Administração Pública

Invasão dos bárbaros aumenta
municifobismo em São Caetano

DANIEL LIMA - 06/07/2016

Não é de hoje que São Caetano enfrenta a invasão dos bárbaros (sem se dar conta de que também exibe legiões de invasores). O então prefeito Luiz Tortorello vociferava contra a população do entorno que procurava maciçamente os endereços de Saúde para se socorrer da pobreza de oferta de municípios abarrotados de problemas e escassos de recursos públicos. Também não é de hoje que na área de criminalidade São Caetano sempre tomou muito cuidado. O problema é que o prefeito Paulo Pinheiro perdeu a mão e o freio verbal, ampliando decibéis de ações então menos ostensivas.

Tanto na saúde quanto na segurança pública o prefeito Paulo Pinheiro quer ver São Caetano virar uma ilha indevassável. Está a praticar o prefeito o que chamaria de municifobismo, neologismo que mistura municipalismo e xenofobismo. Talvez o verbete não tenha a sonoridade desejada, mas acredito que seja capaz de sintetizar o quadro sociológico que abriga.

A encrenca de restringir a presença de estranhos na rede municipal de saúde em São Caetano ainda não virou manchetes dos grandes jornais e telejornais porque há pauteiros descuidados. Mas a morte de um jovem metralhado outro dia por policiais militares e guardas municipais ainda rende cobertura jornalística indigesta. Pior que isso: a Folha de S. Paulo publicou matéria relativamente densa que sugere São Caetano ter-se transformado em área de atuação inspirada nos métodos mais que condenáveis do BOPE.

Salta da Administração Paulo Pinheiro nessa reta de chegada de campanha eleitoral ainda não oficial uma vertente populista, à falta de programa de ação consistente na área econômica, matriz de todas as evoluções desenvolvimentistas.

Marqueteiros em ação

É mais que certo que a gestão de Paulo Pinheiro carrega no coldre de eficiência comunicativa os desejos mais prementes da população de São Caetano – segurança pública e funcionamento de cidadelas de proteção à saúde – exacerbados por marqueteiros loucos para botar fogo na canjica de adesão de eleitores em larga escala indecisos ante a conjuntura nacional em que prevalece o genocídio de partidos políticos.

Paulo Pinheiro dirige uma São Caetano bombardeada por emergências típicas de região metropolitana. A diferença é que por ser uma ilha de prosperidade construída ao longo dos anos, São Caetano supostamente pretenderia também se tornar uma ilha social. Entenda-se ilha social como espaço territorial a salvo de ônus das metrópoles. Nem que, para tanto, pratique o municifobismo.

O gestor público de São Caetano, cuja obrigação é sustentar a qualidade de vida num Município que carrega tradição social que remonta ao século passado de invasão de estrangeiros em larga escala deserdados, não pode se perder nas ondas do mar social revolto. Ao utilizar forças de segurança inclusive inabilitadas, além de despreparadas, para evitar o desembarque de levas de favelados da vizinhança e também para fechar as porteiras aos deserdados do Estado, Paulo Pinheiro corre o risco de o tiro sair pela culatra.

Ou não teria sido bastante desagradável o incidente que culminou na morte de um jovem inocente? Quantas famílias moradoras de São Caetano não se estariam perguntando até que ponto a mobilização pela inviolabilidade territorial não provocaria efeito contrário? Excessos são o contraponto de obsessões que ultrapassam os limites do razoável.

Estrada de mão dupla

Tudo bem que a população ocupe prioridade nos cuidados defensivos, mas a imagem que prevalece é de excessos contraproducentes. São Caetano não pode ganhar e consolidar fama de pretender-se exclusivista numa metrópole repleta de chagas sociais.

Por isso, enquanto não se voltar para valer a iniciativas que possibilitem desenvolvimento econômico menos dependente da General Motor e das autopeças locais, que já não são muitas, a terapêutica de limitações ocupacionais vai parecer em desalinho com esses tempos de intensa interação social e econômico.

O municifobismo de São Caetano pode desaguar numa estrada de bobagens de via dupla. Detentora da maior frota de veículos de passeio no Estado de São Paulo, quando se compara com a população, São Caetano poderia ser vista pela vizinhança como incômodo ambiental.

Ou seja: seria o Município que mais afetaria a qualidade do ar que se respira na Grande São Paulo. Situação que, portanto, permitiria a alguém sugerir até como projeto de lei uma carga adicional reparatória de IPVA aos proprietários de veículos do Município, para o bem geral da população metropolitana.

O leitor acha que isso é uma barbaridade? Também acho, mas segue em linha com as diretrizes depuradoras do prefeito Paulo Pinheiro nos campos da saúde e da criminalidade.

Estabeleci essa comparação porque pretendia chocar a audiência. Mas poderia ir mais longe, sempre seguindo critérios de municifobismos que, em determinadas situações, se transformariam em regiofobismos, uma mistura de regionalismo e xenofobismo.

Já imaginaram os leitores se restaurantes, cinemas, estacionamentos de veículos, teatros e tudo o mais da Capital decidissem mobilizar esforços para fazer uma campanha que restringisse a presença de moradores de São Caetano, enquanto prevalecesse o corredor polonês de uso de equipamentos públicos a usuários da vizinhança mais pobre? Quem considerou a proposição um absurdo está de acordo com este jornalista -- porque tem o mesmo grau de xenofobismo do prefeito Paulo Pinheiro.

Banda larga metropolitana

Reconheço que há banda larga de argumentos favoráveis e contrários às medidas de Paulo Pinheiro. Não é uma equação fácil de resolver, portanto, mas também não pode ser simplesmente reduzida a iniciativas tópicas para embalar uma cidadania municipalista que está a léguas de distância dos preceitos metropolitanos.

Quem ainda não se convenceu de meus argumentos contrários ao municifobismo, imagine o quão seria desastroso se as empresas da Capital e da Província do Grande ABC decidissem fechar as portas a todos os trabalhadores com domicilio em São Caetano.  Um atestado de residência como condição indispensável a ganhar o pão de cada dia fora da fronteira de 15 quilômetros quadrados causaria uma tragédia orçamentária à População Economicamente Ativa local. O PIB (Produto Interno Bruto) desabaria.

Os bárbaros que invadem diariamente São Caetano em busca de alternativas a dramas pessoais e familiares não são diferentes dos bárbaros motorizados de São Caetano que invadem as ruas e os locais de trabalho da Região Metropolitana de São Paulo para darem o sustento a seus familiares. Tudo é, portanto, questão de ponto de vista.

O que falta em meio a esse tiroteio de pontos e contrapontos que está longe de ser semântico é uma agenda metropolitana que, posta à mesa para debates multifacetados, possibilite saída organizada do labirinto de contradições que, vistas apenas pelo simplismo populista, ganham a forma de uma estrada em que somente os bem-aventurados têm espaço.



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