O empresário e médico Fausto Cestari, dirigente do Ciesp de Santo André e integrante da diretoria da Fiesp, na Capital, não tem dúvida sobre o futuro do emprego com carteira assinada do setor industrial na Província do Grande ABC: provocado nesta Entrevista Especial, ele declarou que Dilma Rousseff vai zerar o estoque de empregos (mais de 60 mil) deixado após oito anos por Lula da Silva. A contagem regressiva desta revista digital revela que quase metade dos empregos criados por Lula da Silva já foi para o brejo da recessão que impacta mais profundamente a economia da região, dependente em excesso do setor automotivo.
Fausto Cestari é um dos poucos dirigentes empresariais que resistiram na prática institucional na Província do Grande ABC 20 anos depois da criação do Fórum da Cidadania, movimento do qual foi participante ativo e um dos comandantes no sistema de rodízio que envolveu representantes de várias atividades econômicas e sociais.
Recentemente, Fausto Cestari foi um dos líderes do inédito Movimento Reage ABC, que colocou 300 manifestantes nas ruas de Santo André e culminou na entrega de manifesto aos dirigentes do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento do Grande ABC. Cestari faz uma análise histórica sobre a atuação do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico e lamenta os resultados gerais. “Precisamos de mais projetos institucionais e de menos projetos de poder” – é uma das frases marcantes desta Entrevista Especial. Outra? Sobre o PPE (Programa de Proteção ao Emprego) que o governo federal criou para atender à demanda de sindicatos de trabalhadores: “As pequenas e médias empresas não têm a mínima chance de participar das politicas de preservação do emprego e não há qualquer proposição de medidas para esse importante nível da cadeia automotiva” – declarou a liderança empresarial.
Acompanhe a íntegra da Entrevista Especial com o dirigente. As perguntas e as respostas foram produzidas com o uso de plataforma digital. Fausto Cestari poderia responder em 15 dias, mas o fez em 10.
O senhor participou ativamente do processo de criação, de desenvolvimento e também pode verificar a fragilização do Fórum da Cidadania em meados dos anos 1990. O que, duas décadas depois, mudou em termos de ambiente institucional regional?
Fausto Cestari – Creio que três fatores foram determinantes para a criação do Fórum da Cidadania: 1. Mídia impressa regional com razoável força e comprometida com o projeto. 2. Uma crise econômica importante, deflagrada por ações do Governo Collor, atuando como agente aglutinador. 3. O encontro, momentâneo e circunstancial, de algumas lideranças setoriais, desvinculadas de projetos político-partidários e dispostas à construção de um projeto coletivo/regional. Ao longo dessas duas décadas, perdemos as mídias, as lideranças não se renovaram ou se o fizeram foi sem o mesmo compromisso regional e com total vinculação partidária; restou a crise, atenuada temporariamente, mas que neste momento revela a antiga fragilidade da matriz econômica regional.
O senhor passou pela Agência de Desenvolvimento Econômico como titular do cargo. Por que a organização não decola?
Fausto Cestari – A Agência nasceu como ferramenta de oxigenação da econômica regional. Um dos principais pecados foi privilegiar a harmonia política entre seus participantes em detrimento ao profissionalismo e ao pragmatismo institucional. São diversos os exemplos de agências de sucesso em todo o mundo e todas com algumas características em comum: a determinação em relação a objetivos bem definidos, estabilidade do corpo profissional e controle das metas por um Conselho Gestor. Portanto, não se trata de um problema relacionado ao modelo institucional, mas da condução. A alternância da direção a cada dois anos e a eventual substituição dos principais técnicos impediriam a sequência necessária ao desenvolvimento de projetos, de desenvolvimento da memoria institucional e de uma curva de aprendizado com os erros e acertos. Após quase 15 anos de existência da Agência de Desenvolvimento, deveríamos fazer o balanço dos resultados e corrigir a rota ou reinventá-la -- como se faz com qualquer empresa que não esteja trazendo os resultados esperados.
O Clube dos Prefeitos segue a mesma trilha da Agência, ou seja, não dá respostas na velocidade e com a objetividade que a economia regional exige. O modelo está fora de lugar e do tempo? O Clube dos Prefeitos, como a Agência, ou mais que a Agência, é excessivamente estatal?
