Administração Pública

Trauma mantém IPTU
de Santo André baixo

DANIEL LIMA - 22/11/2002

Haverá pouco impacto no bolso dos contribuintes de Santo André quando os carnês do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) forem lançados no ano que vem. O aumento do volume de arrecadação previsto pelo secretário municipal de Finanças, Sérgio Vital, será de 5%. Pelo menos foi o que o executivo público apresentou na tarde de anteontem no Paço Municipal, durante encontro com representantes da comunidade. Não ficou claro se o aumento é aumento de fato -- isto é, acima da inflação do período -- ou correção pura e simples em relação ao volume arrecadado este ano. Acredita-se que seja o primeiro caso.


 


O mais importante é que o perfil geoeconômico do IPTU de Santo André será mantido e que o prefeito João Avamileno contará com modestos recursos orçamentários desse tributo que, comparativamente à média dos demais municípios, é o menos expressivo, excluindo-se a pequena Rio Grande da Serra.


 


Com a simplicidade e a franqueza que o caracteriza, o prefeito João Avamileno disse durante a reunião que a Administração Pública de Santo André ainda está traumatizada com as manifestações de grupos conservadores que, já em 1990, pressionaram o recém-eleito Celso Daniel quando da emissão dos carnês que pretendiam engatar a importância orçamentária do IPTU. O prefeito não adjetivou os manifestantes. O apêndice é por conta deste jornalista.


 


Naquela oportunidade, um movimento liderado pela Associação Comercial e Industrial de Santo André entornou o caldo petista. É verdade que, lentamente, Santo André vem desbastando as fibras da defasagem patrocinada por administradores públicos que utilizaram o IPTU como ferramenta eleitoral. Entretanto, como os tempos são bicudos e a evasão industrial esvaiu o carro-chefe das receitas orçamentárias de Santo André -- no caso, os repasses do ICMS --, correr atrás de impostos diretos, municipais, pode consolidar a diferença entre um complicado, um razoável ou um bom atendimento na área de saúde, por exemplo.


 


Novos contribuintes


 


 


Ainda segundo informações do secretário de Finanças, a correção de 5% no volume de receitas do IPTU não corresponderia aos mesmos 5%, em média, no bolso dos contribuintes, porque cinco mil novos contribuintes foram incorporados ao cadastro de atualização da Planta Genérica de Valores. Aliás, o secretário se apresentou na reunião exatamente para explicitar de forma didática a metodologia que cimentou os estudos da PGV.


 


O que está faltando a Santo André e aos demais gerenciadores públicos da região é tornar mais transparente o perfil dos contribuintes do IPTU, como, aliás, escrevemos recentemente. Se é verdade que Santo André é um caso à parte na Administração Pública do Grande ABC com o programa Cidade Futuro, no qual se aproximam os gestores públicos e a sociedade em busca de soluções compartilhadas, também é fato que as informações precisam descer a detalhamentos.


 


No caso específico do IPTU, Santo André precisa corrigir a rota que a coloca como vítima e vilã de uma contradição: ao mesmo tempo em que arrecada muito pouco em confronto com os demais municípios da região, mantém taxa localizada de insatisfação.


 


Como se explicaria essa dissonância administrativa? Primeiro, com o populismo dos prefeitos antecessores no Paço Municipal que obrigaram o Partido dos Trabalhadores, em face do redemoinho industrial, a uma reviravolta nos conceitos de arrecadação própria. Segundo, porque embora economicamente decadente ao longo de 30 anos, Santo André mantém-se como centro nervoso da região e, mais precisamente, onde se concentra uma elite de atuação política barulhenta e que se faz repercutir com estridência nos meios de comunicação.


 


Fundamentação ideológica 


 


Por isso, ao utilizar a expressão "trauma" o prefeito foi contundentemente sincero -- mas é pouco. E ele sabe disso. A Administração Pública de Santo André precisa também de ousadia no campo tributário. Como já mostramos, o IPTU é uma das menores frações do custo tributário bruto, mas reúne viés explosivo porque é tratado esquizofrenicamente por dois pólos sociais: a elite influente nos meios de comunicação que gasta muito mais recursos com outros impostos e mesmo com o consumismo ostensivo ou omisso (vejam os custos abusivos e nem sempre transparentes dos condomínios residenciais e comerciais, por exemplo!) e a imensa periferia orquestrada politicamente com finalidades eleitorais.


 


Desta forma, a progressividade do IPTU transforma-se em embate de fundamentação ideológica, porque os incluídos sociais se sentem atingidos por uma política discriminatória de distribuição de renda por meio de propriedade privada e os menos favorecidos plantam estacas de resistência diretamente no seio dos gerenciadores públicos mais enraizados na comunidade, como é o caso do Partido dos Trabalhadores e seu programa de Orçamento Participativo.


 


Resultado dessa operação de medição de forças? No caso específico de Santo André consolida-se o aprofundamento de uma divisão social claramente perniciosa para os cofres públicos, além de, dada a falta de visibilidade do perfil monetário e geográfico  do imposto, conjecturarem-se cenários fantasmagóricos sobre os níveis do fosso que separa os supostamente beneficiados e os eventualmente penalizados com a progressividade do IPTU.


 


Outros municípios


 


Ainda sobre o "trauma" ao qual se referiu o prefeito João Avamileno, basta uma varredura na pasta "IPTU" de meus arquivos pessoais para descaracterizar qualquer sentimento paranóico do titular do Paço. João Avamileno não tem mesmo mania de perseguição, pelo menos quando se trata de IPTU, porque fustiga-se a Administração Pública local sem complacência, enquanto outros prefeitos da região, que adotaram políticas muito mais agressivas de correção de valores são tratados a pão de ló. Alguns foram contemplados com manchetes consagradoras à aprovação do IPTU progressivo, enquanto metralhadoras foram direcionadas a Santo André quando se tratou da mesma questão.


 


No livro Complexo de Gata Borralheira escrevo que Santo André é a capital cultural da região. Não é à toa. E não se veja nessa marca apenas aspectos supostamente luminosos, porque a expressão tem significado amplo, geral e irrestrito. Vale inclusive para interpretação depreciativa de cultura, no sentido de obscurantismo, dissimulação, maquiavelismo, conservadorismo. Esses ingredientes, no caso específico do IPTU, são evidentes. Até porque também o PT de Santo André não soube conduzir o processo. Abriu as portas de debates sem escancarar as informações. Enquanto isso, outros administradores públicos da região dão cachos de banana para os agentes sociais eventualmente dispostos a participar de encontros análogos aos de Santo André.


 


Cronologia das enchentes


 


Os agentes econômicos, interessadíssimos em reduzir o impacto de custos tributários, não ficam atrás nas manifestações que caracterizam cíclicos desacordos com as políticas públicas locais. Passada a temporada de reclamos, geralmente no quadrimestre formado entre os dois últimos meses de um ano e os dois primeiros do ano seguinte, voltam-se a seus afazeres. Queixas contra o IPTU seguem cronologia semelhante no período, na intensidade e na fragilidade das enchentes de verão.


 


A iniciativa de debruçar-se sobre a Planta Genérica de Valores para escarafunchar informações que alimentariam propostas alternativas para a redução do Custo ABC nas atividades produtivas e comerciais deveria ser um dos mandamentos sagrados das associações comerciais e das unidades dos Ciesps.


 


Entretanto, como essas instituições não contam com quadros técnicos qualificados em análises estratégicas de mercado, dá-se a sistemática e sazonal temporada de lamentações vazias. Fossem interativos, associações e Ciesps poderiam minimizar os custos relativos do esmiuçamento dos dados e da proposição de mudanças inclusive com a contratação de técnicos especializados em regime temporário.


 


Papel muito diferente


 


Para tornar essa idéia mais didática, a iniciativa permitiria minucioso levantamento de custos individuais com o IPTU dos empreendimentos industriais, comerciais e de serviços em cada um dos municípios locais e, a partir daí, com esse massa de informações, dá para imaginar o que seria possível produzir em matéria de estudos e ações para oferecer muito mais nitidez ao genoma econômico do imposto.


 


Enfim, o que se precisa praticar em matéria de relacionamento da sociedade como um todo com o Poder Público é uma quebra de paradigmas liderada pelos próprios agentes interessados. No caso específico dos agentes econômicos, o que prevalece mesmo nos casos alçados às manchetes são posicionamentos corporativos ou individualistas permeados de interesses específicos, alguns providenciais e outros meramente político-eleitorais.


 


O problema todo no setor econômico regional é que as instituições que representam o empresariado são tão desprovidas de ferramentas estratégicas que o enunciar dessa proposta provavelmente vai soar como extravagância. É mais fácil -- e nisso a história regional é repleta de exemplos -- exteriorizar descontentamento temporão, como quem tenta se justificar para os associados, atribuindo-se a responsabilidade exclusivamente ao Poder Público. Na sociedade moderna, onde o capital social prevalece, não há compartimentação entre mercado, governo e sociedade. Todos estão no mesmo barco.


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