Política

Televisão sintetiza massacrante
diferença cênica entre candidatos

DANIEL LIMA - 15/10/2014

Sem qualquer juízo de valor sobre o conteúdo do debate de ontem à noite na TV Bandeirantes, o primeiro de uma série de quatro entre os finalistas presidenciais, é preciso jogar limpo com os leitores. Até que eventualmente a imagem se desgaste e que supostamente máscaras venham a cair, porque político sempre corre riscos de abreviar o prazo de validade do prestígio amealhado, a postura cênica do mineiro Aécio Neves é muito mais agradável e sensibilizadora do que a da presidente Dilma Rousseff.


 


Essa constatação faz uma diferença e tanto nessa reta de chegada. Como o fez, aliás, no primeiro turno, principalmente durante o debate na TV Globo, quando Aécio Neves chegou praticamente eliminado do segundo turno e saltou à finalíssima com intensidade que nem os institutos de pesquisas capturaram. Ali ele deu uma sova dupla numa Dilma Rousseff que fez de tudo para não entrar em bola dividida para sustentar o capital de votos e numa Marina Silva que se especializou em jogar na retranca para administrar uma segunda posição precária nas pesquisas.


 


Montei uma série de quesitos nos quais acredito piamente como elementos sensibilizadores do eleitorado ainda com dúvidas sobre em quem votar ou disposto a não votar em nenhum dos concorrentes. É uma espécie de time de futebol de atributos não necessariamente apenas subjetivos da imagem de cada competidor.


 


Grande versus pequeno


 


Cheguei à conclusão que Aécio Neves é um time grande, desses com destino de campeão, e Dilma Rousseff um time pequeno, desses que podem chegar ao título se uma série de pontos imponderáveis contribuir. Dilma Rousseff é potencialmente um Santo André contra o Flamengo na decisão da Copa de Brasil de 2004, entre tantos exemplos disponíveis no mundo futebolístico. É um ponto fora da curva se o critério de competitividade dos debates televisivos tiver mesmo a força canalizadora de votos, como a historiografia política costuma registrar.


 


É claro que a conjuntura econômica e social também pesa na construção e na aferição de vantagens e desvantagens cênicas que a intuição captura num embate televisivo. E sob esse ponto a presidente Dilma Rousseff também está em posição desconfortável. É o time pequeno que enfrenta o grande em nítida desvantagem, porque mal o jogo começou o árbitro expulsou dois de seus jogadores, o que torna a viabilidade de uma zebra uma zebra ainda maior. 


 


Em vários quesitos o tucano Aécio Neves prevaleceu no debate de ontem à noite, independentemente de juízo de valor, repito, sobre o conteúdo das declarações.


 


Aécio Neves demonstrou maior firmeza que Dilma Rousseff tanto nas perguntas quanto nas respostas. O tucano é um tribuno de primeira, como demonstrou o programa televisivo que resgatou o discurso em Pernambuco, ao cair nos braços dos familiares de Eduardo Campo, candidato que morreu em desastre de avião. Aécio é enfático como devem ser os grandes políticos. Fala com a naturalidade de quem tem o léxico politico-eleitoral na ponta da língua. Dilma Rousseff é indecisa e reticente. As frases saem dos lábios com dificuldade e desconforto semelhantes a de suburbanos em busca da porta de acesso ou de desembarque de ônibus e metrôs superlotados. 


 


Aécio Neves também transmite a convicção de que sempre está a dizer verdades absolutas. Seus olhos brilham ante as câmeras. Há uma intimidade artística entre tribuno e televisão. Dilma Rousseff se esforça, é verdade, mas o olhar frio a condena a uma participação meramente formal, de coadjuvante sem arte. Dilma Rousseff pode pronunciar a frase mais verdadeira do mundo, mas o telespectador indeciso ou que não lhe oferece o voto a verá com outros olhos e ouvidos. O vazio de convicção na articulação verbal lhe é inerente.


 


E quando falta a sensação de que o protagonista de um debate eleitoral está convicto do que diz, a credibilidade vai para o ralo. Nesse quesito, Aécio ganha automaticamente.


 


Serenidade mantida


 


Aos dois concorrentes não faltou serenidade durante o debate na Bandeirantes. Eles não saíram do prumo, embora não faltassem acusações a cutucar-lhes os nervos. Passaram ambos por esse obstáculo que costuma derrubar favoritos. A arte de desequilibrar o adversário é própria da política e dos tribunais de Justiça, onde promotores e advogados se engalfinham em contendas que muitas vezes reduzem o peso relativo de provas. Nem Dilma nem Aécio passaram a sensação de que tenham exercitado falsa serenidade, a serenidade da boca para fora, só da boca para fora. Eles foram bem treinados para suportar os ataques. Nada mais natural ao habitat que frequentam.


 


A maior facilidade de encontrar a palavra apropriada para compor uma frase de efeito e enfatizá-la com o encaixe fonético adequado tornou Aécio Neves muito superior a Dilma Rousseff também no quesito raciocínio. A fluidez do mineiro contrapõe-se ao engasgar da presidente. Dilma criou um estilo de comportamento baseado na debilidade ostensiva em forma de raciocínio previsível: o tempo que gasta entre uma frase e outra, quando não entre uma palavra e outra, a tornou burocrática e enfadonha aos olhos de quem vê TV como espetáculo. Aécio transmite mais show.


 


Parente próximo de raciocínio, agilidade mental também é dispositivo do time de requisitos dos candidatos à presidência da República cuja superioridade é farta no mineiro tucano. A diferença entre raciocínio e agilidade mental é que raciocínio seria uma resposta do motorista que sai do ponto morto à primeira marcha e agilidade mental é o piloto de prova que encurta o tempo entre uma marcha e outra de forma a dar a sensação de que há uma fusão interativa entre as etapas. Dilma Rousseff é um motorista convencional. Aécio Neves é um campeão das pistas.


 


Verdades relativas


 


Por essa série de vantagens comparativas no uso cênico de uma tribuna de candidato presidencial, Aécio Neves também supera a petista Dilma Rousseff quando se coloca no campo de jogo o conceito de conteúdo. Nesse ponto, qualquer verdade absolutamente íntegra de Dilma Rousseff sempre parecerá menos inteira do que eventual flacidez declaratória de Aécio Neves. O uso modular da voz de forma convenientemente orquestrada a cada situação de resposta tem em Aécio Neves um mestre que provavelmente até o imbatível Lula da Silva deve estar a respeitar.


 


A figura cênica de Aécio Neves é bem mais agradável que a de Dilma Rousseff. Imagino os marqueteiros da presidente ao observarem como telespectadores a postura de um e de outro. Azar deles, porque tiraram do segundo turno, por excesso de dinamite, uma adversária sonolenta como Marina Silva. Ninguém melhor como sparring de uma presidente quase que igualmente anticlímax.


 


Aécio é calmo, gesticula sem excessos, controla o diafragma como descarte de ansiedades verbais e se descontrai relativamente bem. É verdade que quando foi para o tudo ou nada no debate da TV Globo na reta de chegada do primeiro turno Aécio Neves pareceu mais descontraído. A responsabilidade de segurar a ponta de intenções de votos no segundo turno elevou a temperatura de preocupação do candidato na TV Bandeirantes, mas não o suficiente para tornar Dilma Rousseff adversária minimamente ameaçadora no quesito. 


 


Também pesam à superioridade de Aécio Neves sobre Dilma Rousseff aos olhos do telespectador comum -- desses que podem até torcer por um dos lados mas sem o fundamentalismo dos dogmáticos -- critérios de segurança, de preparação técnica e de objetividade, embutidos mas nem sempre presentes apenas complementarmente nos demais quesitos.


 


Segurança é o sentimento que se tem quando se observa atentamente um debatedor como alguém projetado para ocupar o cargo pelo qual tanto luta. Preparação técnica é algo além do conteúdo declaratório, somando-se aos rigores das informações. Objetividade é a fluência verbal que não sai do foco do questionamento dirigido. Nesse ponto, a diferença entre Aécio Neves e Dilma Rousseff é abissal. A presidente da República é uma adolescente que procura o dicionário num quarto de república estudantil. Aécio Neves sugere a ideia de que é um domador bem apetrechado na arena de leões cultivadores da língua pátria. 


 


Mata-mata desenhado


 


Se os quatro debates ganharem a forma de quatro tempos de dois jogos de mata-mata de torneio eliminatório, não resta dúvida de que Aécio Neves começou com vantagem folgada no campo neutro da TV Bandeirantes. 


 


Tudo pode acontecer em política, assim como no futebol. Mas nessa toada, se nenhum fato imponderável manchar o desempenho extracampo do tucano, é mais que provável, é quase uma certeza, que o desempenho nos debates consolidará uma goleada que repercutirá impiedosamente nas urnas a dano da presidente. Sobretudo se no palco do embate final, a TV Globo, o padrão de ontem à noite e também da última jornada do primeiro turno for mantido.


 


Os marqueteiros de Dilma Rousseff não têm como produzir o milagre de tornar a candidata algo minimamente competitivo aos olhos dos eleitores nos próximos debates. O choque térmico entre a imagem e o desempenho que os dois candidatos oferecem é assunto politicamente incorreto num País que cultiva a hipocrisia como sinônimo de civilidade, mas que não pode ser sonegado aos leitores com senso crítico aberto a considerações e reavaliações.


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