Entrevista Especial

O que será da VW
deste novo século?

DANIEL LIMA - 05/11/2001

Como LivreMercado vem publicando há muitos anos, é melhor não ter muitas ilusões com o gigantismo da Volkswagen Via Anchieta. Símbolo maior da industrialização regional, a fábrica que já contou com mais de 35 mil funcionários contabiliza apenas 16 mil e vai chegar nos próximos anos ao máximo de 10 a 12 mil, num turbilhão de emagrecimento de recursos humanos semelhante ao físico, já que dezenas de galpões foram a pique para dar lugar à produção do Pólo, antigo projeto PQ-24 que entre outras novidades trará grupo seletivo de fornecedores para bem próximo da linha de montagem.


 


Convém prestar muita atenção aos desdobramentos das negociações que opõem o comando da fábrica e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. É possível que alguns pilares de relações bilaterais sejam destruídos pelo momento de extrema dificuldade que atinge o setor automobilístico em geral e o menos competitivo, como a Volkswagen, em particular.


 


O simbolismo da Volkswagen no Grande ABC é componente sempre especial nas negociações salariais da companhia, mas nesta entrevista com o diretor-adjunto da empresa, Enrique Lozzano, o que se percebe é que a situação pode marcar posicionamentos agudamente contrários. O quadro macroeconômico a partir dos atos terroristas nos Estados Unidos apenas agravou os indicadores microeconômicos da companhia. Em apertada liderança no mercado interno, a Volkswagen precisa tornar-se mais competitiva -- garante o executivo -- e essa caminhada inclui a redução de custos trabalhistas.


 


Enrique Lozzano recebeu LivreMercado uma semana antes da abertura das negociações trabalhistas com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Sejam quais forem os resultados, suas declarações são cortantes porque enunciam frases francas e conceitos específicos sobre o futuro da fábrica de São Bernardo. Há mais de três décadas na empresa e durante os últimos 15 anos fiel e discreto colaborador de Fernando Tadeu Perez, executivo que deixou recentemente o cargo de vice-presidente de RH por semelhante posto no Grupo Itaú, Enrique Lozzano tem fama de conciliador e moderado.


 


Por isso a contundência de suas declarações deve ser contextualizada com um mínimo de juízo. A impressão que transmite, e que os leitores captarão na medida em que absorverem cada parágrafo, é de que a corda está arrebentando e que a Volkswagen poderá ser levada a mineirizar as relações com os trabalhadores. Mineirizar é metáfora metodológica histórica que rege as relações entre a Fiat e seus trabalhadores, em Minas Gerais.


 


Com o mercado automotivo vivendo forte retração, a Volkswagen mandará para casa, no próximo dia 12, quatro mil funcionários da unidade de São Bernardo e 1,7 mil de Taubaté. Os trabalhadores de São Bernardo terão 20 dias de descanso. Outros cinco mil retornaram de férias forçadas de 20 dias nesta segunda-feira, dia 5. Sobram veículos em estoque, enquanto as negociações com o Sindicato dos Metalúrgicos avançam em conta-gotas.


 


A Volks quer flexibilizar a jornada de trabalho reduzindo em 20% os salários dos 16 mil trabalhadores. Com isso, manteria um excedente calculado em três mil empregos. Numa primeira assembléia os trabalhadores rejeitaram a proposta. Convém prestar o máximo de atenção nas palavras de Enrique Lozzano. É possível que a Volkswagen deste 2001 não guarde muita relação com a Volkswagen conhecida até hoje no Brasil. Afinal, como afirma o executivo da empresa, o mundo se tornou cruel para os negócios.


 


É real a perspectiva de que dentro de dois, três anos, a Volkswagen de São Bernardo não terá mais que metade dos 16 mil trabalhadores atuais?


