Administração Pública

Salles e PT constroem ônus de
vitória eleitoral a qualquer preço

DANIEL LIMA - 13/10/2014

O secretário de Cultura de Santo André foi para o espaço às vésperas das eleições presidenciais. Soltaram fogos de artifício no Paço Municipal petista para comemorar o defenestramento de Raimundo Salles. Essa foi a demissão mais potencialmente anunciada desde que o PT ganhou as eleições em Santo André, em 2012.


 


Agora só falta o afastamento do grupo de Paulo Piagentini, de Duílio Pisaneschi e de Sérgio De Nadai, entre outros empresários de centrodireita que participam escancaradamente ou na moita da mais que inquietante Secretaria de Desenvolvimento Urbano, um dos filés dos grandes negócios do mercado imobiliário.


 


A secretaria destinada a Raimundo Salles vivia de merrecas, como ele mesmo declarou na retirada de cena do petismo ao qual, convenhamos, jamais deveria se converter.


 


O prefeito Carlos Grana fez acordo dos diabos para derrotar Aidan Ravin em 2012. Contou para tanto com todo o suporte da turma do Festeja Grande ABC, do Assalta Grande ABC e também com a submissão do eleitorado do Omita Grande ABC. Até outro dia, embevecido pela burrice da máxima de que em time que perde não se mexe, Carlos Grana tentou dar o drible da vaca na realidade irrebatível de estar o time vermelhinho em temporada de derrotas desde que entrou em campo em 2013. Carlos Grana tentou com a verborragia semântica e sindical de negociador vender a ideia de que o time que dirige é vencedor.


 


A saída e o desabafo assinado por Raimundo Salles simbolizam, portanto, novo percalço insofismável. Não há subjetividade de mensagem marqueteira que resista aos fatos que, mais dia, menos dia, se solidificam.


 


Granismo equivocado


 


A falsidade do mote do granismo de que em time que está ganhando não se mexe ruiu com a queda do secretário de Comunicação Leandro Laranjeira, cujo maior pecado foi não ter encaixado milagrosa tática para impedir que a turma do Omita Grande ABC, ou seja, os moradores de Santo André, conferisse ao prefeito avaliação negativa após um ano e pouco de governo. Agora o time que não deveria ser alterado sofre nova baixa. Acredita-se que com Raimundo Salles configura-se outra máxima, ou uma máxima complementar à de que em time que perde se deve mexer mesmo, tanto quanto em time que vence. Agora a perspectiva é de que porteira que passa dois bois passa uma boiada. Só não passa se a porteira for lacrada ao bom senso.  


 


O tempo vai dizer qual foi o tamanho do prejuízo individual de Raimundo Salles em entregar-se ao PT naquela mistureba política fomentada por gente muita esperta; gente que não deixa o osso jamais. Aidan Ravin já se tornara bananeira que dera todos os cachos e, portanto, foi abandonado à própria sorte.


 


Além disso, vai se delinear também qual será o preço que o PT de Santo André pagará por fazer o que Lula da Silva institucionalizou em nível nacional para safar-se da pressão dos adversários que viraram aliados após as denúncias do mensalão. Em princípio, tanto Raimundo Salles quanto Carlos Grana estão no prejuízo. Salles porque rompeu para valer com um discurso historicamente antipetista. Grana porque transformou o Paço Municipal num bordel multipartidário e empresarial.


 


Cadê o planejamento?


 


Se faltou a Raimundo Salles o que chamaria de plano confiável para levar à sociedade os motivos que o tornaram vermelhinho por algum tempo, menos de dois anos, após uma sequência de temporadas de combate aos herdeiros de Celso Daniel, à Administração Carlos Grana o episódio do afastamento do titular da Cultura apenas confirma uma toada mais que cansativa: o que interessava desde o princípio do lançamento da candidatura desse ex-dirigente sindical e agente de espionagem de Lula da Silva nos tempos em que o PT era oposição se configurava num esfomeado projeto eleitoral. Ganhar a qualquer preço é o resumo da ópera daquela campanha eleitoral.


 


Se Raimundo Salles chegou sem um planejamento que revelasse grandeza de espírito público a contornar as barbeiragens político-partidárias de cair na cama de gato de quem tanto considerava pecaminoso, pelo menos não saiu de mãos abanando como muitos secretários que viraram peças de obituário administrativo.


 


O comunicado que enviou à mídia, embora com uma falta de qualidade redacional espantosa para alguém da área cultural, retrata situação que Raimundo Salles escondera durante quase 24 meses: o PT de Santo André o tratou como otário, entregando-lhe uma secretaria sobre a qual não detinha conhecimentos de valores agregados e muitas vezes intangíveis. Pior que isso, reduzindo-lhe drasticamente a margem de atuação com orçamentos esqueléticos.


