Administração Pública

Por que Santo André cai tanto
no ranking de saneamento?

DANIEL LIMA - 04/10/2011

Talvez seja simples coincidência, talvez não seja mais que consequência. O fato é que Santo André foi desalojada dos primeiros postos do Campeonato Brasileiro de Saneamento. Desde que botaram na presidência do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) o político peemedebista Ângelo Pavin, em detrimento de gente de carreira, Santo André caiu seguidamente na competição.

Talvez Ângelo Pavin não tenha nada a ver com a situação. Talvez tenha tudo a ver. Como se sabe, o Semasa, autarquia da Prefeitura, tem o formato de caixa-forte, de Casa da Moeda. Mas até nisso anda claudicando, porque vem acusando déficit financeiro pela primeira vez na história.

Para quem já esteve entre as 10 primeiras colocadas (exatamente o oitavo lugar) o Semasa vai de mal a pior, no 18º lugar. Tivesse o Campeonato Brasileiro de Saneamento os mesmos critérios do Campeonato Brasileiro de Futebol, Santo André teria sido rebaixada à Série B.

Afinal, são 81 equipes (ou melhor, Municípios) a constarem da competição dirigida pelo Instituto Trata Brasil. Só integra essa disputa quem conta com pelo menos 300 mil habitantes. São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra estão fora. A Província do Grande ABC conta, além da tecnicamente rebaixada Santo André, com Diadema (33º lugar), São Bernardo (45º) e Mauá (46º).

Os principais critérios para definição do ranking são o Índice de Atendimento Total de Água, que é a divisão da população atendida em relação à população total; o Índice de Atendimento Total de Esgoto, que é a divisão da população atendida pela população total; o Índice de Esgoto Tratado por Água Consumida; Tarifa Média Praticada; Índice Total de Perdas; e Taxa de Investimento. Está aí o buraco sem fundo aonde parece que o Semasa andou se metendo. Justamente o Semasa que dava saltos triplos de eficiência. Mesmo com a traquinagem de protelar o pagamento da matéria-prima fornecida pela Sabesp, a pretexto ou não de que os valores foram inadvertidamente alçados a patamares insuportáveis.

O posicionamento de São Bernardo é tão escandaloso quanto a persistente queda de Santo André. E ajuda a explicar as razões de o prefeito Luiz Marinho, sob o esquadrinhamento estratégico de políticas públicas da ministra Miriam Belchior, ter-se voltado prioritariamente à infraestrutura, numa ação meticulosa que seria o alicerce popular que o remeteria ao marketing de resultados gerenciais rumo ao governo do Estado.

Marinho estaria remando contra a maré de que bom de voto é governo voltado apenas a obras espetacularmente visíveis, muitas das quais inúteis ou pouco úteis?

Marinho não é bobo não. Ele sabe que com oito anos de mandato há tempo para tudo, ou quase tudo. Primeiro, arrumando a cozinha. Depois, iluminando a varanda.

Por isso deve estar apertando a Sabesp, concessionária do sistema de saneamento de São Bernardo. Por mais que faça no social, saneamento é básico, como se sabe.

Convenhamos que, por mais que tenha sido vitima de uma corrente migratória escandalosa, fomentada pelo crescimento industrial, São Bernardo jamais poderia estar em situação classificatória tão deplorável. As sucessivas arrecadações de tributos poderiam ter sido muito melhor aplicadas na redução dos níveis quase degradantes de saneamento básico.

A São Bernardo rica que frequenta os balanços orçamentários esconde a São Bernardo pobre das ruas sem esgoto tratado, sem água tratada.

Menos mal que tanto São Bernardo quanto Diadema melhoraram na temporada de 2009, quando comparada a 2008. Em Diadema, sob o controle da Saned, que agora ganhou a companhia da Sabesp, o 33º foi alcançado depois de amargar o 42º. E a Sabesp, em São Bernardo, avançou do 53º lugar para o 45º. Mauá, como Santo André, caiu no ranking: passou da 41ª posição para a 46ª.

Por mais que São Bernardo seja um escárnio, Santo André é quem intriga. Teria o Semasa esgotado a capacidade de evolução técnica e funcional? Será que as injunções políticas, administrativas e eleitorais enfraquecem de tal forma a estrutura diretiva e o empenho do corpo funcional a ponto de o Semasa ingressar num processo de embicamento inexorável?

Seria o Semasa um avião sem combustível, com a fuzilagem avariada, com os passageiros em pânico, com a cabine de controle a deus-dará?

Teria perdido o Semasa, mais que o voo de melhoria contínua de saneamento, sua missão principal, também o senso de responsabilidade na emissão de autorizações para o uso e ocupação do solo, como se desconfia ao se ver tantas obras da farra imobiliária em localidades mais que consumadas de contaminação ambiental?

Estaria o Semasa marchando para o caos sem que a sociedade se dê conta disso, até porque a sociedade não se dá conta de nada em plena Era da Comunicação Global?

Teria o Semasa se transformado não na Casa da Sogra, mas em algo pior, na Casa da Mãe Joana? Ou a Casa da Mãe Joana não é pior que a Casa da Sogra? É claro que é, porque Casa da Sogra é algo familiar, compartilhado. Casa da Mãe Joana é uma zona total.

Certo mesmo é que as respostas precisam tomar o espaço das dúvidas. O rebaixamento persistente no ranking nacional de saneamento significa comprometimento do futuro.

O Instituto Trata Brasil traça paralelo entre o passado e o futuro desejado. E o que tem desenhado não é nada satisfatório de maneira geral para os grandes municípios brasileiros, onde residem 72,7 milhões de habitantes que consomem em média, individualmente, 150 litros de água por dia. Nada menos que 36% de toda água produzida foram perdidos em vazamentos, falta de medição ou ligações clandestinas. Pior que isso: apenas 39% do volume de água consumida nessas cidades receberam algum tipo de tratamento.

É nesse quadro de horrores que a Província do Grande ABC ocupa posições comprometedoras. E depois surgem os triunfalistas metidos a mocinhos, a bonzinhos, a gente fina, a gente do bem, cantarolando nossas riquezas. O Campeonato Brasileiro de Saneamento dos Grandes Municípios é uma crônica da ineficiência histórica dos poderes públicos no atendimento a questões básicas da cidadania. E a Província do Grande ABC cantada em verso e prosa como expoente nacional não consegue sequer, fossem transformados todos os municípios em endereço único, chegar entre os 30 primeiros. Trinta primeiros de 81 endereços.

Quem tem dúvidas sobre o estágio do saneamento das grandes cidades basta ouvir o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. Vejam o que ele disse:

 A distância entre as melhores cidades e as piores está aumentando. Acompanhamos os esforços das empresas de saneamento e dos gestores municipais, mas os resultados preocupam porque, a se seguir neste ritmo, a universalização do saneamento no País como um todo seguirá sendo um sonho distante. É preciso estimular novas formas de gestão, parcerias entre as empresas públicas, municipais e estaduais, aproveitar o conhecimento das parcerias público-privado em vigor, enfim, temos que usar todas as formas para progredir rapidamente.

Enquanto isso, os jornais se refestelam em anunciar novos e quase inúteis investimentos de aumento da área de atuação regional da Universidade Federal do Grande ABC, essa barriga de aluguel acadêmica que não deixa praticamente nada de produtivo para os 2,6 milhões que aqui habitam. Um conto da Carochinha.



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