 


Enrique Lozano -- Depende, depende. O que está acontecendo com a Volkswagen/Anchieta é parecido com o que acontece com a Volkswagen/Taubaté. Falando especificamente daqui, iniciamos ação muito forte de reestruturação da fábrica. Investimos mais de R$ 2 bilhões só no projeto PQ-24, como foi chamado inicialmente o Pólo, carro que deverá sair da linha de produção no começo do ano que vem. Conseguimos avançar muito na parte física da reestruturação, mas nos recursos humanos ainda temos que avançar mais para acompanhar a tendência acelerada do aumento de competitividade na indústria automotiva brasileira.


 


O senhor tem exemplo prático da situação de descompasso entre o físico e o RH?


 


Enrique Lozano -- Não vou citar o nome da montadora, que está fora do Estado de São Paulo, mas o fato é que a diferença de custos de mão-de-obra por veículo e na hipótese de manter o pessoal atual, com 16 mil trabalhadores, registraríamos diferença por veículo de quase R$ 1,3 mil a mais.


 


Se fizesse na Volkswagen o que se faz nessa outra montadora, que certamente é a de Belo Horizonte, ou não seria uma comparação com uma planta mais moderna, em vez da Fiat a General Motors em Gravataí?


 


Enrique Lozano -- Não, não é Gravataí. Com Gravataí a disputa seria pior. Estou considerando uma empresa que está no Brasil há 25 anos.


 


Exato, completando a pergunta, então cada veículo teria uma diferença de custo de quase R$ 1,3 mil até chegar ao consumidor?


 


Enrique Lozano -- Não, não. Só de diferença de custo de mão-de-obra. Se agregarmos todos os valores até colocar o carro no revendedor, contabilizando todos os impostos, como IPI, ICMS e série de outras obrigações tributárias, a diferença de custo passa para quase R$ 2 mil.


 


Com a suposta manutenção do efetivo de trabalhadores e a repercussão prática que isso significa na ponta da revendedora, o que estaria esperando pelos produtos da Volkswagen/Anchieta?


 


Enrique Lozano -- Só em função dessa diferença de custo, e sempre raciocinando com a manutenção da organização como está hoje, essa diferença faria com que a empresa tivesse lucratividade menor ou prejuízo maior, porque hoje em dia só falamos em prejuízo, de quase R$ 2 mil por veículo.


 


Você quer dizer que só vendendo por R$ 2 mil a menos a Volkswagen ganharia maior competitividade no mercado interno, relativamente à sua maior concorrente nacional?


 


Enrique Lozano -- Esse é o problema. Todas as montadoras do ABC têm problemas muito parecidos. Entretanto, como diz o Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e, de acordo com as circunstâncias, colega e também competidor, nós não podemos aviltar os salários dos trabalhadores porque na sequência os trabalhadores não vão comprar aquilo que produzimos. Isso é uma verdade absoluta.


 


O problema é que o mundo é cruel. Como é que poderemos competir com outra empresa que pode vender o carro na nossa esquina, para nossos próprios empregados, ganhando mais do que nós, ou perdendo menos, se temos de continuar mantendo essa situação?


 


Como resolver esse dilema? Vamos ter corte de pessoal? Essa é a única alternativa?


 


Enrique Lozano -- Não é só corte. O que temos de achar é uma forma de flexibilizar. A cultura do Grupo Volkswagen é preservar o emprego até no fundo do mar. Por isso essa situação é um dilema. Como não perecer se a gente não conseguir formas de aumentar a competitividade? Por isso estamos falando em flexibilizar. Tem uma infinidade de fórmulas de flexibilização, umas mais eficientes que outras, por isso estamos num processo de discussão com o sindicato dos trabalhadores. É um processo demorado, desgastante, porque não é nada simpático, nada popular.


 


Tivemos medidas, por exemplo, que já aplicamos no passado, quando a crise era parecida, quando implantamos a semana de quatro dias. As medidas solucionaram grandes problemas. Hoje temos problema conjuntural e também estrutural. Se fixarmos nossa posição em torno de problemas conjunturais, temos cerca de três mil trabalhadores excedentes em São Bernardo. É problema conjuntural porque o mercado derrubou a produção e a perspectiva de que haja reação nos próximos meses é mínima. E o problema estrutural é que temos essa questão de competitividade com a montadora citada como exemplo.


