Caso Celso Daniel

Bobagens requentadas sobre a
morte do prefeito de Santo André

DANIEL LIMA - 22/05/2015

Tenho a impressão de que quando a mídia eletrônica está sem assunto e precisa alavancar a audiência o caso Celso Daniel é pinçado dos arquivos de idiotices já publicadas e vira um espetáculo de sensacionalismo barato.


 


Anteontem fui alertado sobre um programa da TV Record, emissora a qual assisto muito pouco. Estava acompanhando nem sei bem o que na TV e fui instado a mudar de canal. Sempre que a morte do então prefeito de Santo André ressurge, fico curiosíssimo porque desse assunto entendo bem. Muito bem. E a qualidade do produto entregue aos ouvintes, telespectadores ou leitores é escrutinada em alguns poucos minutos de observação. O que a TV Record apresentou na noite de quarta-feira foi o requentamento de uma fraude informativa que, dada a situação do PT nestas alturas do campeonato de governança e de governabilidade do País, ganha forma de verdade.


 


Foram tantas as imprecisões da reportagem televisiva que não vou perder meu tempo em apontá-las. Prefiro centrar fogo apenas num aspecto, que a mídia disseminou no dia seguinte, caso do portal daquela emissora. O título da matéria capturada pelo Google (“Sombra abriu porta para assassinos de Celso Daniel, diz testemunha localizada pela Rede Record”) é de lascar. Está à altura daquela programação televisiva.


 


Vejam os leitores que uma testemunha localizada pela TV Record afirmou que viu Sérgio Gomes da Silva abrir a porta do carro em que estava com o prefeito Celso Daniel, para que os assassinos do político o sequestrassem. O parágrafo final da matéria é deslumbrante: “A testemunha localizada pela TV Record, hoje com 20 anos, deve ser ouvida pelo Ministério Público”. Espetacular, não acham?


 


Criança prodígio


 


Uma criança de sete anos de idade, à época, vale muito mais como informação jornalística do que os próprios autores do sequestro, presos poucos dias depois e antes que o caso Celso Daniel fosse atirado na vala comum de crime político, quando não passou de crime de ocasião numa Região Metropolitana de São Paulo coalhada de sequestradores. Basta ir às arquivos para contextualizar aquele crime.


 


Sei que não deveria perder meu tempo precioso para recordar aquele sequestro e desclassificar integralmente a reportagem da TV Record, mas não resisto porque meu sentimento de justiça fala mais alto. Num texto que publiquei em maio de 2012 a propósito de uma dessas sazonais incursões oportunistas para reavivar o caso Celso Daniel, sempre com conotação político-partidária, recordei o que escrevera anteriormente.


 


O Auto de Qualificação e de Interrogatório 183/02 datado de 2 de março de 2002, menos de duas semanas após o assassinato de Celso Daniel, mostra o depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) de Itamar Messias da Silva dos Santos, um dos sequestradores. Repassei àquela ocasião e repasso novamente agora os trechos do depoimento de um dos homens que levaram Celso Daniel na abordagem feita no chamado Três Tombos, onde se deu o primeiro passo de um crime que abalou o País:


 


 (...) Que o interrogando passa então a forçar a maçaneta externa da porta do motorista, e esta não abre, batendo com o cano da arma no vidro do auto, ao mesmo tempo em que fica gritando abre, abre, abre, e a porta do motorista não abriu; que na porta dianteira direita da Pajero, ou seja, do lado onde se encontrava o prefeito Celso Daniel, o ataque era efetuado por Bozinho, que também passou a mexer na maçaneta daquela porta, havendo um momento em que a mesma se abre; que Bozinho tira o prefeito de dentro do carro e o puxa em sentido da Blazer; que o interrogando dá a volta pela frente da Pajero, indo para a porta de onde saiu o prefeito e por ali tenta retirar o empresário Sérgio Gomes da Silva, não tendo êxito em tal manobra; que afirma que puxou o referido empresário pelo seu braço direito, utilizando-se de sua mão esquerda; que chega o VW/Santana e para praticamente ao lado da Blazer, e Ivan desce do Santana, falando vamos, vamos, vamos, sendo que o interrogando, Bozinho e Ivan apanham o prefeito e o levam para a Blazer, ficando então John guiando, e no banco traseiro ficam o interrogando, atrás do banco do motorista, o prefeito no meio e Bozinho na outra extremidade; que Ivan embarcou novamente no Santana, e o interrogando se recorda que chegou a cutucar as costas do prefeito Celso Daniel com sua arma.


 


Versão infantil


 


Quando um programa jornalístico prefere dar a versão de uma criança crescida e sufoca o relato oficial de um dos próprios sequestradores presos poucos dias depois só não chegamos ao fundo do poço do despreparo ou de outra coisa qualquer porque o caso Celso Daniel está recheadíssimo de barbaridades alimentadas pelo delegado Romeu Tuma Júnior, patético informante até outro dia secreto da força-tarefa do Ministério Público Estadual escalado para melar o jogo da verdade configurada por intensas investigações da Polícia Civil de São Paulo e da Polícia Federal.


 


Lamentavelmente para quem aprecia ficção e faz dessa especialidade tudo no sentido de ganhar foro de realidade, o assassinato de Celso Daniel foi um incidente exclusivamente de descaso com a segurança pública, amenizado com a troca do secretário da pasta e a introdução de novo modelo de atuação que, sem juízo de valor sobre a metodologia adotada, fizeram despencar os casos de homicídios no Estado de São Paulo e reduziram a pó os registros de sequestros.


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