Fausto Cestari – O Consórcio Intermunicipal tem e deve ter características distintas da Agencia de Desenvolvimento. Deveria se ater à condução da estratégia regional e suas necessárias articulações, sejam com outras instancias de poder, seja com a sociedade civil, deixando para a Agência ou Agências (Desenvolvimento Econômico e Infraestrutura e Desenvolvimento Social) o papel tático e operacional, que requer maior agilidade e flexibilidade. Desta forma, os sete Municípios teriam suas diferenças econômicas atenuadas por esta Governança Regional, alinhadora, reguladora e zeladora, orientada por um bem concebido Plano Diretor de médio e longo prazo. Como fazer isso se os mandatos têm curtíssima duração e mais importante, seus técnicos mais relevantes em cargos comissionados, sujeitos à mesma rotatividade das lideranças eleitas?
O senhor acredita que a participação ativa de agentes da sociedade numa espécie de Conselho Consultivo daria nova configuração prática tanto à Agência quanto ao Clube dos Prefeitos ou o modelo que está aí, centralizado pelos prefeitos, aperfeiçoa as improdutividades? Estaria faltando à região algo como uma entidade das entidades econômicas, espécie de fórum que tivesse como agenda prioritária buscar caminhos para o dinamismo econômico? Faltaria um contraponto econômico que sensibilizasse as autoridades públicas? Não seria uma ótima ideia implantar uma Entidade das Entidades para equacionar e atacar as medidas mais prementes?
Fausto Cestari – Não tenho duvidas quanto à importância da comunicação continua do Consórcio com os diversos segmentos da Sociedade, seja na forma de Conselho ou de encontros periódicos. Principalmente na concepção do Plano Diretor Regional e na necessária e continua avaliação. O Consórcio precisa compreender e ser compreendido pela sociedade. Mas para isso acontecer é necessário que a instituição e seus integrantes tenham a humildade característica dos que estão para servir e aprender. Talvez esse seja o principal problema não só da região, mas de todo o País, que retrata o esgotamento de um modelo de fazer politica. Precisamos de mais projetos institucionais e de menos projetos de poder. Visto dessa forma, não vejo necessidade de nenhuma outra organização. Neste modelo organizacional e comportamental, teríamos perfeita harmonia entre sociedade e poderes políticos constituídos, resultando em novos patamares de desenvolvimento econômico e social do Grande ABC.
É possível construir uma Província do Grande ABC diferente da que temos sem contar com os sindicatos de trabalhadores como aliados?
Fausto Cestari –Penso que as organizações sindicais de trabalhadores têm muito a contribuir para um projeto regional. Assistimos a uma importante evolução da maturidade de suas lideranças; entretanto, a excessiva aproximação partidária contaminou as causas mais legitimas do movimento sindical.
A última tentativa institucional de juntar empresários e sindicatos numa ação conjunta para debater o chamado Custo ABC se deu ainda durante a Administração do Maurício Soares, em São Bernardo, antes da virada do século, e não resistiu àquela reunião porque principalmente os representantes sindicais descartaram qualquer possibilidade de reduzir a carga das chamadas conquistas trabalhistas. Quando conseguiremos colocar capital e trabalho nos trilhos do entendimento? Teremos de chegar ao fundo do poço?
Fausto Cestari – Talvez a maior contribuição produzida pelo Fórum da Cidadania tenha sido a aproximação das representações empresarias e de trabalhadores, permitindo à época, o tratamento de alguns temas conflitantes com soluções construídas de forma compartilhada. Pena que não conseguimos dar continuidade. Essas representações (trabalhadores e empresários) precisam ser integradas a um debate estratégico regional, no qual os interesses serão modulados e moderados em função de uma sociedade mais justa e prospera.