 


Se mencionar Gravataí, então, a situação se agrava ainda mais.


 


Temos no caso da GM, só para citar o recrudescimento por competitividade, o que chamam de efeito-Celta. O que é isso? É que o efeito-Celta modificou o perfil do mercado automobilístico. Até o advento do Celta tínhamos os chamados carros de entrada no mercado, o primeiro carro das pessoas, o famoso Fusquinha do passado, o mais barato disponível no mercado.


 


Muito bem. Antes da chegada do Celta, tínhamos uma faixa do mercado em que as montadoras competiam com a linha de carros mais populares. A chegada do Celta criou a necessidade de contar com segmento mais popular ainda. Com isso, todas as empresas tiveram de correr atrás. A conclusão é que o carro popular que consome a mesma coisa em termos de mão-de-obra e de outras variáveis de custos fixos das unidades de produção mais antigas, acaba reduzindo drasticamente a rentabilidade. Com as promoções nas quais se coloca o que se chama de dinheiro no porta-luva com a instalação de rádio, direção hidráulica e roda de liga-leve, a competitividade se tornou ainda mais dramática. 


 


O Celta, na verdade, só agravou o quadro de domínio dos carros populares no mix de vendas das montadoras. Como se sabe, mais de 70% dos veículos de passeio vendidos no Brasil são da classe popular que, tradicionalmente, são menos rentáveis às montadoras.


 


Enrique Lozano -- O Celta agravou o quadro porque criou um segmento ainda mais popular dentro dos 70% dos populares.


 


E há tendência internacional, pelo menos voltada para a América Latina, de se criar segmento ainda mais popular. Seriam os sub-populares.


 


Enrique Lozano -- Não sou especialista em assuntos relacionados a marketing e mercadológicos, mas o que sei é que as empresas estão trabalhando num sistema de globalização de tudo. Por isso, a existência de veículo específico para cada país, para cada continente, é algo que complica tremendamente o desenvolvimento do produto. No caso do nosso Pólo, temos um exemplo de produto que foi desenvolvido mundialmente e vai ser igual em todos os países. Aí você poderia perguntar, nessa linha de raciocínio, que teremos de contar com um carro mais popular ainda para competir no mercado, que teríamos de desenvolver outro veículo. Aí responderia que custa uma fortuna desenvolver um veículo para um mercado de um milhão e alguma coisa de vendas, como é o caso do Brasil.


 


Quando se tem um carro mundial, a lógica é contar com fornecedores mundiais também. Se forem desenvolvidos projetos específicos para determinados países, é evidente que teremos problemas com fornecedores. Carros de nichos custam mais caros porque nem sempre os fornecedores estão preparados e dispostos a participar do processo de produção.


 


É possível mineirizar a Volkswagen de São Bernardo em termos de custos de recursos humanos?


 


Enrique Lozano -- Não temos esperança de mineirizar a Volkswagen em curtíssimo nem a médio prazo. Sabemos das limitações. Precisamos é encontrar uma fórmula em que os próprios empregados enxerguem a necessidade de flexibilizar algumas coisas. Por exemplo: tínhamos a semana de quatro dias e, graças a Deus, até o início deste ano, pudemos retornar à semana normal. Agora surgiu nova necessidade de utilizar o sistema, mas acabou rejeitado. Então, temos essa margem de flexibilidade. Tínhamos o banco de horas, mas os empregados resolveram não reativá-lo. Dessa forma, acabamos de perder algumas ferramentas de flexibilização talvez porque no momento que era de renovar os acordos, todo mundo talvez achasse que a situação permaneceria cor-de-rosa. Afinal, se o mundo é cor-de-rosa, por que vou pensar em alguma coisa que vai complicar minha vida lá na frente? Hoje, que estamos precisando dessas alternativas, temos de concretizá-las.


 


O Luiz Marinho é uma liderança moderada, é um representante do sindicalismo mais atualizado, mas encontra dentro da própria Volkswagen pelo menos 30% de trabalhadores ligados aos partidos políticos mais xiitas das esquerdas. Essa realidade se espalha pelas demais montadoras da região. Como negociar com uma liderança sindical que vem para um encontro sabendo que 30% dos trabalhadores vão-lhe cobrar posição mais dura?


 


Enrique Lozano -- Certamente é complicado para ele e as fagulhas acabam atingindo a empresa. A gente entende isso, compreende a situação dessa liderança sindical. Conseguimos com essa liderança madura uma série de êxitos no passado. Compreendemos a situação dele em sentar em uma mesa de negociação e aceitar algo que não é popular. Ele sabe que tem oposição forte aqui na Anchieta que pode vaiá-lo ou nem ouvi-lo quando subir num caminhão de som. Ninguém consegue vender aquilo que não é popular. Sabemos disso.


 


Tenho certeza de que ele, pessoalmente, e o grupo que está em torno dele entendem a situação mas não encontram meios práticos de levar isso para a frente e convencer a base. A situação do Luiz Marinho na Anchieta é mais complicada do que nas demais montadoras da região porque vamos ter eleições sindicais no ano que vem.


 


Quando você fala "vamos", dá a impressão de que também é metalúrgico.


 


Enrique Lozano -- (sorrindo) Eu sou metalúrgico. O quadro do Marinho é complicado porque, pelo sistema sindical de eleições, prevalecem os comitês por empresas, que têm de eleger uma chapa. O problema é que para ter uma chapa é indispensável ter um terço dos votos. O risco na Anchieta é de o Luiz Marinho não compor essa chapa. Não afirmo que isso é possível, mas é uma viabilidade eleitoral. O próprio Luiz Marinho, que é empregado licenciado da Volkswagen, sabe disso. O risco de formar a chapa está ligado ao que ele decidir nos próximos meses.


 


Então, o quadro está encalacrado porque de um lado temos uma Volkswagen com necessidade premente de readequar custos e melhorar a rentabilidade e a competitividade, e de outro uma liderança sindical que interessa muito para o avanço das relações entre capital e trabalho correndo o risco de eventualmente até perder a condição de concorrente?


 


Enrique Lozano -- É um risco remoto, mas existe.


 


Como conciliar isso?


 


Enrique Lozano -- Se você souber, me fale, me fale (sorrindo). Estamos correndo contra o tempo. A perda de competitividade está cada dia mais acirrada e complicada. Se não tomarmos decisões rápidas, de curtíssimo prazo, não vamos ter como reagir depois. O ideal, e entendo a posição do Luiz Marinho em protelar as decisões até metade do ano que vem, é uma meta impossível. Do jeito que as coisas estão indo, estamos numa posição desesperadora. Todas as decisões que poderiam ter sido tomadas para amenizar o quadro, e que estão vinculadas à semana de quatro dias e ao banco de horas, foram postergadas sistematicamente devido ao quadro sobre o qual já falamos. Mas agora chegou a um ponto de quase limite. Ou encontramos uma forma de resolver isso ou vamos ter de tomar atitudes que tradicionalmente não são nossas.


 


É possível a Volkswagen tomar posição unilateral se o aspecto emergencial não levar à negociação?


 


Enrique Lozano -- Pode acontecer. Pode acontecer. Estamos esgotando todos os recursos, todas as formas de convencimento. Iniciamos trabalho de esclarecimento aos empregados que jamais fizemos com as características colocadas em prática. A tradição da Volkswagen tem sido o uso do próprio sindicato, através de representações internas, como porta-voz da divulgação. Entretanto, em função do quadro político-trabalhista interno, em que nem todos estão rezando pela mesma cartilha, decidimos fazer trabalho de esclarecimento diretamente com os empregados.


 


Criamos para isso uma série de encontros com todos os empregados, conduzidos pelas próprias gerências. Enfim, o setor de Recursos Humanos da companhia deixou para as próprias lideranças da empresa o papel de esclarecimento. Dessa forma, a área de RH deixou de ser portadora da chamada caixa de maldades enquanto as gerências ficavam apenas assistindo e muitas vezes até se omitindo. Desta vez, decidimos pelo comprometimento de todos. O esquema funcionou, a repercussão foi muitíssimo boa.


 


A mensagem passada foi exatamente o que estamos conversando aqui?


 


Enrique Lozano -- Muitas informações foram até difíceis de ser entendidas porque os trabalhadores jamais tiveram a abordagem que apresentamos. Tratamos de informações financeiras, econômicas, de mercado, comparações como a da estrutura de custos da Volkswagen de São Bernardo e de outras montadoras. Já tivemos muitos casos de empregados que nos disseram que gostariam de comprar um carro da nossa marca, mas se queixavam do preço. E acabaram comprando carro dos concorrentes. Agora eles estão entendendo porque outras marcas podem vender mais barato. Alguém está pagando essa diferença.


 


E aquela diferença que chega, com impostos, a R$ 2 mil por veículo está consolidada basicamente por causa dos custos com recursos humanos diretos?


 


Enrique Lozano -- Temos também custos acima do mercado da própria região nas áreas terceirizadas. Fomos a última empresa a adotar a terceirização em algumas áreas periféricas, mas os valores contratuais estão referenciados pelos metalúrgicos. Como podemos equiparar os custos de trabalhadores de atividades complementares com aqueles que são periodicamente treinados e preparados para funções mais nobres? Os terceirizados da Volkswagen de São Bernardo têm vencimentos maiores que os terceirizados do mercado em geral. A remuneração dos terceirizados do setor de limpeza na indústria automobilística da região é maior do que em qualquer outra atividade. Só porque trabalham na indústria automobilística eles ganham mais.


 


Há informações de que o famoso banco de horas se transformou em problema, ou quase isso, porque há um passivo dos trabalhadores que ainda não foi pago?


 


Enrique Lozano -- O que aconteceu é que, como o mercado se comportou com picos e declives no período, nem sempre os trabalhadores aceitavam a compensação acertada em acordo. Fomos empurrando a situação a ponto de hoje termos mais da metade dos horistas da companhia devendo até oito dias de trabalho. É uma dívida praticamente incobrável. Não podemos descontar de forma alguma se não forem pagas com trabalho.


 


Quanto custa em termos percentuais  os recursos humanos para a companhia, incluindo-se os terceirizados?


 


Enrique Lozano -- Sem os terceirizados, porque aqui em São Bernardo temos poucos, casos de alimentação e limpeza, chegamos a 21% dos custos. Em 1997 o custo era 17%. Esse aumento se deve a aumentos salariais acima da inflação e às famosas PLRs (Participação nos Lucros e Resultados), que também superaram a inflação. PLR supostamente é participação nos resultados, não é verdade? Em qualquer empresa, isso é explicitamente claro. Se não tiver resultado, a companhia paga o prejuízo sozinha, mas não remunera os trabalhadores além do obrigatoriamente que consta dos contratos. Aqui na Volkswagen não é assim. Com prejuízo ou sem prejuízo, tem PLR. Como os limites são absurdos, na verdade não são nem PRLs, mas bônus, bônus compulsório.


 


Vou dar um exemplo deste ano: se o target fosse atingido, se o mundo fosse uma maravilha, se os empregados tivessem nível de absenteísmo como no passado, se o nível de qualidade fosse atingido, se o volume de produção fosse o desenhado nas negociações, se tudo isso ocorresse, seria possível receber até R$ 3 mil de PLR. A negociação não empacou no teto, mas no mínimo. Eles queriam o mínimo garantido. Independente de o mundo acabar ou não, aquele mínimo tinha de ser garantido. Aí acertamos um mínimo de R$ 2,4 mil, que é um belo de um mínimo. Com tudo o que ocorreu neste ano, esse mínimo acabou indo para R$ 2,6 mil. Isso quer dizer que, neste ano, mesmo que a gente tivesse de fechar a fábrica em dezembro, teríamos de pagar R$ 2,6 mil para cada empregado a título de PLR.


 


O que podem me perguntar é se somos burros em fazer tal acordo. Sabe o que respondo? Ou faço ou convivo com essas paradas, com greves. Há momentos em que se tem de colocar na balança alguns fatores e a decisão precisa ser tomada.


 


O maior concorrente da Volks que está lá em Minas não tem esse tipo de problema. Nunca houve greve em Betim. Eu sei que é aparentemente desagradável falar da Fiat, que pode ferir suscetibilidades, mas a comparação se torna obrigatória, esclarecedora para o momento em que vive o Grande ABC de anunciadas novas evasões industriais.


 


Enrique Lozano -- O comportamento daquela empresa tem sido historicamente mais drástico com lideranças que eventualmente surgem de um sindicalismo mais radical que o nosso. Por exemplo: os mineiros não contam com representação interna dos trabalhadores, enquanto todas as empresas do Grande ABC tem representações internas. Contamos, na Volkswagen, com representações de trabalhadores até nas fábricas fora do Estado de São Paulo, mesmo que eventualmente não houvesse necessidade. Isso faz parte de nossa cultura de relacionamento com trabalhadores e sindicatos.


 


O senhor diria que a Volkswagen pratica democracia que determinado estrato do sindicalismo da região não mereceria?


 


Enrique Lozano -- Não merecer me parece expressão muito dura. Acho que esse tratamento que chamo de social, mais transparente, todos merecem. O tempo vai definir a situação e essas lideranças que não estão sintonizadas com os avanços acabarão derrubadas pela razão. Os trabalhadores vão perceber que é lutar contra o que está errado. A empresa não quer radicalizar porque sabe que não resolve.


 


Não se corre o risco da radicalização? Não se vive a possibilidade de mineirização das relações trabalhistas da Volkswagen de São Bernardo?


 


Enrique Lozano -- Posso até dizer que a gente corre esse risco, mas vamos pelejar até o fim do mundo para evitar isso. No final sobram mágoas, ressentimentos e a resolução do problema hoje, mas como será a convivência dali para a frente? Se fôssemos uma empresa que desde o início tivesse tido esse comportamento, seria uma coisa. Mas mudar o comportamento, que achamos certo, é algo que traria estragos.


 


No histórico internacional do Grupo Volkswagen não houve em nenhuma localidade processo de radicalização na área de Recursos Humanos?


 


Enrique Lozano -- Tivemos sim, na África do Sul, há dois anos, quando a companhia teve de partir para demissões em massa e posteriormente o quadro foi amenizado com contratações. Não sei exatamente se o caso envolveu diretamente o sindicato ou um grupo de empregados. Esse acontecimento não faz parte da cartilha da Volkswagen. É uma exceção à regra.


 


O senhor já se imaginou no papel de Luiz Marinho, isto é, do outro lado da mesa de negociações?


 


Enrique Lozano -- Já e cheguei à conclusão de que ele também tem um baita problema.


 


Ele tem um problema ou tem mais problemas do que o senhor, porque tem a Volks, a Ford, a Scania e tantas outras empresas?


 


Enrique Lozano -- Embora as empresas sejam diferentes, os problemas são muito parecidos. Se ele achar o caminho para resolver o problema de uma empresa, vai achar o das demais. Agora, ele tem que resolver os problemas específicos que enfrenta aqui na Volkswagen e que, pelo que sei, não se reproduzem nas demais montadoras. Nosso papel no caso eleitoral do Luiz Marinho é de expectadores. Não podemos torcer para determinado grupo. Sabemos e entendemos a situação dele, mas não podemos tomar partido. De qualquer forma, recebemos as descargas elétricas.


 


O futuro da Volkswagen de São Bernardo reserva vagas para apenas oito mil trabalhadores?


 


Enrique Lozano -- Isso acontecerá, mas a longo prazo.


 


O que é longo prazo?


 


Enrique Lozano -- Algo como cinco, seis anos. Teríamos um número que variaria entre 10 e 12 mil trabalhadores considerando tudo. Quando digo tudo é porque incluo nessa contabilidade não só trabalhadores ligados diretamente à manufatura na Anchieta, mas de outras fábricas que estão neste complexo industrial, casos das áreas de compras, de vendas, de desenvolvimento de produtos. Temos também toda a área administrativa.


 


Se considerarmos só a produção do Pólo, acreditamos que não precisaríamos de mais de seis mil trabalhadores nas atividades produtivas. Entretanto, temos a expectativa de que o Gol não vai desaparecer. Esperamos que o Gol tenha vida longa também. Todos esses números, é bom que se diga, são estimados, porque não sabemos o que pode acontecer mais para a frente. Não sabíamos, em março, o que aconteceria neste final de ano.


 


O presidente Herbert Demel disse recentemente que muitas fábricas de automóveis vão fechar no Brasil. O senhor mostra um quadro estatístico histórico no qual fica claro que um terço da produção potencial das empresas está sobrando no País. Vamos fechar um terço?


 


Enrique Lozano -- Um terço não, porque pode haver compensação entre as fábricas e a soma de todas determinar o fechamento de apenas mais uma fábrica. Mas que algumas não vão suportar a maratona, isso não vão.


 


O senhor tem 34 anos na área de Recursos Humanos da Volkswagen do Brasil, mas sempre ficou à sombra. De repente, assumiu função que tinha como titular um Fernando Tadeu Perez que se consagrou como referência na relação capital-trabalho. Como se sente numa posição que se transformou em vidraça num momento particularmente difícil do País, de evidente recrudescimento entre empresas e trabalhadores?


 


Enrique Lozano -- Durante esses anos todos não trabalhamos exatamente na sombra, mas não foi necessário que tivéssemos holofotes. Na realidade não estou sozinho. Represento uma equipe. Uma equipe que acompanhou o Fernando desde praticamente a separação da Volkswagen e da Ford no desmantelamento da Autolatina.


 


Somos uma equipe com vários integrantes, que se manteve coesa desde 1994. Essa equipe sempre foi muito unida, de um ideal comum, cujo compromisso é manter a toada. Lá fora a situação pode ser diferente porque, independentemente da presença do Fernando, os acontecimentos fugiram ao controle dos Recursos Humanos. Casos específicos de fatores conjunturais, sociais, políticos. Esse grupo é auto-administrável. E não temos problemas com o sindicato, também, porque nossa relação com as lideranças é antiga. As relações não se alteraram em nada porque todas as decisões são avaliadas pela presidência e pelas vice-presidências. Apenas o presidente passou a ter um contato mais próximo com o setor, de modo a evitar eventuais problemas de correlação de forças internas.


 


Uma pergunta inevitável, até mesmo para se avaliar melhor a situação da administração de pessoal na Volkswagen do Brasil, é saber se a saída de Fernando Tadeu Perez não abalou a força política interna do setor agora sob seu comando?


 


Enrique Lozano -- Estamos até com mais força, porque o próprio presidente passou a ser uma espécie de conselheiro ou assumiu a responsabilidade direta pelas grandes decisões de recursos humanos, apesar de as decisões gerais de RH continuarem sendo tomadas por esse grupo.


 


Como o senhor observa o futuro do Grande ABC levando-se em conta o quadro internacional automotivo e também, evidentemente, o quadro local? Como observa a vulnerabilidade de o Grande ABC ter de suportar o quadro de investimentos tecnológicos das grandes empresas automotivas que geram desemprego?


 


Enrique Lozano -- Precisamos fazer do limão, limonada. Acho que precisamos trazer de volta para a região empresas de autopeças que atendam às necessidades das montadoras. Estamos agora trazendo uma autopeças para nossa planta, mas foi uma briga interna com os trabalhadores que temem perder emprego. Não temos saída senão trazer as autopeças para próximo da indústria e os custos dessas novas empresas necessariamente terão de ser menores.


 


Sei dos problemas da região relativos ao custo da água, ao custo dos impostos municipais, e isso é realmente complicado, é uma encrenca. Fui criado na região, desde 1958, 1959. Sei que falam muito em benefícios de estarmos no centro de um grande pólo consumidor de produtos, mas nossas rodovias são um inferno. Temos um porto aqui do lado, mas é o mais caro do mundo. Por que estamos importando nossos veículos através do Porto de Paranaguá, no Paraná? Custos, custos. Temos dito ao pessoal do sindicato que ninguém é Madre Tereza de Calcutá, que ninguém é bonzinho porque nasceu bonzinho. Não podemos perder a lógica de que as empresas sobrevivem onde obtêm resultados. O mundo é cruel, mas é assim. Temos obrigações morais e sociais, e vamos exercer até onde der, mas na hora em que estamos enforcados, meu amigo, a sobrevivência está acima de tudo.


 


A Volkswagen está chegando a esse limite?


 


Enrique Lozano -- Estamos chegando a esse limite.


 


Como em nenhum momento na história da Volks em São Bernardo?


 


Enrique Lozano -- Eu diria como em nenhum momento da história. E não é culpa da Volkswagen. É que o mundo acelerou esse processo de forma tão brutal que todos correm atrás do prejuízo cada dia mais. Não é porque fomos perdendo competitividade. É porque o mundo ficou mais competitivo.


 


Não é porque a Volkswagen eventualmente tenha ficado cruel, é porque o mundo ficou cruel...


 


Enrique Lozano -- O mundo está cruel. Esse é o problema. A realidade é essa. Precisamos correr contra o tempo.


 


O que é correr contra o tempo? 


 


Enrique Lozano -- Temos de achar a saída e isso não é questão de tempo, é de dias.


 


A Volkswagen tem consciência do que significa historicamente para o Grande ABC, sem falar de outros aspectos, especialmente econômicos? Isso o próprio presidente deixou evidenciado em entrevista há mais de um ano. O que significaria a saída da Volkswagen do Grande ABC?


 


Enrique Lozano -- A disputa por investimentos dentro de uma mesma companhia é tão ou mais intensa do que externamente, no mercado propriamente dito. É uma luta por recursos financeiros, por exemplo, por uma nova unidade ou um novo produto. Todas as subsidiárias correm atrás do dinheiro. É um verdadeiro leilão. E quando se disputam recursos, por exemplo, com fábricas da Europa Oriental, que em muitos casos apresentam condições mais vantajosas do que nós, a disputa então é terrível. É um briga de foice.


 


Em 1999 o nosso presidente, Demel, pôs a cara para bater e disse que iria trazer o PQ-24 para São Bernardo. O peso dessa planta foi decisivo, dada a importância relativa que tem no Brasil. A aprovação da semana de quatro dias foi, naquele período, um trunfo valiosíssimo, porque foi a única unidade além da matriz que conseguiu implantar o sistema no Grupo Volkswagen.


 


Então a influência do sindicato foi positiva nesse investimento. Inclusive o Luiz Marinho esteve na Alemanha com o Fernando Tadeu Perez. Isso mostra que o sindicato pode contribuir também?


 


Enrique Lozano -- Eles sabem disso. Eles precisam achar uma fórmula para poder ajudar. Eles sabem que se não ajudarem, vai ser ruim para eles também.


 


Para que a unidade Anchieta seja tão competitiva como aquela de Minas, é fundamental que haja cortes de pessoas e melhoria da produtividade também em relação aos próprios cortes e aos investimentos tecnológicos? 


 


Enrique Lozano -- Se acharmos outras formas de flexibilizar, os cortes podem ser reduzidos. A chamada semana de quatro dias já minimizaria os problemas. Mesmo assim ainda vamos ter problemas de excedentes estruturais. Isso não tem jeito. Quem sabe não sonhar com novos investimentos como aconteceu com o Pólo? Pode ser um sonho, mas a negociação pode ajudar a sensibilizar a companhia a trazer novos produtos. Só não podemos oferecer garantia, porque como se sabe o mercado é intensamente competitivo e as incertezas macroeconômicas e políticas estão aí. 


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