Política

É fazer PE ou seguir
rumo ao matadouro

DANIEL LIMA - 05/02/2001

O festival de interpretação entre aqueles que se manifestaram oficialmente sobre a proposta de criação do Partido dos Empreendedores provavelmente só se rivaliza com os comentários nos bastidores entre aqueles que preferem o velho jogo de camuflagem para manter ou garantir eventuais interesses individuais. Se no bloco dos escancarados não há preocupação alguma em revelar posicionamento, aos dissimulados prevalece a falta de compromisso.  Um comentário mais exagerado aqui, um aplauso ali, conservadorismo de um lado, radicalismo de outro e também muito bom senso comprovam que o PE mexeu com a passividade regional.


 


A proposta de criar uma organização política que represente de fato a massa de quem protagoniza o papel desenvolvimentista do País certamente só não despertou o interesse de gente conformada em apenas ler jornais e revistas, a assistir a baixaria endêmica dos programas de televisão, a mexer e remexer nos teclados de computadores em busca de curiosidades internáuticas que não alteram em nada a situação da região ou de desesperançosos diante do cotidiano brasileiro de absurdos.


 


Mas foi exatamente porque provocou alvoroço que valeu a pena ter instigado a criação do Partido dos Empreendedores. Querem saber de verdade o que acho sobre a possibilidade de o PE sair da teoria para a prática? Talvez seja mais fácil o homem chegar a Marte. Justifico: por mais que seja emergencial a necessidade de representantes de pequenos negócios se mobilizarem para contrapor no cenário político nacional uma organização que se assemelhe em estrutura orgânica ao sucesso crescente do Partido dos Trabalhadores, as dificuldades operacionais se antepõem de forma quase virulenta.


 


Chega de abusos


 


Há um desejo latente de médicos, advogados, quitandeiros, açougueiros, motoristas de vans, vendedores de cachorro quente, engenheiros, sorveteiros, pizzaiolos e tudo que se entender como empreendedor em dar um chega-prá-lá na estrutura política, tributária, fiscal, trabalhista e previdenciária do Brasil. Entretanto, falta o básico para fertilizar o terreno: mobilização.


 


A situação pode ser debitada em larga escala à passividade histórica de quem tem apenas como atenuante o fato de ser obrigado a desdobrar-se para conseguir o próprio sustento familiar e em muitos casos também dos colaboradores. Entretanto, por mais que o dia-a-dia de quem empreende seja convulsionado por um conjunto de adversidades cujas raízes profundas estão ligadíssimas ao excesso de Estado nas relações econômicas, é verdade também que falta paixão pela política. Tudo seria diferente com um pedacinho apenas do engajamento que o futebol enseja.


 


Para aqueles que duvidam da potencialidade da força reconstrutora de um partido formado principalmente por pequenos empreendedores, sob o argumento de que já se insinuou alguma coisa nesse sentido através do Partido Liberal, o mínimo que se pode dizer é que estão confundindo estojo de maquiagem com material cirúrgico. O Partido Liberal é um modelo elitista, de ramificações estreitamente ligadas ao topo da árvore genealógica do empresariado nacional. O Partido dos Empreendedores seria estruturalmente popular e por isso mesmo densamente representado, sem abdicar, evidentemente, de camadas economicamente expressivas que lhe permitiriam constituir estruturas que sustentem saltos mais ambiciosos.


 


Não foi por acaso que o Partido dos Trabalhadores se encorpou ao longo da história. Deixou de ter a exclusividade da marca metalúrgica para atingir representantes da intelectualidade mais proeminente e na sequência, também por fina sintonia ideológica, extratos importantíssimos do estabilishment do funcionalismo público federal, estadual e municipal. Essa afinidade, como se sabe, acabou por emperrar a roda de modernização plena do discurso e das ações de grande parte dos administradores petistas. Zeca do PT, governador do Mato Grosso do Sul, está aí para confirmar as dores de cabeça de quem ousa tocar em algumas vacas sagradas do socialismo fora de moda que setores mais radicais do partido insistem em defender.


 


Atraso do atraso


 


Nem é preciso ir tão longe. Em Santo André mesmo, quando assumiu a Prefeitura em janeiro de 1997, Celso Daniel sofreu na pele o custo da demissão de funcionários e da redução de salários. Até hoje, liderados por um sindicato de classe que tem como presidente um dinossauro representante do PSTU -- partido que defende entre outras pérolas de ingenuidade ou malvadeza uma sociedade sem classes, sem patrões --, parcelas expressivas do funcionalismo público de Santo André não costumam se referir à administração municipal com simpatia. E olhem que Celso Daniel mantém-se mais fiel ao Estado como centro de atenção e de decisões do que Zeca do PT.


 


Um dos equívocos de avaliação do Partido dos Empreendedores é imaginar que seus limites de atuação estariam estrangulados pelo estreitamento classista. Entendem-se que o PE seria mais uma gôndola no supermercado de agremiações partidárias que infestam o cenário nacional. Nesse caso, também, o PT serve como exemplo. Não é por se chamar Partido dos Trabalhadores que o clube político liderado por Lula volta-se unicamente para quem tem atividade fabril. Aos primeiros tempos de macacão e de corporativismo metalúrgico sucederam-se transformações que colocaram o partido dimensionalmente em outras esferas econômicas e sociais.


 


Em contraponto à ideologia socialista do PT, o PE estaria direcionado ao liberalismo. Socialismo e liberalismo, como se sabe, são historicamente antípodas. Mas estão se aproximando em praças mais modernas, como na Inglaterra de Tony Blair, executor da Terceira Via tão contestada por esquerdistas mais empedernidos. E cada vez mais se enamoram em outros territórios europeus, onde fortalezas do Estado-do-Bem-Estar-Social começam a ruir por fadiga de material, sobretudo pela dificuldade de ajustar o sistema de seguridade social devorador pantagruélico do orçamento público.


 


Diminuir distância


 


Particularmente no Grande ABC, o engajamento dos empreendedores em torno de um partido político que de fato os represente acabaria por diminuir a diferença de força institucional entre a livre iniciativa e o Estado, no caso as administrações públicas municipais.


 


Paradoxalmente, embora seja uma região forjada ao longo do século passado pelo empreendedorismo privado, quem dá as cartas locais são os burocratas do Poder Público. Entretanto, como sempre foram pouco habilidosos na arte de distribuir o baralho econômico, os administradores públicos que passaram e também os que estão ocupando os Paços Municipais conseguiram a proeza de lançar o Grande ABC na desconfortável situação de perder uma rodada de truco desenvolvimentista mesmo com o zape na mão.


 


Sim, porque quem partiu na liderança em duas frentes de batalha, nos setores químico/petroquímico e automobilístico, não poderia ter perdido o bonde da história da complementaridade de matrizes produtivas. Continuamos a depender exageradamente desses dois setores altamente competitivos e, por isso mesmo, devoradores de empregos e suscetíveis demais à globalização.


 


A mobilização de empreendedores de todos os tamanhos, mas principalmente dos micros e pequenos, teria ação terapêutica inacreditável porque nenhum administrador público local e seus assessores estão preparados psicologicamente para uma blitz de cobranças. Instrumentos técnicos, então, são heresia. Haja vista a pobreza franciscana dos orçamentos das supostas secretarias de Desenvolvimento Econômico criadas há apenas quatro anos.


 


O que se tem atualmente é quase que completa omissão dos empreendedores, o que facilita aos governos municipais nadarem de braçadas em cronogramas de obras sociais movidas a impostos cada vez mais elevados, numa réplica nua e crua do que o noticiário trata de divulgar do governo federal. Os mesmos prefeitos de oposição a Fernando Henrique Cardoso que condenam a abertura desastrada da economia nacional agem com desembaraço na imprevidência coletiva ao permitirem, por exemplo, que todo o território regional seja ocupado por grandes empreendimentos comerciais, em detrimento dos pequenos.


 


Embora Marte esteja mais próximo, é melhor os empreendedores tratarem de passar sebo nas canelas da participação política. Os governantes de plantão só costumam ouvir quem faz barulho, quem agita bandeiras literais ou figuradas. Os empreendedores são uma massa omissa e silente que faz a alegria dos arrecadadores de impostos. Cada vez mais expressivos, por sinal. 


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