Li outro dia, num pé de página da Folha de S. Paulo, que já está em fase de filmagens uma versão sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel. Separei a notícia, como faço com tudo que acho digno de abordagem. Entretanto, como meu escritório domiciliar está uma bagunça, nocauteado que fui por uma cirurgia na boca, não consegui o resgate que entendia necessário.
Como a base é a informação de que tudo foi inspirado no livro do delegado Romeu Tuminha Júnior, sobre o qual já escrevi nesta revista digital, o melhor a esperar são barbaridades informativas. Tuminha é muito criativo. O caso Celso Daniel é prova disso. Ele é tão imaginativo que se perdeu completamente no emaranhado especulativo, impreciso, contraditório e obcecadamente antipetista. Um livro desdenhado pelas forças-tarefas policiais que atuaram no caso.
A Operação Lava Jato – e o Mensalão -- está aí para provar e comprovar que ninguém mata ninguém por conta de caixa dois, caixa três ou outros caixas.
Também o tempo deixou evidenciado que Celso Daniel, brilho à parte, participava ativamente e para valer dos primórdios do esquema de propina que abastecia os então incipientes caixas de campanha do Partido dos Trabalhadores. Aquelas gravações famosas ganharam rumo interpretativo totalmente equivocado. Confundiram propina com assassinato.
Celso Daniel trabalhava tão intensamente que foi premiado, também por conta do brilhantismo intelectual e de gestor de primeira qualidade, com um dos postos mais importantes à campanha presidencial de Lula da Silva finalmente vitoriosa em 2002. Morreu antes de dar o pontapé inicial.
Barril de pólvora
Como já cansei de escrever, a morte de Celso Daniel foi um acidente de percurso ditado pela então caótica Segurança Pública na Grande São Paulo. Os sequestros infestavam a metrópole. Quem tiver o cuidado de recorrer aos arquivos dos jornais daquele período—os tenho todos na área criminal – vai conferir a realidade dos fatos. Também há disponível o acervo de criminalidade da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. O assassinato de Celso Daniel foi o estopim que levou a uma reviravolta total na politica criminal, então favorável aos Direitos Humanos.
Celso Daniel morreu de morte matada mas não encomendada, conforme resultados de investigações (três) da Polícia Civil de São Paulo e também da Polícia Federal. Entrevistei os delegados envolvidos diretamente nas investigações – além dos promotores criminais, claro. Traduzi tudo em textos inicialmente publicados na revista LivreMercado, os quais estão disponíveis nesta publicação.
O que quero dizer com tudo isso é que não existe a menor possibilidade de Celso Daniel ter sido vítima de crime político, como cansou de dizer o MP de Santo André. Nadinha de nada.
A prisão de Ronan Maria Pinto, dono do Diário do Grande ABC, em primeiro de abril deste ano (ele foi liberado anteontem) também procurou chegar ao assassinato de Celso Daniel, tese defendida à exaustão pelos adversários partidários do PT. Eles deram guarida às bobagens de Tuminha que, como revelou no livro repleto de imprecisões, era o grande fomentador de versões rocambolescas que a força-tarefa do Ministério Público Estadual em Santo André transformava em sentenças definitivas.
É melhor não mexer
O pior dos quadros que poderia ocorrer aos integrantes daquela força-tarefa do MP seria a reabertura das investigações sobre a morte do prefeito. A constatação da verdade que coloca o crime de um lado e as propinas de outro, sem que jamais convergissem a um enredo exclusivo, demarcaria os equívocos fomentados por Tuminha e inadvertidamente alimentados pelos promotores criminais.
Não me imagino a assistir o filme que retrataria de forma mentirosa o assassinato de Celso Daniel. Seria possivelmente uma produção político-partidária para atingir o PT. Longe estou de defender esse partido que acobertou e incentivou a maior de todas as barbaridades já cometidas na história do País – não, não estou falando dos escândalos durante 13 anos, mas da gestão econômica de Dilma Rousseff –, mas como não tenho rabo preso com qualquer agremiação politica e tampouco com fundamentalismo ideológico, provavelmente sofreria muito como jornalista. A verdade seria trucidada sob a orquestração de Tuminha e sua versão incoerente e incongruente da morte do prefeito.
Como, entretanto, me conheço e não fujo da luta – ou seja, pago para ver – tenho certeza de que não resistirei e me transformarei num dos espectadores da filmagem. Sei lá qual vai ser minha reação, mania que tenho de não me calar diante de imprudências. Só me restaria, ante a ausência de estabelecer diálogo com a tela, ruminar as barbaridades levadas ao público e que, sei muito bem, ganharam foro de verdades consolidadas porque decidiu assim o fortíssimo esquema publicitário (publicitário?) que permeou anos e anos de coberturas desequilibradas dos principais jornais e emissoras de TV do País.
Tese furada
Mesmo contra as evidências cada vez mais escandalosas de que ninguém mata a galinha dos ovos de ouro e também de que ninguém supostamente se oporia aos desvios se os desvios eram o combustível de prova de engajamento no projeto de levar Lula da Silva à presidência da República, a maioria da mídia insiste numa tese furada.
Celso Daniel era brilhante, foi o maior prefeito regional que esta Província já contou, faz muita falta para amenizar a mediocridade geral da gestão pública na região, mas estava sim engajadíssimo no esquema de caixa não oficial que o PT inovou em matéria de tradição brasileira ao centralizar grande parte dos valores em compartimento específico, nacional, sistemicamente programado para abastecer as campanhas que viriam.
Qualquer enredo fora desse contexto será empulhação para atingir uma agremiação política que dispensa esse tipo de estocada. Afinal, além das inverdades, o filme é um excesso desnecessário para impactar um partido competentíssimo para cavar a própria sepultura.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP