Política

Carta a Dilma

MILTON SALDANHA* - 17/09/2015

Dilma, paga o mensalão! E assim, amanhã mesmo, eles aprovam tudo o que você quiser. É assim que funciona. Pergunte ao FHC, que conseguiu mudar até a Constituição e conquistou a reeleição. Pergunte ao Lula e ao Zé Dirceu, que governaram sem percalços, ganhando adesões impensáveis nos velhos tempos do sindicalismo do ABC, quando ninguém ousaria imaginar, nem por brincadeira, que algum dia estariam abraçados com Delfim Netto, Paulo Maluf, Sarney, Collor e outros meninos de fino trato. Antes de continuar, um aviso aos analfabetos funcionais, que não sabem interpretar textos: a primeira frase, acima, é uma ironia. É óbvio que eu não faria apologia da corrupção.


 


Você, Dilma, convenhamos, cometeu erros primários em política. E tudo indica que não gostava de consultar ninguém, achando-se autossuficiente intelectualmente. Essa arrogância tem preço, agora você deve ter aprendido. Por exemplo, colocar dois ministros a falar, duas horas depois de uma grande manifestação de brancos bem abastados, na Paulista, foi um amadorismo de colegial. Com pedaladas fiscais, coisa que todos fizeram, deu munição aos seus inimigos, esquecendo que agora os tempos eram outros, com você na frente do alvo. Não poderia se dar ao luxo de vacilar, mas não conseguiu impedir que a máquina do poder seguisse com seus velhos vícios republicanos.


 


Suas mais recentes medidas econômicas, então... Fiquei pensando se Joaquim Levy não seria um tucano infiltrado. Montar um pacote que pesa sobre o bolso dos assalariados de baixa e média renda também não foi novidade, só que você esqueceu duas coisas: não é justo que sempre o trabalhador, público ou privado, pague a conta da crise; e sua popularidade já havia despencado a níveis insuportáveis. Agora, se não piorar, será lucro.


 


Instituições respeitadas


 


Apesar de tudo, Dilma, ninguém poderá acusar você de corrupta. Até FHC admitiu isso, recentemente. Ninguém poderá acusar você de qualquer tentativa de controlar a Polícia Federal ou de tentar obstruir a Justiça, na apuração dos escândalos, principalmente o Petrolão. E ninguém poderá acusar você de não ter lutado contra a ditadura, ainda muito jovem, enquanto outros, na mesma época, davam de ombros e fumavam baseados nas areias de Ipanema. 


  


Eles não vão querer derrubar você agora. Precisam primeiro da aprovação das medidas, principalmente da volta da CPMF. É claro que haverá antes um enorme circo, com discursos indignados no parlamento e artigos idem na mídia golpista. Com o fato consumado, essa é a estratégia, assumem teu lugar com o caminho pavimentado para administrar a crise. Sem revogar nada. E sem carregar o ônus da impopularidade que esse imposto acarreta. Afinal, quem reinventou foi você. E tem mais: a terceirização, criada para achatar salários e fomentar desemprego, goste você ou não, foi na tua gestão.


 


A propósito, Dilma, sou a favor da volta da CPMF. Insuspeito, porque também vou pagar, ninguém escapa. E é justamente por isso que sou a favor: é o único imposto que, de fato, os ricos pagam. Os demais eles colocam nos custos, ou seja, repassam aos consumidores. Ou recebem como restituição, com artifícios de hábeis advogados e economistas, não acessíveis ao cidadão comum. Como eles lidam com grandes volumes financeiros, é claro que pesa mais para eles do que para nós.


 


Isso explica a ferrenha oposição ao imposto, e eles estão se lixando se lá na frente o país vai se arrebentar, como aconteceu na Grécia. A irresponsabilidade dessa turma não tem limites. Eles só esquecem que também vão colher tudo o que plantarem de ruim para o nosso futuro.


 


Mas tenho uma indagação, que vem da primeira CPMF criada pelo PSDB: como a Receita Federal controla e fiscaliza o repasse pelos bancos ao governo? Existe estrutura e mecanismo para isso? Ou basta a declaração dos bancos? A sociedade, que paga, tem o direito de saber.


 


Crise anunciada


 


Bem ou mal, Dilma, e até porque não tem outra alternativa, você está suportando o peso da crise. Ela teria ocorrido de qualquer jeito. Se o Aécio tivesse vencido, e não venceu, convém sempre lembrar, por uma diferença de cerca de 3 milhões de votos, (equivalente a um Uruguai inteiro votando), agora estaria jogando toda a culpa em você, como faz de forma ilícita o Sartory contra o Tarso Genro, no Rio Grande do Sul. O pior é que você não pode culpar o Lula, a quem deve sua carreira presidencial. Mesmo com avanços sociais inegáveis, ele fez aquela Copa do Mundo inaceitável, que custou o valor do déficit público atual, e abriu as torneiras do BNDES de forma obscena às grandes empresas, com carências e juros amigáveis. Não foi pouca grana, você sabe muito bem. No final do ano passado, com repasses do Tesouro, além do financiamento do FAT, alcançava R$ 470 bilhões, segundo pesquisa de Miriam Leitão, no imperdível livro “História do Futuro”. Ela conta bastante sobre a farra toda, incluindo empresas que levantaram milhões subsidiados e logo em seguida faliram. Eike Batista foi apenas um caso emblemático, e o que mais repercutiu, mas não foi único.


 


Onde está o retorno disso, em termos de benefícios para o país? Apontem, por favor! Uma parte, certamente, encontrará resposta na proposta de repatriação dos bilhões enviados para especulação financeira no exterior, enquanto nossa economia entrava em colapso.


 


Apesar dos teus erros, Dilma, você foi eleita democraticamente. Representou uma escolha nacional, amparada na Constituição, que todos deveriam ler. Além disso, que apontem um único presidente que não tenha cometido erros.


 


Quanto à crise, a luz da História, respondam: quando o Brasil viveu sem crise? Se isso justificasse a derrubada do presidente, nenhum teria concluído o mandato. Na ditadura, por exemplo, que tinha poderes ilimitados, levaram a inflação a mais de 280% , evidenciando seu retumbante fracasso. Para não falar da corrupção, que ninguém podia investigar nem divulgar.



Empresas beneficiadas


 


Com você, ou sem você, haveria a crise, como decorrência do cenário internacional e também dos erros internos. Mas existe um aspecto da economia que poucos apontam: Lula e você fizeram de tudo para beneficiar as empresas, que aplaudiam as renuncias fiscais. Eu mesmo, sem ser empresário, na época achei correto, pensando em preservar empregos. Logo, todos erramos. Para quem não entendeu, explico: o governo, para salvar empresas, abriu mão de impostos, que levaram ao déficit. Agora, os mesmos beneficiados de ontem criticam. Política e mercado são assim. Altruísmo, coragem e apego à verdade não integram a cartilha.


 


Vou te contar uma coisa bem pessoal: na melhor fase salarial da minha vida, e também da mulher com quem estava casado, tivemos um ataque de lucidez: baixamos nosso padrão de consumo e estruturamos nosso futuro. Deixamos um condomínio com piscina e compramos uma casinha simples, para reformar. Tínhamos dois carros, passamos a ter só um. Isso foi há 40 anos. Hoje, sou grato a ela, que infelizmente morreu, e a mim mesmo, pela sensatez que tivemos naquele passado.


 


Essa metáfora, mesmo com todas as considerações óbvias entre as diferenças de administrar um país ou uma simples família, sugere o que FHC e Lula deveriam ter feito com o Brasil, e você continuado. O papel do estadista é justamente este, lidar com a profusão de interesses divergentes, buscando a estabilidade. Sem esse foco, a sociedade não precisaria de governo.


 


Como hoje a economia é global, o cenário internacional já sinalizava que a crise chegaria aqui, era só questão de tempo. Bastava ficar de olho no alto índice de desemprego na Europa para perceber isso.


 


Somos calejados em crises. O Brasil se recupera. Não renuncie, nem entregue fácil a rapadura, até 2018. Uma crise institucional seria gravíssima e insuportável para o país. Já tivemos isso, no passado, e foi sempre trágico. A Constituição não pode ser rasgada, por caprichos, ignorância ou interesses mesquinhos. Nada é insuperável. Nem mesmo teus erros.


 


Para encerrar, e desculpe a franqueza, sou obrigado a dizer que não estou defendendo teu governo medíocre. Nem teu esquecimento dos compromissos de campanha.


 


O que estou defendendo é que o Brasil não volte a ser uma republiqueta de merda, intolerante e refratário à democracia. E mais: me aterroriza pensar que algum novo aventureiro e sua quadrilha possam se aproveitar do teu momento frágil, e da boa fé pública, para se instalar no poder. Essa tragédia seria um duplo retrocesso.


Abraço de um brasileiro!


 


*Milton Saldanha é editor do Jornal Dance


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