Caso Celso Daniel

Veja promete mas não entrega
cadáver da Operação Lava Jato

DANIEL LIMA - 04/04/2016

A revista Veja desta semana forçou demais a barra sobre os escândalos dos petistas.  A reportagem de capa é escandalosamente sensacionalista.  Com o título em letras gigantescas e em vermelho mais que sintomático, Veja vendeu gato por lebre: “O cadáver da Lava-Jato”, seguido de três linhas pretensamente esclarecedoras:” Com as duas prisões da Operação Carbono 14, os investigadores chegam perto de esclarecer o mistério que mais assombra o PT: afinal, quem matou Celso Daniel, o prefeito de Santo André?”. Uma foto do prefeito assassinado em janeiro de 2002 completa a cena da primeira página.

Quem acredita piamente que Celso Daniel foi assassinado por razões anunciadas pelo Ministério Público Estadual provavelmente não conteve o entusiasmo. Quem, como este jornalista, minoria quase solitária, garante que a versão do MPE é uma grande derrapada, dispôs-se a consumir a reportagem com desconfiança.

A revista Veja induziu os leitores a um suposto passo adiante em supostas novas investigações do caso Celso Daniel, agora a cargo da força-tarefa da Lava Jato. Tudo, entretanto, se tornou mal-ajambrado. A reportagem não traz um tiquinho sequer de novidade. Até porque novidade, em se tratando da morte de Celso Daniel, só seria possível se o petista ressuscitasse para refutar tudo o que a Polícia Civil do governo do Estado, tucano, em três investigações, e a Polícia Federal, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em outra, cansaram de afirmar: não houve o chamado crime político aventado pela força-tarefa do Ministério Público Estadual instalada pelo governador Geraldo Alckmin em Santo André. Até porque, se fosse crime de encomenda no sentido político, teria sido crime administrativo.

À procura de cadáver

Para que o entendimento dos leitores seja o mais apropriado possível, reproduzo alguns trechos da reportagem da maior revista semanal do País, sob o título de página interna “Um cadáver na Lava-Jato: 

 Com dinheiro sujo, o PT comprou o silêncio de um empresário que ameaçava dar informações sobre o suposto envolvimento de Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato de Celso Daniel. A Polícia Federal prendeu esse empresário. (...). O assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, ocorrido em janeiro de 2002, nunca deixou de assombrar o PT, fosse na forma de chantagens eleitorais ou de investigações policiais que, até hoje, não esclareceram a morte do prefeito. Assim, a dúvida sobre o envolvimento de petistas no caso paira no ar como uma nuvem de enxofre, capaz de contaminar ainda mais o pântano em que se meteu o partido – escreveu Veja.

Repararam que o tom do texto não segue nem tangencialmente o enunciado da Reportagem de Capa e tampouco o título das páginas internas? Sigamos com a reportagem: 

 Mas o que um homicídio de catorze anos atrás tem a ver com a roubalheira na Petrobras? As conexões são um pouco intrincadas, mas seguindo-se o calendário das investigações, tudo fica mais claro. (...) Daí a suspeita: será mesmo que o silêncio do empresário Ronan Maria Pinto era para não revelar o envolvimento de Lula, José Dirceu ou Gilberto Carvalho? Ou Ronan Maria Pinto estava vendendo seu silêncio sobre as picaretagens que o PT vinha fazendo na Prefeitura de Santo André? As prisões feitas na semana passada pela Lava-Jato deságuam nessa suspeita dramática. Foram presos Ronan, o chantagista, e Silvio Pereira, que foi secretário do PT e, segundo a denúncia original, serviu de portador da chantagem do empresário. Não há um fiapo de prova a sustentar que Lula, José Dirceu ou Gilberto Carvalho tenham qualquer envolvimento no assassinato de Celso Daniel. A suspeita nasceu de um depoimento que, com o passar do tempo e o aprofundar de investigações, acabou ganhando sentido. A família de Celso Daniel sempre afirmou que ele foi vítima de uma trama da qual teriam participado companheiros do partido, então empenhados em ocultar esquemas de corrupção do PT em administrações municipais – continuou a reportagem de Veja.

Falta consistência 

Antes de prosseguir, chamo mais uma vez a atenção para o fato de que o enunciado da Reportagem de Capa não se sustenta. Está naquela publicação que os investigadores chegaram perto de esclarecer o mistério que “mais assombra o PT”. Será que há alguma consistência nesse sentido nos parágrafos seguintes? 

