Entrevista Especial

Pequeno negócio
industrial vira pó

DANIEL LIMA - 05/07/2003

As pequenas e médias metalúrgicas familiares praticamente não existem mais no Grande ABC. Vinte e quatro anos depois de criada em Santo André para representar o segmento, a Anapemei (Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas Industriais) não reúne mais que 15 associados. O presidente Cláudio Rubens Pereira, um dos fundadores, garante que a Anapemei só existe de direito, porque de fato não tem mais o que fazer. Dos 30 empreendedores que lançaram a entidade no final dos anos 70 para tentar salvar o segmento da avalanche sindical então comandada pelo agora presidente Lula da Silva, e também à fala de políticas industriais, resta apenas uma empresa: a da família do próprio Cláudio Rubens.

 

Primeira e única entidade empresarial cerebral da história do Grande ABC, a Anapemei verbalizou durante muitos anos mais que um alerta, um grito na consciência dos governos estaduais e federais que, até hoje, desconsideram a importância econômica e social dos pequenos negócios. O sindicalismo tem sua porção de responsabilidade porque enfiou no mesmo saco de reivindicações e conquistas benefícios que pesavam muito menos para as grandes empresas, especialmente as montadoras de veículos. Mas nada -- garante Cláudio Rubens -- se compara ao governo Fernando Henrique Cardoso.

 

Cláudio Rubens Pereira foi a primeira e única liderança empresarial da região a alertar sobre os riscos implícitos da abertura econômica aos pequenos negócios. A entrevista foi publicada por LivreMercado em 1990. Treze anos e muitas fábricas desaparecidas depois, o dirigente afirma ter dificuldades para prever o futuro do Grande ABC, mas acaba sendo cáustico: podemos virar uma megacidade-dormitório.

 

O senhor foi a primeira e única liderança empresarial a cantar, em 1990,  a caçapa macroeconômica alertando o Grande ABC, através de nossa revista, para o turbilhão que vinha em forma de globalização, principalmente sobre as autopeças, o coração da economia regional juntamente com as montadoras de veículos. O que veio de fato o surpreendeu?

 

Cláudio Rubens Pereira -- Não, não me surpreendeu. O que me surpreendeu foi que os efeitos da globalização foram além do esperado. Os reflexos foram mais profundos e atingiram outros segmentos também.

 

Traduza essa surpresa ampliada.

 

Cláudio Rubens -- Defendíamos a Anapemei a necessidade de mudar a estrutura de trabalho nas empresas porque, seguramente, estava em processo de mudança. A política econômica federal era de internacionalização da economia, com atração de empresas multinacionais por causa da mão-de-obra mais barata em relação ao Primeiro Mundo, com custos operacionais mais em conta, incentivos para importação de subprodutos que passariam a integrar componentes nacionais. Essa lógica valia para diferentes setores industriais, não só automotivos.

 

Como exemplificar o impacto dessa abertura econômica?

 

Cláudio Rubens -- Simples: diplomei-me em Engenharia e aprendi a fazer televisão, e hoje não se faz televisão no Brasil. Aprendi a fazer rádio e hoje não se faz rádio. Montam-se coisas que já vêm prontas.

 

Quais as outras caras da globalização, já que o processo superou suas expectativas?

 

Cláudio Rubens -- A segunda onda foi a concentração de indústrias de transformação. O que se percebe é que grandes empresas se verticalizaram novamente. Só que em vez de estarem sob o mesmo guarda-chuva de produção, criaram subsidiárias, inclusive como mecanismo redutor da carga tributária. As indústrias transformadoras são as mais atingidas pela carga de impostos. São cadeias de produção internas, corporativas, que se estruturam visando série de fatores de competitividade, entre os quais a carga tributária.

 

Como o senhor observa o setor de autopeças do Grande ABC, que integrava a massa de associados da Anapemei?

 

Cláudio Rubens -- Não vejo. Estou procurando. Das empresas fundadoras da Anapemei, a maioria desapareceu.

 

Quantos foram os fundadores?

 

Cláudio Rubens -- A ata de fundação está assinada por 30 empresas.

 

Quantas existem ainda?

 

Cláudio Rubens -- Como empresas independentes, nenhuma. Aliás, uma. Por coincidência a Rowametti, de minha família, que produz componentes para geladeiras. Que por sinal não está essa maravilha, mas consegue se manter.

 

Quer dizer que a Rowametti é a única das fundadoras da Anapemei que continua viva?

 

Cláudio Rubens -- Exatamente. Há outras duas empresas que foram absorvidas por corporações maiores.

 

A Anapemei chegou a ter assembléias com quantos participantes, no período em que se contrapunha ao movimento sindical mais exacerbado no Grande ABC?

 

Cláudio Rubens -- Chegamos a contar com cerca de 240 associados, mas quando as assembléias eram dominadas por temas polêmicos, principalmente as relações sindicais e linhas de financiamentos que não existiam e continuam não existindo, contamos com mais de 300 participantes. Fizemos assembléias em Campinas, em Jundiaí.

 

Trata-se da primeira entidade cerebral do empresariado do Grande ABC, não é verdade?

 

Cláudio Rubens -- Verdade, verdade. A Anapemei tinha o objetivo de sensibilizar o governo para a necessidade de uma política industrial às pequenas e médias indústrias.

 

Qual sua reação, por exemplo, quando lê que o Grande ABC dos anos 90 não perdeu riqueza industrial?

 

Cláudio Rubens -- Sinceramente, acho que é manipulação de dados. De modo geral, quase todas as estatísticas que se vê sobre o Grande ABC trabalham em cima de ICMS, IPI, como se fosse um bolo só. E na verdade é um bolo só, mas os estatísticos se esquecem de analisar a origem. Agora, até as prefeituras que defendiam que não houve perda industrial já perceberam a queda brutal da arrecadação de impostos. Não há mágica nisso, porque as indústrias transformadoras estão sumindo do mapa.

 

A Anapemei existe ainda?

 

Cláudio Rubens -- Existe de direito, mas não existe de fato.

 

Quantos são os últimos dos moicanos?

 

Cláudio Rubens -- Do total de associados do passado restaram 16.

 

Estão vivos ainda?

 

Cláudio Rubens -- Estão vivos ainda.

 

A Irmãos Vassoler, recentemente fechada, consta dessa relação?

 

Cláudio Rubens -- Sim, é uma das 16.

 

Então são apenas 15, agora?

 

Cláudio Rubens -- Sim, é verdade, agora somos 15.

 

E o que vai fazer com esses 15?

 

Cláudio Rubens -- Temos discutido muito sobre isso, porque percebemos alguns pontos importantes. Por exemplo: a característica do empresário da época da fundação da Anapemei, em 1979, era a de alguém que deixou a linha de produção de uma empresa maior e com capacidade de fazer alguma coisa produtiva mas com baixa qualificação gerencial. Por isso, sempre enfatizamos que eles precisavam preparar a geração seguinte.

 

Trata-se de um conjunto típico de empresas familiares, certo?

 

Cláudio Rubens -- Certo, certo.

 

O que pesou mais na degringolada que atingiu as empresas familiares: a falta de preparo dos sucessores ou a avalanche macroeconômica, com a abertura indiscriminada do mercado?

 

Cláudio Rubens -- Houve esforço muito grande dos pequenos empresários locais em preparar a sucessão nos negócios. Há muitos empresários hoje na faixa de 70 anos que contam com filhos engenheiros, administradores, técnicos especializados. Mas o que pesou mais mesmo foi que fomos atropelados por um processo que exigia recursos financeiros de capital de giro, para investimentos, melhor conhecimento tecnológico. Ainda tem muita empresa por aqui funcionando com máquinas do tempo da onça. Ou seja: sem a menor condição de competir.

 

Isso quer dizer que a mortandade ainda não terminou?

 

Cláudio Rubens -- Continua e vai continuar e vamos ver cada vez mais prédios industriais vazios.

 

O senhor fez uma previsão há 13 anos e acertou em cheio. Só errou ao não traçar a perspectiva com o impacto estrondoso que se deu. E agora, qual a previsão para os próximos 10 anos para o setor industrial de pequeno e médio porte no Grande ABC?

 

Cláudio Rubens -- Num determinado momento da Anapemei fizemos uma consulta e mais de 145 sócios relacionaram em detalhes todas as despesas que tiveram naquele mês, com obrigações como mão-de-obra, matéria-prima, impostos. Chegamos a um número impressionante de impostos. De modo geral sobre telefone, IPTU, ICMS, tudo, inclusive propina a agentes fiscalizatórios, chegamos próximos de 52%. Ou mais precisamente, 51,8%.

 

Isso só confirma que a carga tributária do País está aquém da realidade prática, porque não inclui propinas e outras coisas não contabilizadas oficialmente?

 

Cláudio Rubens -- Com certeza, com certeza. Vejo agora que a apregoada reforma tributária tende a aumentar ainda mais o peso para as indústrias transformadoras. Por isso, não sei onde vão parar a pequena e a média empresa industrial. Ou melhor: se existirá a empresa familiar dentro de algum tempo.

 

Os direitistas dizem que os sindicalistas, especialmente ligados à CUT, foram os grandes responsáveis pela evasão industrial do Grande ABC. Os esquerdistas, especialmente os sindicalistas, garantem que os sindicatos não têm nada a ver com isso. Qual sua posição?

 

Cláudio Rubens -- Essa é uma questão interessante, porque me remete à criação da Anapemei. Por que nasceu a Anapemei? Porque existia um Grupo 14 da Fiesp, que depois se transformou em Grupo 19, encarregado de fazer negociações com os metalúrgicos. O forte da Anapemei, como se sabe, era o setor metalúrgico. O problema é que a representação do empresariado no então Grupo 14 era só de grandes empresas. E, igualmente, também os sindicalistas representavam apenas as grandes empresas. Jogavam com pisos salariais e outras reivindicações com base na realidade das grandes empresas.

 

Sem contar que o custo relativo da mão-de-obra para a pequena empresa era muito maior do que para a grande empresa, correto?

 

Cláudio Rubens -- Sem dúvida, muito maior. Tentava falar isso para os sindicalistas, para o próprio Lula, inclusive. Aliás, lembro-me que disse isso para o Lula e para o Maurício Soares, então advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, na sala do Lula, no começo dos anos 80.

 

A grande verdade é que nós, pequenos e médios, éramos joguetes nas negociações. Ora, se a empresa de grande porte pagava salários acima do referencial do salário mínimo, qualquer valor envolvendo as pequenas e médias, abaixo das grandes, já significava custo adicional às possibilidades de absorção. E notem que isso foi o primeiro patamar de acertos salariais. Depois os referenciais passaram a ser específicos da categoria, descolado do salário mínimo, e a situação só se complicou. Traduzindo: os pisos salariais das montadoras indexaram os pisos salariais das pequenas e médias autopeças, cuja realidade prática era completamente diferente.

 

Essa isonomia salarial não era o único problema envolvendo as pequenas metalúrgicas.

 

Cláudio Rubens -- O referencial sempre era a grande empresa. Chegou-se ao ponto de um determinado sindicato propor que uma ambulância ficasse de plantão numa empresa, com médico, enfermeiro e motorista, durante todo o período de expediente. Acabei mostrando que não tinha sentido porque a empresa contava com apenas quatro funcionários.

 

Simplificando: pequenas e grandes empresas foram colocadas no mesmo saco reivindicatório?

 

Cláudio Rubens -- A pequena sempre teve de obedecer o que fosse negociado pela grande empresa. O que tentei explicar a vários sindicalistas é que seria muito mais fácil negociar com uma pequena empresa um adicional de ganho, uma bonificação, do que elevar o piso salarial. A elevação do piso salarial foi um dos gatilhos que dispararam a saída de empresas da região.

 

Por isso insisto: qual é a influência do sindicalismo na evasão industrial no Grande ABC? Que peso o senhor atribuiria?

 

Cláudio Rubens -- É um dos fatores. Diria que foi o disparador, mas não foi tão essencial. Funcionou, repito, como gatilho do processo. Deu início ao chamado Custo ABC. Foi a bolinha de neve que começou a rolar o Custo ABC que tende a crescer cada vez mais porque estou vendo a chegada de uma nova fase. Cantei que teríamos a terceirização, e terceirização não rende tributos para as prefeituras. Agora está sendo diferente e é por isso que os impostos municipais estão crescendo assustadoramente para cobrir o rombo da parcela de ICMS que foi perdida.

 

O que o senhor projeta para o Grande ABC do futuro?

 

Cláudio Rubens -- Minha bola de cristal desta vez não está muito boa, mas vejo que a tendência do Grande ABC é virar uma megacidade dormitório. Uma enorme e gigantesca cidade-dormitório.

 

Apresentamos na edição de maio que o Grande ABC tem vocação natural para a indústria de plástico. O senhor acha que nosso futuro pode mesmo ser de plástico?

 

Cláudio Rubens -- Pode, pode. Fui secretário da Associação da Indústria Brasileira de Computação já faz tempo. Também era uma entidade cerebral, sediada em Campinas. A idéia era criar no Grande ABC um centro de produção de componentes para computação. Poderíamos ter implementado essa política logo depois da abertura econômica do governo Collor de Mello, mas entre outras questões as prefeituras precisariam rebaixar o ISS. Agora, infelizmente, não é mais só isso. Tem de haver planos de investimentos industriais e estímulos creditícios, entre outras coisas. Chegou-se a cogitar a criação de clusters no Grande ABC, quando eu estava atuando na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André, mas infelizmente tudo isso parou inclusive porque dependia do governo do Estado.

 

O senhor acha que falta cultura empreendedora nas prefeituras do Grande ABC? Que nos esmeramos em políticas sociais mas esquecemos da economia?

 

Cláudio Rubens -- Na verdade, é mais grave que isso. Nossos políticos não têm a visão de que somos uma unidade encravada numa unidade maior, que é a Grande São Paulo, e que, de qualquer jeito, tem de buscar uma identidade. A chamada Bancada do ABC é um exemplo: de fato, não pensa a região como unidade.

 

Temos Câmara Regional, Agência de Desenvolvimento, Consórcio de Prefeitos: não sobram entidades e falta planejamento estratégico para a região?

 

Cláudio Rubens -- Com certeza. Há instituições demais e objetivos de menos.

 

Temos defendido que, das instituições que estão aí, a Agência reúne maior potencial para desempenhar as funções de reestruturar economicamente o Grande ABC.

 

Cláudio Rubens -- Concordo plenamente, só que a própria composição precisa mudar. Não pode ser exclusivamente empresarial, mas deve ser empresarial também. E é preciso tomar cuidado com a representação empresarial também, porque o mercadinho da esquina é uma empresa. A mesma coisa vale em relação às indústrias e aos serviços.

 

Como observa do ponto de vista histórico o comportamento de nossas instituições empresariais, inclusive a Anapemei?

 

Cláudio Rubens -- A Anapemei nasceu com objetivo claro de sensibilizar os governos para os planos voltados às pequenas e médias empresas. Tanto é que o Sebrae, então agente de governo, passou à condição de prestador de serviços à pequena e média empresa. Só que ainda é um agente de políticas de governo muito mais que agenciador de recursos às empresas. Com isso, a Anapemei não se modernizou e seus associados não conseguiram enxergar mais longe.

 

Em termos de representação das indústrias, especialmente os Ciesps, jamais, em nenhum momento, esse braço da Fiesp teve visão de pequena e média empresa, apesar de contar com pequenos empresários em sua composição. Na verdade, os Ciesps reproduzem historicamente o pensamento dos grandes empresários da Fiesp.

 

E as associações comerciais e industriais? O senhor sempre defendeu que não tinha sentido essas entidades englobarem o setor industrial, porque a vocação natural seria apenas o comércio e os serviços.

 

Cláudio Rubens -- Associação comercial, industrial e agrícola é impossível de existir, até porque cada segmento tem um certo estágio, um certo tempo e uma certa velocidade de resposta. A velocidade de respostas maior sempre foi da área comercial. Então, qualquer entidade que seja comercial não conseguirá ser industrial. E muito menos agrícola, que é o mais prolongado processo de respostas. Poderia existir até um colegiado que representasse as três atividades, mas a vocação é única.

 

Quer um exemplo prático? Alguém já ouviu falar em enfeite de Natal para comemorar o Dia da Indústria? Claro que não.

 

Não adianta querer juntar no mesmo saco, gato, rato e cachorro. São animais, mas animais diferentes.

 

E do ponto de vista institucional, como o senhor analisa as entidades em políticas prospectivas? Por exemplo: que relação o senhor construiria entre a história cerebral da Anapemei e as ações meramente de prestação de serviços corporativos das demais entidades empresariais?

 

Cláudio Rubens -- Sempre procuramos produzir uma cultura de pequeno e médio industrial voltada para a realidade que o cercava, em vez de se espelhar na realidade dos grandes. Trocando em miúdos: a conscientização era no sentido de que ele era pequeno e que para ser grande não poderia deixar de atuar como pequeno e o quanto custa chegar a ser grande. A opção das entidades com relação à prestação de serviços, especialmente no cadastro de devedores, achei que foi ótima.

 

Mas o que faltou historicamente foi a formação intelectual, o conceito do que é representatividade política do pequeno negócio.

 

Cláudio Rubens -- Teve um estudioso que me orientou na defesa de uma tese e que disse uma coisa que ficou gravada. Ele acompanhou a Anapemei durante anos e me disse: Cláudio, a Anapemei dava certo com você por uma razão muito simples -- você ouvia o pessoal, procurava identificar quais eram os anseios de cada um, tirava a essência desses anseios e procurava direcionar as necessidades para que eles enxergassem essas mesmas necessidades para ter esses anseios cumpridos, e não simplesmente ficava no hoje.

 

Para isso o senhor redigia uma espécie de relatório reservado a todos os associados.

 

Cláudio Rubens -- Era o Boletim Reservado.

 

Tem ainda hoje?

 

Cláudio Rubens -- Tem, mas com tiragem muito reduzida e sem a mesma frequência de antigamente, que chegou a ser semanal. Chegamos, em período de greve, a contar com edição diária. Tudo por telex, xerox e Correio. Não tinha nem fax naquela época, quanto mais Internet. O ciclo básico era quinzenal. 

 

O mínimo que se pode dizer da atuação da Anapemei, então, é que cantou todas as bolas, inclusive a própria morte.

 

Cláudio Rubens -- Inclusive a própria morte.

 

Uma morte de morte morrida mesmo.

 

Cláudio Rubens -- Exatamente. Morreu porque não soube evoluir no conceito de sua própria definição, porque não era o anseio do próprio empresário fazer essa evolução. Não deu tempo de ele amadurecer para isso. Se o pequeno e o médio empresário tivessem tido tempo para amadurecer para isso, a Anapemei estaria viva e muito intensa por sinal.

 

E aí entra a seguinte questão: quanto pesou no processo de desmoronamento completo do pequeno negócio industrial do Grande ABC a política de abertura econômica a partir dos anos 90, agravada com a artificialização da moeda?

 

Claudio Rubens -- O start foi realmente a abertura dos portos no governo Collor de Mello, mas o golpe final foi da pessoa que a gente menos esperava, porque tinha todo o preparo acadêmico. Basta ver o resultado dos oito anos de governo, de quanto entrou e de quanto saiu do potencial econômico empresarial de pequeno e médio porte do Grande ABC.

 

O senhor acha que o Grande ABC precisa de um Plano Marshall, que o governo federal precisa ter consciência do que aconteceu aqui nos últimos 10 anos e estabelecer plano de recuperação com uso de ferramentas federais e mesmo internacionais a fundo perdido?

 

Cláudio Rubens -- Um Plano Marshall ou algo parecido. Não podemos perder o senso prático de que a indústria automotiva veio para cá porque os custos de produção eram mais em conta que nos Estados Unidos e na Europa. Quer apostar que dentro de algum tempo eles vão estar na Bolívia, porque a mão-de-obra é a mais barata da América Latina?

 

E o que será de nós?

 

Cláudio Rubens -- Temos Detroit lá atrás.

 

Mas Detroit se recuperou através de políticas públicas, de um, entre aspas, Plano Marshall.

 

Cláudio Rubens -- Pois é, e é mais ou menos o que na Itália um grupo de orientação política mais ou menos diversa vem tentando fazer com não muito sucesso, mas tem sido fortemente defendido por algumas administrações públicas.

 

O senhor acredita na regionalidade do Grande ABC, de se pensar a região estruturalmente em conjunto?

 

Cláudio Rubens -- É difícil, mas vamos ter de chegar a isso.

 

Vamos chegar pela dor?

 

Cláudio Rubens -- Infelizmente será assim. Não sei se seremos um Município só, não há necessidade disso, mas temos que ter uma visão global da região. Se não partir daqui um movimento de unidade regional e levar as questões de forma unificada à Brasília, vamos morrer na praia.

 

Qual foi o pior acontecimento dos últimos oito anos no Grande ABC: o fato de Fernando Henrique Cardoso ter vindo aqui uma única vez ou o Grande ABC jamais ter ido em caravana a Brasília?

 

Cláudio Rubens -- O Grande ABC jamais fez uma caravana para ir a qualquer lugar. Nem ao governo do Estado. Por isso o segundo caso é pior.

 

O governo Lulacá vai ter sensibilidade para tornar desnecessária uma caravana a Brasília?

 

Cláudio Rubens -- Essa é uma resposta difícil. Se for dada sob o ponto de vista de quem observa as possíveis mudanças tributárias, é melhor se preparar porque vamos pagar muito mais impostos. Vamos ter muito mais custos operacionais do que temos hoje. Como empresário e como pessoa física também.

 

Não estou vendo, sinceramente, preocupação do governo federal com regiões especificamente em crise, como o Grande ABC. Ainda não enxergaram a situação problemática da região. 



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