O grande equívoco de Carlos Grana à frente da Prefeitura de Santo André -- assim como o do antecessor Aidan Ravin -- foi prometer mundos e fundos à população. Tanto que lidera com facilidade, apesar da ameaça de Luiz Marinho, o Observatório de Promessas e Lorotas desta revista digital. Por isso, Grana prestaria um grande favor à população e também à própria gestão se abrisse para valer o jogo do inapelável empobrecimento de Santo André.
Carlos Grana não errou necessariamente pelo que não fez ainda à frente da Prefeitura -- mas pelo que prometeu fazer. Com os nós orçamentários da cidade que mais se desindustrializou no País nas últimas décadas, o petista teria de ter o entusiasmo estudantil contido. Por isso está pagando o preço.
Os marqueteiros que incentivaram a industrialização de iniciativas certamente agora estão enrascados. Tanto que falta dinheiro para tudo. Até comissionados deixarão de receber reajuste salarial, como anunciou o Diário do Grande ABC na edição de domingo.
O agravamento sistemático e histórico do quadro econômico e social de Santo André, mais que o de qualquer outro Município da região, seria atenuante à gestão de Carlos Grana. O problema é que ele acreditou em dois movimentos simétricos que não se confirmaram. O movimento de marolas dos marqueteiros e o movimento da estabilidade de reforços orçamentários do governo Dilma Rousseff, a bordo das exportações valorizadíssimas de commodities que sustentaram o governo Lula da Silva.
Com o orçamento municipal esquartejado durante décadas e sem dinheiro federal cada vez mais escasso porque o ministro Levy não transige em recolocar o País na trilha fiscal, Carlos Grana está no mato sem cachorro. Embora faltem números oficiais, os quais deveriam ser massificados pela própria Administração de modo que os contribuintes tenham a exata noção da situação dramática do Município, sabe-se que a rubrica de investimentos com recursos próprios é dolorosamente frágil.
Tempo para mudar
Ainda há tempo para o prefeito Carlos Grana reunir a Imprensa como intermediadora confiável de informações e levar ao distinto publico de Santo André uma notícia que os antecessores não tiveram coragem de comunicar: o outrora viveiro industrial vive crise financeira impactante que deverá se agravar a cada nova temporada, como se tem agravado, porque as demandas sociais crescem em proporções muito maiores que os recursos próprios e de terceiros que definem o orçamento geral.
Contasse o prefeito com uma assessoria mais qualificada, sobretudo que não ficasse escrava dos desígnios do PT, alguma iniciativa nesse sentido já deveria ter sido tomada. Talvez o que favoreça a apatia de relacionamento do prefeito com a sociedade seja a fragilidade da oposição. É verdade que há uma aridez do outro lado do espectro político-partidário-eleitoral em Santo André, mas convém o prefeito Carlos Grana não confiar tanto na sorte. Descolar o quanto possível da imagem socialmente perniciosa do PT nestes tempos não é tarefa fácil, porque o partido é observado pelo eleitorado como homogêneo para o bem e para o mal.
Grana só teria a ganhar, sem renegar o berço que o embalou, caso adotasse medidas inovadoras no campo da comunicação. Deixar de enfeitar o pavão orçamentário que tanta dor de cabeça lhe provoca é uma iniciativa inadiável. A população de Santo André tem o direito de saber que a cidade se empobreceu desde muito tempo. Responsabilidade social é isso.
Sei que não é fácil para uma administração recordista de promessas e lorotas ter de encarar o contribuinte para comunicar a dieta orçamentária que há muito impõe aos administradores públicos contenção do entusiasmo entre quatro paredes. A iniciativa, entretanto, não reúne nenhum grau de desespero. O que a sociedade não suporta é a reverberação contínua e ludibriante de investimentos que ficam apenas no papel.
Driblar antagonismo
Provavelmente a sugestão de colocar Carlos Grana diante de representantes da sociedade de Santo André para jogar limpo sobre a realidade financeira da Prefeitura encontrará antagonismo de assessores que preferem vender ilusão. Grana deveria dispensá-los de conselhos autofágicos na tentativa de começar para valer uma nova administração. Ou alguém tem dúvidas de que, até agora, dois anos e meio de mandato, o que temos em Santo André é praticamente o mesmo do mesmo do prefeito anterior e também do anterior do anterior?
A transparência que a gestão Carlos Grana está a dever à população é um pecado capital porque de alguma forma o inverso -- ou seja, as promessas e lorotas -- ajuda a disseminar uma ideia de exuberância financeira que não resiste aos fatos e à própria história.
Mais de um quarto da população economicamente ativa de Santo André deslocam-se diariamente à Capital. Mais da metade deixam o Município quando o endereço de trabalho é alguma das cidades locais, juntamente com a Capital. Querem prova mais contundente para resumir o esvaziamento econômico do Município?
Santo André é um caso de gravidade econômica e social específica e mais dramática do que o conjunto de gravidade econômica e social da Província do Grande ABC. Se um planejamento regional é indispensável para que se respire ambiente de transformações, no caso de Santo André, encalacrada geograficamente na Província, quando, contraditoriamente, poderia valer-se da logística como aliada, a situação demanda ações locais urgentes. Nada melhor para sensibilizar os demais municípios.
A Província do Grande ABC ainda não se deu conta de que atravessa o núcleo de um período macroeconômico delicadíssimo. A doença holandesa do setor automobilístico vai se agravar, com repercussões cada vez piores.
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15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