 Obviamente devastada pelo crime, a família pode estar movida pela compreensível emoção de quem quer encontrar uma explicação para o desaparecimento de um ente querido. O fato é que, catorze anos depois do ocorrido, até hoje não se sabe quem matou Celso Daniel nem por quê. São escassas as dúvidas de que Ronan Maria Pinto tinha motivos para chantagear o PT. Pode não ser o assassinato de Celso Daniel, mas há outras razões. Uma delas é que o chantagista participava do esquema que extorquia empresários do transporte coletivo em Santo André, e o dinheiro da extorsão acaba na caixinha do PT. Seria sobre isso que ameaçava abrir o bico? – escreveu Veja.

Respostas estão aqui

A reportagem termina, portanto, sem apresentar qualquer parágrafo, um sequer, que dê sustentação ao título da Reportagem de Capa e também da página interna. Querem saber a razão de tamanha barbeiragem? Simples, muito simples: se os jornalistas de Veja consultassem esta revista digital na Editoria que trata do caso Celso Daniel, teriam todas as dúvidas dirimidas. Não sairiam catando cavaco em busca de explicações e justificativas para criar uma Reportagem de Capa que pode ter passado credibilidade aos leitores cegamente ou não engajados na luta pela queda do reinado petista, mas que não resiste ao escrutínio dos fatos.

O caso Celso Daniel -- repito pela enésima vez e o farei sempre que uma iniciativa rocambolesca volte a ser lançada para tentar cruzar caminhos que não se encontrarão jamais -- está dividido em duas partes.  De um lado temos a morte do prefeito petista; de outro as estripulias administrativas da qual ele participava ativamente porque tudo constava de um projeto de poder que, mais tarde, veio a público com os estouros dos casos do Mensalão e do Petrolão.

Esconder o lado obscuro da Administração Celso Daniel era palavra de ordem do comando do partido logo após o assassinato em janeiro de 2002. Quando observada em retrospectiva, aquele acidente de percurso se mostrava um rombo na retórica petista de gestão limpa, diferente de todas as outras. Aqueles telefonemas grampeados e traduzidos pelos apressadinhos ideológicos como provas do cometimento de um crime de encomenda não passava de uma ação generalizada da cúpula petista, inclusive de petistas de Santo André, para apagar todos os rastros possíveis das operações de financiamento eleitoral longe dos critérios legais.

Rede de pecados

A Reportagem de Capa da revista Veja não causou o menor frisson a este jornalista. Estou escoladíssimo no caso Celso Daniel. Seria algo extraordinariamente inventivo encontrar mesmo a resposta pretendida por aquela publicação fora do fartamente investigado por policiais civis e federais com os quais mantive permanentes entrevistas esclarecedoras e que me levaram a antepor posicionamento à corrente diria quase irresponsável de jornais e revistas em busca de uma explicação mais palatável à sede ideológica, politica e partidária.

O PT tem tantos pecados, cometeu tantos crimes, que a reconfiguração do caso Celso Daniel a bordo da Operação Lava Jato não passa de tentativa farsesca de acrescentar pitadas de maquiavelismo num crime cuja gênese era o estado de penúria em que vivia a Segurança Pública da Região Metropolitana de São Paulo naqueles meses dos anos 2000.

Quem tiver o cuidado de vasculhar os jornais sobre as ocorrências criminais naquele período vai constatar que não foram por acaso que as investigações policiais do governo tucano chegaram à conclusão de que se tratou de crime comum, praticado por sequestradores mequetrefes. As versões alucinadas que se seguiram, com mortes em cadeia, não passam de vocação à fantasia.

Se existe algum cadáver na Operação Lava Jato, como divulgou Veja, o alvo foi completamente distorcido. Quem está mortinho da silva é o modelo de financiamento eleitoral, quem bateu as botas foi o sistema político-partidário e quem estrebuchou foi o jornalismo de ar refrigerado incapaz de ir a campo para ouvir os envolvidos, sem fiar demais em investigações enviesadas do Ministério Público Estadual, alimentadas por um delegado de polícia, no caso Romeu Tuma Júnior, o Tuminha, dolorosamente ressentido com o petismo e por isso mesmo pronto a mandar escrever barbaridades sem nexo num livro em que verdades, meias-verdades e mentiras completam se misturam e descredenciam a narrativa.

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