Política

Modelo petista da Província é
goleado e exige transformações

DANIEL LIMA - 27/10/2014

O PT perdeu de goleada a disputa presidencial na Província do Grande ABC neste domingo. Mais que a frustração de não conseguir o tetracampeonato na região que embalou o surgimento do partido, a derrota de Dilma Rousseff no conjunto de sete cidades e 2,8 milhões de habitantes revela o contínuo esgarçamento do modelo petista-cutista. Entre a vitória de Lula da Silva em 2002 e o sucesso de Dilma Rousseff na reeleição de ontem no País, o PT passou por duríssima dieta de votos: Lula ganhou na região por ampla diferença (62,38% dos votos válidos), enquanto Dilma Rousseff caiu ontem por 41,68% a 58,32%.


 


Quem der a esse contraste outra qualificação crítica que não seja fadiga do material é fundamentalista avermelhado ou precisa rever conceitos. A crise do PT na região jamais esteve tão clarificada como agora, mas já emite sinais arrasadores há muito tempo. Novos investimentos industriais na região são uma exceção à regra da debandada que persiste entre outras razões porque o sindicalismo atua ainda a léguas de distância de critérios meritocráticos, com o ranço do corporativismo acima de tudo. E a falta de planejamento regional no campo que mais interessa à sociedade – na produção de riqueza – é uma abstração, quando não objeto de devaneios que partem principalmente da Administração de Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo e principal interlocutor junto ao governo federal petista.


 


Dois sindicalistas que atuaram juntos no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC durante os anos 1990 saem das disputas presidenciais na região como os principais derrotados. Acentuadamente, quem mais perdeu mesmo foi Luiz Marinho, também presidente do Clube dos Prefeitos. Em seguida vem Carlos Grana, prefeito de Santo André. Nos dois municípios o tucano Aécio Neves ganhou com facilidade, mesmo com todo o empenho da máquina pública em tentar reduzir os estragos ao investir pesadamente nas duas últimas semanas. A mobilização de Luiz Marinho e de Carlos Grana sugeriu a possibilidade de Dilma Rousseff melhorar o desempenho sofrível no primeiro turno comprometedor. Mas o eleitorado foi resistente à pregação petista.


 


Quebra da mobilidade social


 


Quem procurar explicações apenas no campo político-partidário não saberá da missa um terço. Como estamos cansados de mostrar nesta revista digital, entre inúmeros textos que tratam da economia ao longo dos anos, desde a debacle do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a mobilidade social faz água na região. Mobilidade social é a perspectiva transformada em realidade de o miserável virar pobre, do pobre virar classe média baixa, do classe média baixa virar classe média-média, do classe média-média virar classe média-alta e do classe média-alta chegar ao patamar de rico.


 


Há duas décadas a Província acumula perda contínua. A desindustrialização representou profunda alteração no tecido social. Nem os recentes anos de recordes de produção automotiva, setor que é o coração, as pernas, os braços e a alma da região, impediram que o processo tivesse continuidade, embora de forma menos acelerada. O Grande ABC está cada vez mais próximo do perfil socioeconômico do Brasil medido pelo potencial de consumo.


 


Essa constatação é uma péssima notícia. O Brasil integra a Quarta Divisão no ranking mundial de renda per capita. Se os avanços de uma economia movida a financiamento ao consumo e sustentada por políticas públicas de renda foram bons ao longo dos anos de Lula da Silva para a maior parte da população brasileira, principalmente os desvalidos, para a Província do Grande ABC o achatamento da classe média tradicional, quando não o rebaixamento, é inquietante realidade.  Não à toa Santo André e São Bernardo, além de São Caetano, derrotaram impiedosamente a candidatura de Dilma Rousseff. Esses municípios contam com participação mais expressiva de classes médias que os demais. Mas já foram muito mais importantes tanto interna quanto externamente.


 


Maior diferença em São Caetano


 


Em Santo André a presidente Dilma Rousseff perdeu de 63,34% a 36,66% para Aécio Neves. Só não foi o placar municipal mais dilatado da região porque São Caetano mais uma vez espremeu os votos à representante petista. Luiz Marinho amenizou em São Bernardo os números em relação a Carlos Grana, mas não salvou o prestígio decadente de um segundo mandato medíocre: foram 55,90% dos votos válidos para Aécio Neves contra 44,11% para Dilma Rousseff.


 


Dos sete municípios da região, o PT só venceu mesmo em dois. Vitória mesmo, embora longe do domínio de antigamente, foi em Diadema, onde, paradoxalmente, o partido perdeu em 20112 a Prefeitura depois de duas décadas de domínio dos centro-esquerdistas. Dilma Rousseff obteve em Diadema um resultado semelhante ao registrado no Brasil: 53,85% contra 46,15% de Aécio Neves. Em Rio Grande da Serra, administrado pelo PSDB, Dilma Rousseff obteve 50,61% dos votos válidos, contra 49,38% de Aécio Neves.


 


Além de Santo André e de São Bernardo, o PT caiu também em São Caetano, em Mauá e em Ribeirão Pires. Em São Caetano o resultado era mais que esperado. Nas últimas quatro eleições presidenciais seguidas em que a decisão foi para o segundo turno, o que torna possível medir o tamanho do eleitorado petista e dos tucanos na região, somente em 2002 o PT venceu em São Caetano. Tudo por conta da desindustrialização da Província acentuada durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Ontem, Dilma Rousseff sofreu duro revés e comprometeu ainda mais a gestão do peemedebista Paulo Pinheiro, linha-auxiliar do PT de Luiz Marinho: 78,29% para Aécio Neves e apenas 21,71% para a presidente reeleita.


 


O resultado em Mauá também foi desfavorável à petista, mas o prefeito Donisete Braga, igualmente petista, parece ter amenizado os estragos que o primeiro turno desenhava como inexorável: a vitória de Aécio Neves se consolidou com votação semelhante à obtida em São Bernardo. Foram 56,22% contra 43,78%. Em Ribeirão Pires, cujo eleitorado se comporta de forma semelhante ao de Santo André nas disputas entre tucanos e petistas para a presidência da República, Aécio Neves venceu com facilidade: 61,74% a 38,26%.


 


Contraste com quadro geral


 


Dos dois milhões de eleitores da Província do Grande ABC, 1.524.366 votos foram considerados válidos. O PT registrou 41,68% dos votos com Dilma Rousseff, contra 58,32% de Aécio Neves. Uma diferença de 16,64 pontos percentuais, em contraste absoluto com os 3,2 pontos percentuais favoráveis a Dilma Rousseff no território nacional.


 


Pela primeira vez 16 anos e quatro eleições presidenciais depois o PT da Província do Grande ABC não seguiu os resultados gerais no País. Com Lula da Silva em 2002 obteve 21,78 pontos percentuais de vantagem na vitória sobre o tucano José Serra (60,89% a 39,11%). Quatro anos depois, de novo com Lula da Silva e contra Geraldo Alckmin, o PT viu seu capital eleitoral na Província reduzir-se à vantagem de 14 pontos percentuais sobre o tucano (57,41% a 42,59%). No confronto entre Dilma Rousseff e de novo José Serra, em 2010, a vantagem do PT nos votos válidos na região caiu para 8,10 pontos percentuais (54,05% a 45,95%).


 


A derrota na eleição de domingo e, principalmente, pela diferença escandalosa que remete ao Brasil superado fragorosamente pela Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, desnuda de vez um processo de contínua quebra de produção de riqueza e de mobilidade social na Província do Grande ABC. A parceria entre sindicatos pouco atentos ao Custo ABC e gestores petistas gulosos demais na aproximação com bandas podres do empresariado mina ainda mais a resistência regional.


 


A pergunta que cabe nessas alturas do campeonato é se os petistas da região vão se dar conta de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Uma coisa é a vitória de Dilma Rousseff em âmbito nacional. Outra coisa é o fracasso da candidatura petista na Província do Grande ABC, mesmo que em números menos escandalosos quando confrontados com o resultado geral no Estado de São Paulo, ainda mais antipetista.


 


Distanciamento e aproximação


 


É esse distanciamento numérico do resultado nacional e a aproximação igualmente numérica do eleitorado paulista que historicamente não nutre empatia pelo PT que deveriam chamar as lideranças do partido na região a refletir detidamente sobre os próximos passos.


 


Dentro de dois anos uma nova eleição municipal será disputada. E tudo indica que pelo andar da carruagem a situação poderá se agravar ainda mais nas urnas eletrônicas. A perspectiva de que o governo federal vai correr atrás do prejuízo durante as duas próximas temporadas para recolocar nos trilhos um trem de erros macroeconômicos e microeconômicos significa que correções dolorosas vão ser obrigatórias.


 


Sem as benesses de demanda em alta de produtos agrícolas e minerais como nos quatro últimos anos do governo Lula da Silva e também sem a força consumista de uma classe emergente que já experimenta o revés da quebra da mobilidade social, tudo indica que o PT vai ter de rebolar para os próximos embates.


 


Particularmente na região, onde as montadoras de veículos emitem claros sinais de esgotamento da paciência de suportar custos adicionais com mão de obra ante a quebra de produção, não é difícil nem precipitado sugerir que os pálidos resultados presidenciais de agora poderão parecer saudáveis num futuro próximo. O PT regional já ultrapassou os limites de uma encruzilhada: escolheu o caminho errado, do politiquismo vadio e do corporativismo sindical que só enxergam o próprio umbigo. A sociedade cansou e reagiu nas urnas. Falta reagir em outros tipos de manifestações. Mas aí é outra história.


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