Entrevista Especial

Melhor pagar do
que ficar sem

VERA GUAZZELLI - 11/05/2004

A iminente utilização de água de reuso pelas indústrias do Pólo Petroquímico de Capuava vai aumentar entre 50% e 70% o preço desse insumo fundamental aos processos petroquímicos. Ao contrário do que a maioria dos debates apontaram até agora, o preço deixa de ser o atrativo principal da água proveniente do tratamento de esgotos domésticos para dar lugar à disponibilidade e qualidade do líquido. Esses dois quesitos se tornaram mais essenciais que o preço porque o pólo precisa garantir água suficiente para suportar o volume de produção e os planos de expansão cujos investimentos atingiriam US$ 300 milhões. A água para o Pólo de Capuava é duas vezes mais cara que dos concorrentes na Bahia e Rio Grande do Sul e chegaria a até cinco vezes mais com o reuso. Entre pagar mais caro e ficar sem água, porém, a primeira alternativa é a saída.


 


“O custo mais elevado é o custo de não ter água” — sintetiza o coordenador de novos negócios da Petroquímica União, Jorge Rosa. As petroquímicas da região consomem um mar de 320 litros por segundo de água e entre 10% e 30% desse total é potável. Jorge Rosa desmistifica a idéia de que a água de reuso aliviaria os gargalos de competitividade das indústrias de primeira e segunda gerações de uma cadeia produtiva que, segundo especialistas, tem tudo para livrar o Grande ABC da dependência automotiva. A assertiva surpreende e esfria principalmente os planos da Ecosama, empresa que ganhou a concessão para coletar e tratar os esgotos de Mauá e, com isso, produzir água industrial para vender ao Pólo Petroquímico. O pólo também não pretende delegar a terceiros a responsabilidade pelo tratamento final da água. Por isso, planeja investir entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões para manter essa estrutura já instalada na Recap. Também o Aquapolo, formatado para trazer água do Rio Tietê por meio de adutoras e sob responsabilidade das petroquímicas, não está totalmente descartado. Assim, as negociações com a Ecosama e até com a Sabesp se resumiriam a comprar efluentes pré-preparados para serem tratados no próprio pólo.


 


A água industrial é essencial para baixar os custos de produção das petroquímicas. Isso implica em ganhos de competitividade importantes para suportar principalmente os projetos de expansão já anunciados pelo Pólo de Capuava. O custo da matéria-prima água representa quanto do custo total do processo?


 


Jorge Rosa — Os custos com água industrial em São Paulo são significativos. Na PQU (Petroquímica União) são superiores aos custos com energia elétrica. Porém, no caso do Pólo Petroquímico, tão grave quanto os custos são a disponibilidade e a qualidade da água. Hoje captamos e tratamos água do Rio Tamanduateí. No entanto, com a crescente poluição e apesar dos investimentos já realizados, a água é de difícil tratamento, não sendo possível a obtenção da qualidade mínima para uso industrial. Daí a necessidade de complementar com água potável. Além do mais, com os projetos em andamento de coleta e afastamento dos esgotos hoje lançados no rio, a disponibilidade futura de água do Tamanduateí poderá não ser suficiente para atender à demanda atual do pólo. O que dirá a demanda de expansões?


 


A utilização da água de reuso, portanto de preço menor, ajuda a reduzir em quanto os gastos do pólo petroquímico com essa matéria-prima?


 


Jorge Rosa — Há de se ter muito cuidado com a afirmação de que a água de reuso tem custo baixo. Se comparada com água potável, mais o pagamento pelo tratamento de esgoto que é adicionado na conta da água potável, essa afirmação é correta. Mas não é o caso do pólo. O pólo capta água no Rio Tamanduateí por meio de outorga concedida pelo DAEE e produz a própria água industrial. A utilização de água potável é só para acertar a qualidade final da água industrial. Por isso, o consumo da água potável em relação ao consumo total de água industrial varia de 10% no verão a 30% no inverno, por causa da estiagem. Assim, o custo atual é muito inferior ao custo de água de reuso.


 


Se o custo atual é menor, por que o pólo sempre manteve em pauta a questão da água de reuso?


 


Jorge Rosa — Para eliminar o uso de água potável nas operações industriais e garantir disponibilidade para a operação atual e para futuras expansões.


 


Podemos concluir que a grande preocupação do pólo deixou de ser o preço e passou a ser a garantia da disponibilidade da água?


 


Jorge Rosa — De fato, manter o atual sistema de produção é mais econômico do que optar pela água de reuso. Com a qualidade que as companhias petroquímicas necessitam, o reuso exige grandes investimentos e o custo operacional também é significativamente elevado. Além do mais, praticamente todo o investimento para adequar o efluente das estações de tratamento de esgoto para a produção de água de reuso será realizado pelas empresas do pólo, o que, claramente, afeta o preço da água.


 


Que investimentos são esses?


 


Jorge Rosa — A água de reuso para o pólo exige tratamento muito sofisticado, que implicará em investimento de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões. Isso porque queremos ficar responsáveis pelo processo final da água chamado de polimento. Assim, nos primeiros 15 anos, que é o prazo de amortização dos investimentos, o custo da água de reuso será bem superior aos custos atuais. Calculo que entre 50% e 70% acima do atual.


 


Isso quer dizer que o pólo decidiu assumir a produção de água industrial em vez de adquirir o líquido da Sabesp ou da Ecosama, concessionária responsável pela implantação do Projeto Sanear da Prefeitura de Mauá?


 


Jorge Rosa — Por questões de confiabilidade, optamos por polir o efluente produzido pelas concessionárias ao invés da compra do produto final, o que ratifica a necessidade do investimento. No entanto, tenho dúvidas se as concessionárias fariam tal investimento caso a opção fosse pela água de reuso. Mas é somente uma dúvida. Outro cuidado que se deve ter é com o termo água de reuso. Há muitas águas de reuso. A água que a Sabesp vende hoje como reuso para Santo André e Mauá não é a mesma água de reuso que se pretende comercializar para o pólo. A água para os municípios é praticamente o efluente da atual estação de tratamento de esgoto que, se não fosse aproveitado, voltaria ao Rio Tamanduateí.


 


Mas a Ecosama garante que tem capacitação técnica para fornecer o tipo de água que o pólo precisa. Não seria mais interessante e até mais econômico deixar todo o trabalho por conta da empresa?


 


Jorge Rosa — De fato, a Ecosama tem feito essa afirmação. Porém, quando a gente faz a análise levamos em conta os itens preço, quantidade, qualidade e garantia de suprimento em qualquer situação, inclusive a emergencial. Todo o Pólo Petroquímico de Capuava está diretamente dependente deste suprimento, incluindo várias indústrias de Cubatão. Um segundo de falta de insumos como água, energia elétrica ou gás natural acarreta, além de perdas financeiras, danos ambientais que podem ser visto pelas queimas nos flares, e a região, devido à proximidade do pólo com bairros populosos, é muito sensível a essas ocorrências. Parte significativa dessas queimas em excesso é causada por piscas de energia elétrica, apesar de as empresas de distribuição de energia elétrica serem de porte multinacional e terem experiência comprovada no fornecimento. Daí nosso receio de deixar na mão de terceiros a produção da água de reuso. Ainda mais na mão de um terceiro sem nenhuma experiência na produção de água de reuso e no abastecimento de um pólo petroquímico. É muito arriscado.


 


Diante dessa complexidade, o Pólo Petroquímico de Capuava tem poucas oportunidades de conseguir água mais barata que concorrentes da Bahia e do Rio Grande do Sul?


 


Jorge Rosa — Em qualquer situação estamos em desvantagem nesse quesito. Nossos concorrentes captam águas pouco poluídas. Com isso, têm o custo de produção bastante baixo e não necessitam adicionar água potável para obter a especificação ideal de água industrial. Nesse insumo temos custo aproximadamente duas vezes superior aos nossos concorrentes e com o reuso essa relação irá para quatro a cinco vezes. O valor da água para a indústria é muito elevado em São Paulo. É o custo de estar localizado numa região de alta densidade demográfica. No entanto, para a indústria já instalada, o custo mais elevado é o custo de não ter o insumo. Daí nossa opção pelo reuso.


 


Há pelo menos três anos a discussão sobre água industrial no Grande ABC está polarizada entre os projetos Aquapolo e o Sanear. Qual seria mais viável?


 


Jorge Rosa — Sob o ponto de vista técnico e econômico, a melhor alternativa é o projeto Aquapolo, formatado pelo próprio pólo. No entanto, os projetos de água de reuso da Ecosama e da Sabesp têm vantagens ambientais que o Aquapolo não tem. Por essa razão, apesar de estar com a engenharia básica e de detalhamento pronta e ter obtido outorga para captar água no Rio Tietê em Suzano, o pólo optou por continuar negociando com a Ecosama e com a Sabesp, comprometendo-se inclusive em assumir os investimentos para produção dessa água a partir dos efluentes das estações de tratamento de esgoto.


 


Em quanto tempo o Aquapolo poderia entrar em funcionamento?


 


Jorge Rosa — O Aquapolo resume-se a captar água no Rio Tietê em Suzano, em local onde já não tem potabilidade, e transportar essa água por adutora até as atuais estações de tratamento da Recap através de uma tubulação de 28 quilômetros. Poderia entrar em operação em 12 a 18 meses.


 


As petroquímicas são consideradas o principal pilar de sustentação comercial do projeto Sanear. Desde que o Sanear foi apresentado, sempre se colocou as petroquímicas como o principal cliente da água industrial que seria produzida a partir da coleta do esgoto de Mauá. A Ecosama já anunciou a compra de uma área próxima ao pólo para construir sua Estação de Produção de Água Industrial e tem de cumprir os prazos estabelecidos no contrato de concessão. O Pólo Petroquímico vai colocar água nos planos da Ecosama?


 


Jorge Rosa — A Ecosama tem comentado que o projeto Sanear terá prosseguimento mesmo que não haja acordo com o pólo. Pretendemos também ter dois fornecedores de efluente de tratamento de esgotos de modo a garantir disponibilidade em qualquer situação. Por isso, estamos negociando com a Ecosama e com a Sabesp sem abrir mão do polimento final. Ainda há dificuldades de ordem institucional e comercial, mas acreditamos que em breve teremos acordos que viabilizem essa alternativa. Seria um exemplo de cidadania para todo o País, já que nenhum projeto no Brasil prevê um consumo água de reuso em quantidade tão grande.


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