Entendemos que o PPE (Programa de Proteção ao Emprego) é instrumento intervencionista estatal que distorce as relações comerciais entre as empresas envolvidas nos negócios. Estamos enganados quando afirmarmos que, na medida em que praticamente somente as grandes empresas, e mesmo assim poucas, como as montadoras de veículos, obtêm vantagens com a iniciativa, mais se manifestam distorções nas relações econômicas entre os agentes empresariais? Traduzindo: uma pequena ou média indústria não fica mais vulnerável à medida que em períodos de crise, como agora, se fragilizam ainda mais nas relações comerciais com as grandes, protegidas pelo Estado num quesito tão valioso como a fluidez de custos com a mão de obra? A inacessibilidade do PPE às pequenas e médias indústrias não é um fosso a impedir o dinamismo das relações entre as empresas?
Fausto Cestari – Não tenho a menor duvida de que são politicas seletivas, construídas pela força da representação das montadoras e estranhamente apoiada pelos sindicatos. Cada emprego gerado na montadora tem o correspondente de quatro empregos na cadeia da indústria de fornecimento. Só por esse motivo a representação dos trabalhadores deveria travar uma forte luta de preservação da cadeia. As pequenas e médias empresas não têm a mínima chance de participar das politicas de preservação do emprego e não há qualquer proposição de medidas para esse importante nível da cadeia automotiva.
O senhor foi uma das lideranças do Reage ABC, que chamamos de Movimento dos 300, de pequenos empresários que, em ação inédita, foram às ruas de Santo André para protestar contra o que está aí. Qual é o balanço que faz do movimento? Teria valido a pena? A situação econômica do País e da região não piorou após aquela manifestação a ponto de justificar uma repetição ainda
mais barulhenta?
Fausto Cestari – A proposta do Movimento Reage ABC foi a de um grito de alerta dos empresários, com a seguinte mensagem: não vamos aguentar. Tentamos dessa forma despertar as instituições regionais que pareciam e continuam adormecidas. A grande surpresa foi a tentativa de rapidamente abafar aquela iniciativa, como se estivéssemos defendendo exclusivamente nossos interesses e a sociedade não estivesse vivendo a mesma realidade. Hoje estamos diante de uma crise sem precedentes e sem perspectivas acometendo o Grande ABC de forma mais profunda que outras regiões e não se vê qualquer iniciativa das instituições para minimizar os problemas ou identificar possíveis soluções. Se em momentos como esse, as instituições não justificam existência, acho que podemos passar muito bem sem elas.
O senhor exerce função importante no conglomerado Fiesp/Ciesp, a qual o coloca em contato permanente com industriais de todo o Estado. A Província do Grande ABC das estatísticas e na realidade prática, de pleno processo de empobrecimento, é diferente do que o senhor vê no Interior? A crise é generalizada no Estado, ou quase generalizada, mas há diferença em relação à região, porque na maioria dos casos é apenas conjuntural, enquanto nosso quadro é estrutural?
Fausto Cestari – O Grande ABC e algumas outras regiões do Estado padecem do mesmo mal: infraestrutura saturada, matriz econômica restrita e perda contínua da atividade industrial. Além disso, somos incapazes de superar nossas dificuldades com a união de esforços. Você vai a Sorocaba e região, Campinas e região, Ribeirão Preto e região, e encontra um modelo de desenvolvimento que em muitos casos foi baseado nas nossas iniciativas, mas que não se perderam pela disputa dos pequenos espaços. Além disto, foram capazes de aproximar os governos do Estado e Federal como parceiros e não como alguém a ser derrotado. Hoje a crise afeta a todos indistintamente, mas a capacidade de superação destas regiões, pela diversificação da matriz econômica é indiscutivelmente maior.
O consultor Cláudio Rubens Pereira, uma das lideranças mais expressivas da história da região, e que não está mais entre nós, fundador e dirigente de uma entidade ligada aos pequenos negócios industriais, alertou no começo dos anos 1990, num artigo escrito para a revista LivreMercado, que a região corria sérios riscos com a chegada do trecho sul do Rodoanel. Compramos aquela advertência e a transformamos num dos pontos sagrados editoriais. Mais de duas décadas depois está comprovado com dados estatísticos que o Rodoanel mais atrapalhou do que ajudou o desenvolvimento econômico da região. Como o senhor analisa essa obra vista por muita gente como a salvação da lavoura da região? O fato de não termos planejado o que fazer com o Rodoanel está na raiz desse problema?
Fausto Cestari – Como você tem uma memoria privilegiada e um arquivo completo, deverá encontrar uma matéria que fiz para a imprensa colocando o mesmo questionamento. Inegável a importância dessa obra para a logística do Brasil e de São Paulo. Entretanto, foi analisada e entendida por nossas lideranças regionais como uma panaceia, cura para todos os males. Não houve nenhum estudo razoável do impacto potencial sobre as atividades econômicas e sociais, e ainda não o temos. Lembro que informação regional foi um dos três pilares motivadores da criação da Agência de Desenvolvimento.
Por que o Ciesp da região não se concentra em apenas uma unidade, de cunho regional, adaptando as diferenças de vetores econômicos a diretorias específicas de forma a uniformizar as ações econômicas, ganhando-se em escala e em racionalidade? Não lhe parece desperdício de tempo e de talentos o distanciamento entre as quatro unidades locais? A costura institucional seria improvável? As peculiaridades geográficas da região, megacidade dividida em sete partes, não incentivaria a medida? A proposta de uma Entidade das Entidades poderia corrigir esse divisionismo territorial, unindo todas as diretorias nesse fórum, independentemente de se manterem unidades autônomas?
Fausto Cestari – Tenho sido um defensor dessa proposta não somente para o ABC, mas também para outras regiões do Estado. O Ciesp tem duplo papel: representar politicamente a atividade industrial em âmbito local e regional e deve fazê-lo (ao meu ver) com atuação cada vez mais próxima dos municípios, enquanto as atividades de prestação de serviço e coordenação devem estar mais concentradas em Macrorregiões, como o Grande ABC por exemplo. Nossa instituição também tem que ser revista, principalmente em função das mudanças que a atividade industrial tem experimentado nos últimos anos, seja pela nova configuração geográfica ou pela dinâmica setorial. Mas, temos uma cultura e uma estrutura de poder que precisam ser rompidas, como tantas outras organizações, o que dificulta e retarda as mudanças necessárias.
Estamos promovendo o que chamamos de contagem regressiva do estoque de empregos com carteira assinada no setor industrial da região, colocando-o em xeque diante da possibilidade de, nos mandatos da presidente Dilma Rousseff, zerarmos os pouco mais de 60 mil postos de trabalho gerados nos dois mandados do presidente Lula da Silva. Faltam pouco menos de 30 mil empregos deixados por Lula e ainda temos mais de dois anos de Dilma Rousseff. O ritmo de demissões aumentou consideravelmente nos últimos meses. Vamos rebaixar o estoque ao nível deixado por Fernando Henrique Cardoso em janeiro de 2003?
Fausto Cestari – Não tenho duvidas de que vamos consumir todo o estoque e ainda entrar no cheque especial. Se considerarmos que só na Mercedes Benz temos 2000 empregos acima do necessário, que não há perspectiva de retomada de crescimento pelos próximos dois anos ou mais, que cada emprego na montadora gera em média 10 outras vagas na economia, esta conta já chega perto de 20.000 vagas. Vamos somar a essa conta o excesso nas demais montadoras regionais. Vamos adicionar o impacto no emprego formal com a reoneração das folhas de pagamento e os custos adicionais ao emprego doméstico. Reproduzo os dados do emprego industrial do CIESP Santo André (inclui Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), publicados recentemente: “O nível de emprego industrial na Diretoria Regional do CIESP em Santo André (região composta por quatro municípios) apresentou resultado negativo no mês de outubro de 2015. A variação ficou em - 3,86%, o que significou uma queda de aproximadamente 2.100 postos de trabalho. No ano, temos um acumulado de -14,71%, representando uma queda de aproximadamente 9.050 postos de trabalho. Nos últimos 12 meses, o acumulado é de -16,54%, representando uma queda de aproximadamente 10.400 postos de trabalho”. Lembro que estamos falando somente da indústria e sem perspectiva de melhora no horizonte pelos próximos 18 meses.
Estamos diante de um momento muito difícil, que requer mobilização de todos na busca de soluções urgentes. Por isso, encerro esta entrevista com um grito de alerta e de providências imediatas -- Reage ABC.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira