O Editorial de hoje do Diário do Grande ABC está equivocado, muito equivocado. O Diário do Grande ABC perdeu o equilíbrio na interpretação de fatos políticos, e perdeu o equilíbrio porque perdeu outras coisas. Repito: Editorial do Diário do Grande ABC de hoje está equivocado.
Vou explicar: quando utiliza a expressão “Dois pesos e duas medidas” no título crítico à decisão do prefeito Donisete Braga de claramente retaliar o governador do Estado ao anunciar um calendário de racionamento de água às portas das eleições, o Diário transmite a impressão de que passou por uma sessão de psicanálise editorial e reproduziu, a dano de terceiros, suas próprias fraquezas.
Vou explicar por que o Diário do Grande ABC está enganado.
Existe uma conexão insofismável e plenamente coerente entre os dois fatos envolvendo a Prefeitura de Mauá e o governo do Estado. Primeiro, o governo estadual pretendeu instalar um cavalo de Troia eleitoral durante os 15 últimos dias de campanha eleitoral nas ruas de Mauá. A carreta do programa Mulheres de Peito, que populariza sobrerrodas intervenções para reduzir os estragos de câncer de mama, foi impedida de percorrer as ruas do Município. Não satisfeito com a ação defensivista, o prefeito de Mauá deu um troco ao que parece fatal: vai faltar água nas torneiras das moradias locais a partir da próxima quarta-feira porque seria necessário reduzir o uso do líquido nestas alturas do campeonato de crise sem precedentes no abastecimento da Grande São Paulo.
Sabesp diz a verdade?
Fez muito bem a reportagem do Diário do Grande ABC ao procurar a Sabesp, companhia estadual que mantém contrato com a Sama, autarquia municipal de água, para checar a veracidade da informação da Prefeitura de Mauá. E acabou o jornal descobrindo que, diferentemente do que anunciou a Prefeitura, a Sabesp informou que aumentou o volume de água fornecido a Mauá. Soa estranho que num período de crise hídrica a Sabesp tenha elevado o volume à distribuidora de Mauá. Estaria a companhia estadual informada sobre eventual Operação Torneira Seca?
Pena que no caso da carreta de mamografia o Diário do Grande ABC não tenha tido o mesmo empenho informativo. Poderia, se quisesse oferecer mais claridade ao assunto, ter traçado cuidadosamente o calendário de visitas ao identificar não só os municípios contemplados nesta temporada como também as cores partidárias dos respectivos prefeitos. Interessaria sobremaneira o período pós-Copa do Mundo, quando de fato se iniciaram as campanhas eleitorais.
Quanto ao caso da água, o erro do jornal -- e nesse ponto o título do Editorial lhe serve de carapuça e não de suposta incoerência decisória do prefeito Donisete Braga -- é acreditar ou fazer-se acreditar que o caso da carreta é diferente do caso da água, quando, de fato, são metades da mesma laranja de interesses eleitorais.
Basta um mínimo de reflexão para entender o seguinte: a invasão do tanque de guerra eleitoral do governo do Estado, na forma de uma carreta itinerante para diagnosticar o peito das mulheres de Mauá, tem a mesma tessitura política da contraofensiva de Mauá ao programar rodízio de abastecimento de água às vésperas das eleições. Ou, não caberia perguntar se, diante de tantas possibilidades, a carreta da mamografia não teria sido plantada em Mauá como ação preventiva para desgastar o prefeito Donisete Braga contra eventual vazamento de informação de que Mauá pretendia secar as torneiras pouco antes do primeiro turno e durante todo o segundo turno das eleições presidenciais? Em política, mais precisamente durante o período eleitoral, nenhuma arma é subestimada.
Reveses do governador
Notem os leitores que, mais que propor juízo de valor ético e moral sobre as duas medidas, porque parece mais que evidente que tanto o governador do Estado quanto o prefeito de Mauá não passariam por escrutínio de organizações que zelam pela responsabilidade administrativa acima de cores partidárias, notem os leitores que minhas observações estão centradas na engenharia da guerra de guerrilhas entre essas duas esferas de governo.
