crescimento econômico serão as prioridades para o futuro governante de São Bernardo, mas temos de salientar a importância da discussão desses temas em âmbito regional, através da valorização das instâncias regionais como o Consórcio Intermunicipal e a Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC. Não podemos entender que a solução dos problemas de São Bernardo passe apenas pela cidade. Temos de pensar de maneira regional e criar sinergia entre os municípios.
O senhor faz parte do grupo de personagens do Grande ABC que ainda acreditam na recuperação da institucionalidade regional, que viveu fase de deslumbramento em meados da década passada e depois mergulhou em marasmo, ou acredita que há rupturas que exigem alguns anos para novas costuras? Consórcio de Prefeitos, Agência de Desenvolvimento Regional e Câmara Regional estão cumprindo os respectivos papéis?
Maurício Soares — A questão do regionalismo deve ser analisada com sabedoria e paciência. Essas instituições devem ser valorizadas e fortalecidas. Precisamos saber conviver com as situações melhores e outras não tão boas. A renovação de prefeitos a cada quatro anos às vezes dificulta a retomada e a sequência dos projetos. O mesmo se diga com relação à eleição de governadores. A perda do prefeito Celso Daniel, em boa dose, significou também perdas para o regionalismo. É preciso continuar acreditando, volver às origens e trabalhar sempre mais.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira