Administração Pública

Fundação do ABC lubrifica suspeita
de que poderia ser uma Petrobras

DANIEL LIMA - 23/02/2015

A Fundação do ABC é um caso a ser estudado, analisado e, mais que isso, investigado. A instituição que se consagrou como caminho único em que a regionalidade não deu com os burros nágua, acaba de ganhar licitação de R$ 168 milhões para administrar todos os 46 equipamentos da rede de saúde da Prefeitura de Mauá. Com isso, o orçamento sob seu controle chegará a quase R$ 2 bilhões nesta temporada.


 


Trata-se de empreiteira de serviços de saúde incensada pelos prefeitos da região. A Fundação do ABC funciona como OSS (Organização Social de Saúde). Não tem concorrentes na praça regional. Tanto que disputou solitariamente o processo licitatório de Mauá. Como se explica esse milagre numa entidade politizada e partidarizada?


 


A gestão da Fundação do ABC em suas várias instâncias e departamentos é, por conta disso, um convite a todos que não têm rabo preso com ninguém. Que tal provocar um jogo de transparência  daquela montanha de dinheiro? Tudo é muito obscuro naquele conglomerado de prestação de serviços. O modelo de gestão, a área operacional, os setores administrativos, as instâncias de suposto controle, tudo enfim mantem-se blindado à curiosidade pública. Talvez seus responsáveis entendam que há um segredo da Coca Cola a ser preservado. Talvez haja mesmo segredos cabeludos. 


 


O histórico de OSSs que atuam na Prefeitura de São Paulo não é dos mais honrosos nas poucas vezes em que a Administração Municipal decidiu avaliar a prestação de serviços. Mas foram poucas vezes, pelo que se tem de informações publicadas nos jornais. A Fundação do ABC é um caso diferenciado na interlocução com a mídia. Ninguém se manifesta sobre o desempenho supostamente condizente com os recursos públicos originários do Sistema Único de Saúde (SUS), compulsórios constitucionalmente.


 


Sabe-se que há muitos pontos obscuros na Fundação do ABC. São informações repassadas por inconfidências aqui e ali, destiladas principalmente por executivos e colaboradores graduados da própria instituição que em algum momento tiveram de conviver com a quebra do escasso regime de meritocracia, bem como aqueles que tiveram interesses ou direitos ameaçados, quando não solapados.


Guarda-chuva conveniente


 


A Fundação do ABC é um guarda-chuva imenso ecumenicamente construído pela regionalidade transversa para acomodar interesses em conflito ou em coalização. Seria, por assim dizer, importante ramal a acordos político-partidários municipais e intermunicipais envolvendo mandachuvas e mandachuvinhas da vez nas prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano. É claro que tais acordos são costurados por baixo dos panos.


 


Não estou a afirmar que a Fundação do ABC é uma versão da área de saúde do escândalo da Petrobras, também jamais emitiria qualquer parecer jornalístico que a coloque a salvo de desconfiança. Muito pelo contrário: como a gestão é, repito, uma confraria interpartidária, com vícios arraigados, ali tudo é possível encontrar em forma de maracutaias autoprotegidas pelos beneficiários. Se o modelo Petrobras tiver alguma coisa com isso, teremos aqui a incubadora do que se revelou na maior estatal do País. O modus-operandi consagrado da Fundação do ABC é bastante antigo.


 


A melhor resposta que a Fundação do ABC daria à sociedade – e também a este jornalista e a todos que de alguma maneira achem estranho o desempenho supostamente espetacular a ponto de não ter concorrentes – seria a contratação de empresa especializada em auditoria para escarafunchar todas as planilhas de que dispõe, de gestão administrativa à operacionalização de campo, de atendimento aos usuários, passando inclusive pelo setor de compras de materiais. Uma auditoria de verdade que faltou à própria Petrobras, ao encobrir ou ao afrouxar os mecanismos de confiabilidade dos dados apresentados. 


 


Até prova em contrário não é infundada a suposição de que a Fundação do ABC aumenta a rede de contratos com municipalidades dada a influências muito acima de competência técnica-administrativa-operacional. Ainda outro dia o prefeito de São Caetano, Paulo Pinheiro, disse com todas as letras que retiraria da diretoria da instituição um profissional indicado por um vereador que resolveu romper acordo paralelo de apoio político. A condicionalidade do cargo a injunções políticas não é a melhor alternativa à constituição de uma organização de trabalho que prime pela qualidade dos serviços prestados. Geralmente os critérios técnicos são frouxos porque se subordinam a fatores como compadrismo, companheirismo e nepotismo.


 


Respostas negadas


 


A Fundação do ABC não é freguesa de caderneta de CapitalSocial, como outros temários regionais. Há 51 artigos publicados neste espaço que tratam direta e indiretamente daquela instituição. A principal matéria data de primeiro de abril de 2013, quando enviei ao então presidente da companhia de saúde, Maurício Xangola Mindrisz, série de questões que compuseram “Entrevista Indesejada” jamais respondida.  Xangola foi imposto à Fundação do ABC pelo mesmo petismo inodoro do prefeito Luiz Marinho e da primeira dama Nilza de Oliveira. Da mesma forma que nos anos 1990 o prefeito Celso Daniel o colocou no Semasa, a autarquia de água e esgoto da Prefeitura de Santo André de notória especialização na área, mas também de escândalos jamais apurados. Xangola foi acusado de cometer série de irregularidades no Semasa, então o caixa-forte da Administração.


 


A reprodução abaixo das perguntas dirigidas a Maurício Xangola Mindrisz certamente ajudará o leitor a entender as razões pelas quais o novo contrato da Fundação do ABC com uma Prefeitura da região causa estranheza principalmente pela característica de que, como o Barcelona dos bons tempos de Guardiola, não tem para ninguém em termos de competitividade.


 


Haveria pelo menos duas vertentes explicativas ao fenômeno da suprema eficiência implícita na licitação vitoriosa: primeiro, a Fundação do ABC é mesmo tão extraordinariamente dona da bola ao cuidar da saúde regional que não tem competidores à altura para desafiá-la; segundo, a Fundação do ABC é tão intimamente ligada aos poderosos de plantão que eventuais concorrentes nem perdem tempo porque sabem que participar de uma licitação apenas para dar legitimidade ao que seria um processo vicioso seria algo como assinar recibo de propina.


 


Quem acredita que em algum grau de influência vereadores locais estariam dispostos a encaminhar propostas que colocariam em xeque as atividades da Fundação do ABC não tem noção do quanto os tentáculos da entidade são pronunciados e porosos.


 


A rede de atratividade de parceiros políticos que conferem àquela organização salvo-conduto para seguir adiante prova largamente que não se pode mesmo tratar como regra geral o conceito de que a regionalidade da Província do Grande ABC é uma falácia. A atuação da Fundação do ABC seria digna de comemoração e, mais que isso, de benchmarking caso não fosse erigida num terreno pantanoso de dúvidas, desconfianças, inquietação e, levando-se em conta a situação da saúde pública da região, de imenso fracasso.


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