Política

Formato do SBT favorece Dilma,
mas ataque frustrado muda jogo

DANIEL LIMA - 17/10/2014

Volto a campo (e, nesse caso, ao campo de batalha) para, agora muito mais curto e grosso, comentar o segundo tempo da série de debates entre os presidenciáveis Dilma Rousseff e Aécio Neves. E mais uma vez sem adicionar o dispositivo crítico de juízo de valor sobre o conteúdo.  Não fujo de raia alguma, mas essa é uma raia excessivamente ocupada pela mídia, com o jeito mureteiro de ser da maioria que opta pelo politicamente correto. Prendo-me ao desempenho cênico dos concorrentes. E de novo ganhou Aécio Neves. Até porque uma vitória de Dilma Rousseff é praticamente impossível, mesmo que o adversário fosse alguém menos apetrechado na arte de combinar expressão verbal e manejo gestual.


 


Desta vez, entretanto, a vitória foi por diferença inferior à do primeiro tempo, semana passada na TV Bandeirantes. O formato escolhido pelo SBT, com candidatos sentados frente a frente, contribuiu um bocado para elevar a autoconfiança da petista. Até que sofresse um golpe forte, que explico mais abaixo.



 


Dilma Rousseff se acomodou melhor sentada do que em pé porque o corpanzil de senhora que deve se submeter a dieta alimentar tão rigorosa e incomoda quanto enfrentar o tucano a tornou mais agradável a seu próprio juízo, com repercussão compulsória junto aos telespectadores. Sejamos politicamente incorretos, mas verdadeiros: Dilma Rousseff em pé numa tribuna de debate com os olhos eletrônicos da TV a lhe acentuar a fartura de quilos ante a ilusão de óptica de que está ainda mais obesa não é uma Dilma Rousseff que a própria Dilma Rousseff gostaria de ser porque a Dilma Rousseff que já é também não agradaria a si mesma, como não agrada à maioria das mulheres deter sobrepeso. Quem acha que estou extrapolando desconhece as rigorosas, embora enrustidas, normas não escritas às contratações corporativas que favorecem os mais bem apanhados em beleza estética.  



 


Escondendo o que deve esconder



 


A imagem cênica da presidente da República sentada é mais satisfatória que a imagem cênica vista em posição vertical. Até porque o formato esconde o que deve ser escondido e mostra apenas o que é impossível de não se mostrar. Os marqueteiros da presidente da República deveriam fazer todos os esforços para sustentar os presidenciáveis naquela posição.



 


A recomendação serve igualmente para manter a postura comportamental. Os dois concorrentes provavelmente não vão desistir do cabo-de-guerra de acusações e insinuações. E se querem saber, nem devem mesmo. De novo o politicamente correto dos hipócritas precisa ser desmascarado: o enfrentamento há de ser mesmo franco, direto, sem rodeios. Inclusive sobre aspectos pessoais e familiares relevantes. Sem baixarias além da conta, é claro, mas contundentes sim.



 


Ora, se foi inaugurada a grande avenida de cutucadas, por que recorrer ao acostamento da falsidade e de suposto arrependimento? Até porque, convenhamos, o desfilar incessante de fragmentos de planos de governo é um saco sem fundo de conjecturas que se repetem enfadonhamente. Uma associação perfeita à produtividade dos debates é explorar pontos inovadores do que os adversários pretendem fazer caso vençam a eleição e alguns chutes na canela sobre aspectos menos nobres segundo a ótica dos puristas, mas bem ao gosto de quem não suporta a ideia que se pretende vender – a ideia de que políticos não têm vida a ser explorada além dos discursos, obras e fracassos.



 


O jogo cênico entre Dilma Rousseff e Aécio Neves estava praticamente empatado, com alta voltagem no semblante de cada um, bem mais que no anterior, até que Dilma Rousseff, repetindo a iniciativa na TV Bandeirantes, fez insinuação velada sobre o motorista Aécio Neves nas ruas do Rio de Janeiro a bordo de um veículo possante e de uma dosagem além da conta de supostos elementos químicos politicamente não autorizados. Só quem acompanha as redes sociais e outros trecos que a tecnologia da informação dissemina percebeu que a petista queria, como conseguiu na Bandeirantes, manter o mineiro junto às cordas, para, quem sabe, no combate final, na TV Globo, dar o golpe de misericórdia, abatendo-o ante milhões de telespectadores a três dias da votação final.  



 


Contragolpe fatal



 


O recado subliminar que impactou mais uma vez Aécio Neves, dito por aquela mulher até então confiante à sua frente, com aquele olhar agudo muito mais expressivo e penetrante que a reticência incurável na articulação de frases, o recado subliminar proporcionou o contragolpe inesperado: o tucano admitiu ter desobedecido à legislação, recusando-se a fazer o teste de bafômetro.



 


Aécio saiu da platitude de poderoso ex-governador de Minas Gerais e possível presidente da República diante de telespectadores incrédulos. Humanizou-se. Poucos perceberam, em seguida, que Dilma Rousseff, na tréplica, foi além da simples possibilidade de que o candidato adversário recusara-se apenas ao teste de bafômetro, porque teria se escafedido ante a possibilidade de um boletim de ocorrência registrar consumo de álcool e droga. A Dilma Rousseff que apelou a detalhes daquela suposta desventura tucana já não era a Dilma Rousseff até então confiante de que finalmente encontrara a marcação perfeita e o contragolpe necessário para tornar o jogo cênico menos desigual.



 


Daí em diante o que se viu naquele campo de batalha foi a petista perder o autocontrole e a capacidade de raciocínio, enquanto Aécio Neves parecia revigorado ao exorcizar um fantasma que o assombrava. Não à toa Dilma Rousseff sentiu-se mal à saída do palco. O jogo que parecia encaminhar para um empate técnico acabou vencido pelo tucano. Dois a zero em matéria de arte cênica. Faltam ainda dois tempos.


 


Provavelmente o derradeiro, na Globo, contrarie a matemática. Pode valer, pela audiência, mais que todos os anteriores.   


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