Já imaginou o leitor se a Província do Grande ABC contasse a cada legislatura com sete deputados estaduais e cinco deputados federais ao invés de um número flexível e imprevisto demais como temos tido, geralmente abaixo dessa marca?
Essa conta, feita meio apressadamente e que pode ter alguma variação na margem de erro, se margem de erro houver, decorre da sugestão que o governador do Estado, Geraldo Alckmin, fez ontem no começo da tarde no sétimo andar da sede do Diário do Grande ABC, onde se reuniu com algumas autoridades e jornalistas da casa. Horas depois, sem que especificamente essa ideia tenha sido colocada em votação, a reforma política foi para o espaço em Brasília.
Alckmin simplesmente recomendou dentro da reforma política a introdução do voto distrital puro. Muito melhor que o chamado distritão defendido pelo vice-presidente da República, Michael Temer, modalidade que colocaria milhares de candidatos em guerra abertas pelas 94 vagas à Assembleia Legislativa e às 70 vagas à Câmara dos Deputados, em Brasília.
Desgraçadamente, um modelo pior do que temos atualmente, porque descarta a grande maioria dos votos de candidatos que, mesmo bem votados, não constariam da relação oficial dos que mais sensibilizaram os eleitores.
Ou seja: a perda líquida de votos de candidatos não eleitos seria, segundo especialistas, pelo menos 10 vezes maior do que no atual sistema, de voto proporcional. O personalismo abateria o que ainda resta de partidarismo e interpartidarismo no mercado brasileiro de votos, cujas distorções não justificariam algo como sair do mato para fazer xixi no asfalto. Nada mais lógico do que a rejeição de ontem à noite, mesmo com todo o lobby peemedebista.
Com o governador
Não necessariamente por ser contrário ao Distritão, embora o seja empedernidamente, mas sobretudo porque o voto distrital seria um toque mágico para amalgamar a regionalidade desta Província, que poderia voltar a ser Grande ABC, estou com o governador e não abro. Geraldo Alckmin defende o voto distrital elástico do ponto de vista territorial e, em consequência, também de sufrágios, dentro de cotas que caberiam a cada microterritório.
Isso significa que a Província não seria subdividida em vários pedaços para se amoldar à geopolítica. Seria simples e entusiasticamente, como tantas outras áreas do País com semelhanças culturais, econômicas e interdependentes, um espaço específico de votação e distribuição de vagas de deputado estadual e deputado federal.
Com dois milhões de eleitores num total de 30 milhões do Estado, a região contaria na Câmara Federal, numa conta simples, com cinco deputados, porque a cada 400 mil votos seria eleito um representante para preencher as 70 cadeiras disponíveis ao Estado de São Paulo. Ou seja: os 30 milhões de votos divididos por 70 vagas se traduziriam em um voto por distrito de pouco mais de 400 mil votos.
A contabilidade para a ocupação de espaços dos parlamentares na Assembleia Legislativa seguiria o mesmo padrão matemático. Seriam necessários pouco mais de 300 mil votos para a eleição num determinado distrito. Como a região seria um grande distrito de dois milhões de votos, sete deputados teriam lugar garantido.
Não é que o voto distrital puro e sobretudo o voto distrital puro mais amplo em termos territoriais deixe de apresentar inconveniências potenciais, principalmente com a possibilidade de o coronelismo virar uma praga. Mas vale a pena correr esse risco. Em metrópoles e submetrópoles os coronéis não têm vida fácil -- e não o teriam sobretudo sob um novo ângulo de participação política.
Este seria o ponto mais desaconselhável à aplicação do voto distrital sugerido por Geraldo Alckmin. É possível que existam outros fatores que venham a ser apontados como contraproducentes, mas, até prova em contrário, tudo que se eventualmente produzir para minimizar a proposta do governador do Estado seria fichinha perto das vantagens indutivas.
A principal, sem dúvida, sobretudo diante da realidade histórica da região, seria o passe de mágica de ver uma conversão total em favor da regionalidade na disputa eleitoral, com repercussão em todo o organismo local, nas mais distintas esferas públicas e privadas.
Desenvolvimento regional
Diria sem medo de estar a cometer um desatino que o voto distrital proposto por Geraldo Alckmin reduziria fortemente a Síndrome de Bicho de Sete Cabeças que cultivamos desde que este território foi partido e repartido em sete municípios. A brigalhada municipalista que tanto emperra o desenvolvimento regional -- porque ficamos perdidos em meio a disputas internas -- viraria péssima recordação.
Nossos candidatos a deputado estadual e a deputado federal não precisariam mais correr atrás de votos em outras geografias e igualmente não sofreriam assédio regional de concorrentes piratas, muitos dos quais sempre com a vantagem de maior exposição em mídia de massa.
Barreiras providenciais
Possivelmente a retaguarda legal à definição dos concorrentes distritais seria aperfeiçoada, estabelecendo-se barreiras providenciais às eventuais tentativas de migração de celebridades que não encontram fronteiras à capitalização de votos. Ou seja: alguns mecanismos protecionistas, no melhor sentido do termo, deveriam servir de barricada contra oportunistas de distintas categorias com baixo comprometimento com uma região na qual buscariam abrigo pautado pela notoriedade. Exemplos de deputados radialistas ou mesmo de facções religiosas, profissionais e tantos outras, como bem lembrou o governador durante a entrevista ao Diário do Grande ABC.
A regionalidade explícita no voto distrital puro e amplo teria múltiplas vantagens, entre as quais a garantia de que a sociedade em geral poderia influenciar de forma decisiva na atuação de cada um dos eleitos, e estes não teriam como fugir da raia de resultados práticos à comunidade. Afinal, a dispersão do voto proporcional que está em vigor, caracterizado pela baixa capacidade de memorizar em quem se votou na última eleição, sofreria um grande impacto. Um golpe certeiro, diria.
Finalmente uma bancada
Também sem medo de errar posso sustentar que, com esse modelo devidamente monitorado por forças regionalistas, a Província do Grande ABC finalmente teria o que durante muito tempo se vendeu como algo concreto mas que não passava de ilusão de ótica e de ética: consolidaria uma mais que aguardada Bancada de Deputados. Tanto os federais quanto os estaduais seriam enquadrados numa bitola de demandas regionais das quais não poderiam fugir, sob pena de não serem reconduzidos ao cargo na eleição seguinte.
O Diário do Grande ABC de 11 de maio último, quando completou 57 anos de atividades, instituiu um bloco de 10 temários prioritários à reconstrução de valores subjetivos e objetivos da região. O que parece um conjunto de difícil execução, porque depende da sociedade como um todo, seria traduzido com o voto distrital puro e amplo em algo marcado pela aceleração do tempo de resoluções. Vale a pena comprar a ideia do governador do Estado. Muito melhor, repito, que a proposta derrotada de Michel Temer que agravaria, também para a região, uma situação já bastante desconfortável de dispersão, esvaziamento e fragilidade dos parlamentares da Província naquelas duas casas.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)