E nesse ponto, convenhamos, o governador Geraldo Alckmin, que deverá se reeleger inclusive com votação majoritária em Mauá, sofreu dois reveses consecutivos. Primeiro porque a carreta foi esconjurada das ruas de Mauá como seria de qualquer Município que retratasse diferenças entre o petismo e o tucanismo. Segundo porque as torneiras vão secar em forma de revezamento em todos os bairros pelas mesmas razões anteriores.
Tanto a reportagem quanto o Editorial do Diário do Grande ABC de hoje se mostram incoerentes e provavelmente inspiraram inadvertidamente o título (“Dois pesos e duas medidas”) como ato falho. Da mesma forma que o jornal faz bem em questionar o racionamento de água (“Indagada por que só agora, pouco antes do fim da corrida eleitoral, a Prefeitura decidiu tomar atitude”), na edição de anteontem, quando anunciou em manchetíssima de primeira página o banimento da carreta de Mulheres de Peito, o parágrafo serviria à direção do programa estadual.
Vou, didaticamente, dar um exemplo de como poderia ter sido redigido o texto de hoje do Diário do Grande ABC ou de qualquer jornal que resolvesse abordar a guerra político-eleitoral entre Mauá e o governo do Estado. Simples, muito simples, mas quem disse que o jornalismo destes tempos está preocupado com simplicidade? Leiam a sugestão, à qual daria o título “Mauá contragolpeia Alckmin com racionamento de água”:
O prefeito Donisete Braga, de Mauá, resolveu dar um troco político-eleitoral no governo do Estado. A briga entre petistas e tucanos pelo eleitorado de Mauá, com reflexos em todo o Grande ABC, registra um novo capítulo. Desta vez a Sama, autarquia que abastece os moradores de Mauá com a água vendida pela Sabesp, companhia controlada pelo governo do Estado, determinou que as torneiras do Município vão secar um dia por semana a partir dos últimos dias que separam a disputa do primeiro turno das eleições de outubro até um período subsequente, de eventual segundo turno para o governo do Estado e a Presidência da República. A Sama justifica a medida ao garantir que tem recebido menos volume de água da Sabesp. A Sabesp se defende e diz que aumentou o atendimento, mesmo diante da crise hídrica que ameaça a Grande São Paulo. A decisão da Prefeitura ocorre dois dias depois de impedir que uma carreta do programa Mulheres de Peito, do governo do Estado, que diagnostica câncer de mama, percorresse as ruas do Município durante a reta de chegada da disputa eleitoral.
Em cima do muro
Depois de ler o noticiário digital dos demais jornais da região sobre os quais me debruço diariamente, a constatação é tão lamentável quanto a avaliação do Diário, embora por motivos diferentes. Se o Diário do Grande ABC acertadamente não abriu mão da interpretação político-eleitoral, embora o fizesse de forma viciadamente unilateral, os jornais O Repórter Diário, ABCD Maior e Diário Regional se limitaram burocraticamente a registrar a posição sob enfoque exclusivamente administrativo de Mauá anunciada em entrevista coletiva.
Nenhum desses três veículos diários (no campo digital) meteu a mão na cumbuca da intersecção entre política eleitoral e decisão administrativa no anúncio dos dirigentes da Sama. Uma barbaridade de omissão, que não é por acaso. No caso da carreta da mamografia, denunciada pelo Diário do Grande ABC, os três jornais também ficaram na moita. Como ficaram na moita antes, decidiram agravar a omissão ao ficarem na moita mais uma vez.
Condicionados a esses truques, os leitores da Província do Grande ABC sofrem com manipulações, omissões, privilégios e outras quinquilharias editoriais. Aonde vamos chegar se já chegamos ao suposto fundo do poço de distorções?
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15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