 


Enquanto isso, outro adversário político de Raimundo Salles, o ex-tucano Paulinho Serra, premiado com a Secretaria de Obras, deita e rola com um orçamento substancioso, embora, a bem da verdade, sua função seja tecnicamente mais abrasiva. Tanto que Paulinho Serra carrega um peso que compromete a possibilidade de discursar sobre realizações significativas sem correr o risco de virar Pinóquio. As faixas exclusivas de ônibus e o único corredor de transporte coletivo são uma associação de imprevidência e prestigitação sobre a qual a mídia só não é imprecisa quanto às avaliações porque parece comprometida com o projeto político do secretário.


 


Esquartejamento funcional


 


Quando um secretário como Raimundo Salles assina um comunicado de despedida do cargo e utiliza sem meias palavras a frase “estava me tornando um incompetente funcional, o que não aceito para minha vida”, dispensam-se maiores avaliações. O chute desferido por Raimundo Salles na estrutura empobrecida da pasta da Cultura na Prefeitura de Santo André é corajoso, por mais que seja tardio, embora jamais inútil.


 


Mesmo com fundas restrições orçamentárias, (em 2012, último ano da Administração Aidan Ravin foram R$ 11,5 milhões reservados à atividade, ante R$ 4,8 milhões do ano passado e, “pasmem”, segundo o secretário, R$ 1,3 milhão este ano) até que o agora demissionário secretário de Cultura fez muito barulho. A agenda cultural ficou escrava de uma programação incessante de múltiplas modalidades de expressões artísticas. Faltou a Raimundo Salles, entretanto, como a muitos de seus antecessores, uma nesga de brilho mesmo que intuitivo, senão administrativo, para a iniciação de uma nova forma de produzir riqueza intelectual em Santo André, antiga capital cultural da Província do Grande ABC.


 


Embora os jornais tenham dado tratamento discreto ao mais que aguardado desfecho de separação entre a água chamada Raimundo Salles e o vinho vermelho de sangue nos olhos chamado Partido dos Trabalhadores, não há como esconder a realidade dos fatos: o afastamento desse advogado que salta de galho em galho como secretário de gestores públicos a ponto de formar um arco-íris partidário é um sintoma de esclerosamento da modalidade condominial que marcou a eleição de Carlos Grana.


 


Aos poucos Raimundo Salles sofreu retaliações de petistas que sempre o viram pelas costas. O desabafo na despedida do uma Administração da qual jamais deveria se aproximar poderia lhe render mais ativos que passivos caso houvesse firmado publicamente compromisso de cobrança à efetivação de um plano de voo organizacional.


 


Aos poucos Raimundo Salles foi esquartejado como agente mobilizador da área cultural. Tiraram-lhe algumas importantes cidadelas gerenciais, caso do Teatro Conchita de Moraes, do Teatro Carlos Gomes, entre outros. Arrancaram-lhe a pele gerencial aos poucos. Fritaram-no sem dó nem piedade. A proximidade inclusive pessoal com o prefeito Carlos Grana não lhe foi suficiente para dar reviravolta na condição de penduricalho em que o transformaram.


 


Melhor na Economia


 


Secretário de Cultura por acaso, porque de pouca afinidade com a área, Raimundo Salles começou perdendo e terminou perdendo a inserção na Administração petista. A secretaria de Desenvolvimento Econômico, embora igualmente anêmica e ocupada por uma inutilidade chamada Oswana Fameli, lhe cairia melhor.  Ao menos Raimundo Salles faria um barulho mais confiável e mais próximo de alguma realidade futura de execução, porque é infinitamente superior à também vice-prefeita.


 


Os próximos tempos poderão ser mais felizes politicamente para Raimundo Salles do que para o prefeito petista Carlos Grana. A aproximação com o governador Geraldo Alckmin e também com o provável novo presidente da República, Aécio Neves, deverá render ao ex-secretário da gestão petista de Santo André ocupação de espaço num universo mais amplo, embora a especificidade do território local demarque um balanço negativo por um período de tempo que só as voltas que a política dá poderão definir.


 


Talvez a dor mais dolorida que Raimundo Salles esteja a sentir agora que os fogos de artifício dos adversários petistas já não espocam mais seja a constatação de que lhe tenha faltado sobretudo paciência. Fosse mais paciente, e portanto menos açodado, Raimundo Salles não teria caída na arapuca de acreditar que seria visto como vinho adicionado ao vermelhismo do PT em Santo André. Por mais que tenha feito um jogo de cartas marcadas, ou seja, por mais que conhecesse as possibilidades de dar com os burros nágua, o custo político-eleitoral da conversão ao petismo é uma mancha indelével em sua carreira que somente muito brilho em novas cores poderá amainar.


 


Por isso insisto na tecla de que Raimundo Salles pecou para valer ao não se preparar para o dia aguardado da renúncia, ancorando-se na preparação e divulgação de um documento sólido, convicto, republicano, de sinalizar as políticas públicas que pretendia cristalizar numa Santo André que já há muito tempo perdeu o rumo da independência intelectual, da autonomia de pensamento e da generosidade de observar o conjunto da sociedade como referencial de compromisso com o futuro.


 


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