Contraposto ao que indicou a primeira pesquisa eleitoral em São Bernardo, realizada pelo Ibope Inteligência, o mais recente inventário de intenções do eleitorado de São Caetano, prospectado pelo Instituto Vox Populi, é um mistério que precisa ser desvendado. Vou explicar o que se passa e, também, meter minha colher especulativa. No fundo, são os eleitorados dos dois municípios que devem ser esmiuçados. Seriam esses eleitores inexplicáveis ou reproduzem fielmente as diferenças socioeconômicos entre os dois municípios?
Primeiro, vamos ao que dizem os votos espontâneos em São Bernardo e em São Caetano. Votos espontâneos são aqueles em que os entrevistados respondem na lata em quem pretendem votar nas próximas eleições. Votos espontâneos são votos convictos, concretos, de difícil mudança. Votos espontâneos não usam a muleta de uma cola com os nomes dos concorrentes. São votos que vem à cabeça diante da pergunta do entrevistador.
Em São Bernardo, mais de dois terços (72%) dos eleitores pesquisados pelo Ibope Inteligência não souberam responder em quem votariam para prefeito nas próximas eleições. Na verdade, há uma divisão desse contingente: 51% declararam não saber em quem votar, enquanto 21% afirmaram que pretendem votar em branco ou anular o voto.
Já em São Caetano, entre mortos que disseram que não sabem em quem votar e feridos que estão decididos a votar nulo ou em branco, temos 57% do eleitorado. Desse total, 24% não pretendem votar ou vão votar em branco, enquanto os demais 33% não sabem em quem votar.
Resposta mais provável
Se o leitor prestou atenção aos números, e deve ter prestado porque estou escrevendo de forma didática, qual é a resposta quando se chega ao passo seguinte do comportamento dos eleitores captado pelos entrevistadores do Ibope Inteligência e do Vox Populi? O passo seguinte, no caso, é quando se mostram os cartões com os nomes de todos os prováveis candidatos.
Não vou repetir a pergunta, mas acho melhor os leitores a relerem porque o que vem em seguida não é uma pegadinha, mas algo aparentemente inexplicável. Repito: releiam a pergunta até mesmo para tornar esse texto mais interativo do que pretendo que já seja.
Ora, se em São Caetano há um número menor de eleitores que ainda não se definiram por uma das candidaturas sobre as quais já tem conhecimento, é mais que provável dizer que, quando da apresentação do cartão com a identidade de todos os concorrentes, estabelecendo-se o chamado voto estimulado, o total de eleitores que não sabem em quem votar e que vão anular o voto, ou que não vão votar em qualquer candidato, será menor que em São Bernardo, onde o primeiro bloco, o bloco de candidatos apontados espontaneamente, é bem inferior ao de São Caetano.
Explicação minuciosa
Está complicado entender o enunciado exposto? Vou ser mais simples: se em São Bernardo, diante da alternativa de voto espontâneo, o total de eleitores que não vai votar em nenhum candidato ou que vai anular o voto é bem maior que em São Caetano (72% a 57%), o bom senso diz que, quando se passa para a fase seguinte, do voto estimulado, o contingente de eleitores de São Bernardo que vai seguir mais resiliente a qualquer uma das candidaturas será proporcionalmente maior que os de São Caetano. Certo? Certíssimo? Errado. Erradíssimo.
Em São Bernardo, na segunda rodada da pesquisa, a do voto estimulado, dos 72% dos eleitores ouvidos pelo Ibope Inteligência que se manifestaram com o breque de mão puxado, 29% mantiveram posição de que votarão em branco ou nulo ou seguem a não saber em quem votar -- 22% do primeiro bloco e 7% do segundo.
Em São Caetano, dos 57% do bloco que chamaria de votos sucateados, 45% seguiram entre os optantes pela alternativa de votar em branco ou anular o voto e entre aqueles que não sabem ou não responderam.
Traduzindo tudo isso em forma de estatística, o que tivemos da transposição dos pesquisadores do voto espontâneo para o voto estimulado em São Bernardo e em São Caetano foi uma surpreendente reviravolta. Em São Bernardo, 59,7% do total dos eleitores dispostos a não sufragar nenhum dos candidatos resolveram vestir a camisa de um deles, enquanto em São Caetano, ante a mesma indagação dos entrevistadores, apenas 21,05% dos recalcitrantes cederam à tentação e optaram por um dos concorrentes.
Mesma metodologia
A metodologia específica sobre a aferição de voto espontâneo e voto estimulado é a mesma nos dois institutos. Houve diferença apenas quanto ao período da pesquisa. Em São Caetano os entrevistadores do Vox Populi foram às ruas entre 18 e 20 de junho, enquanto em São Bernardo o Ibope botou o time em campo entre cinco e sete de julho. Quinze dias de diferença que não sustentam o enorme ponto de interrogação proposto como mote desse texto. Os tempos comparativos não têm influência alguma sobre o suposto paradoxo que se estabeleceu. E se alguém considera em contrário, que há influência sim, o caso se tornaria ainda mais intrigante, porque a pesquisa em São Caetano antecedeu a de São Bernardo, situação que poderia reduzir o contingente de votos espontâneos úteis.
Passemos do conceito à prática da pesquisa. Em São Caetano, no voto espontâneo, ou seja, quando o eleitor responde sem a ajuda de material com o nome dos candidatos, o ex-prefeito José Auricchio Júnior registrou 22%, contra 12% do atual prefeito, Paulo Pinheiro. Os demais candidatos (Fábio Palacio, Lúcia Dal’Mas e Márcio Della Bella, entre outros) totalizaram 10%. No voto estimulado, no cenário mais provável de concorrentes, José Auricchio ganhou 10 pontos percentuais e atingiu 32%, contra 13% de Paulo Pinheiro, que, portanto, subiu apenas um ponto percentual. Os demais candidatos nem cresceram nem caíram -- mantiveram os 10% dos eleitores pesquisados.
Agora, vou especular sobre o que poderia ter ocorrido entre o voto espontâneo e o voto estimulado em São Caetano. Primeiro, o crescimento de José Auricchio Júnior e o resultado praticamente congelado de Paulo Pinheiro indicam que o tucano ex-prefeito teria maior poder de sensibilização do eleitorado.
Entretanto, como o nível do degelo de eleitores céticos ou em dúvida se manteve às alturas, provavelmente à espera de elementos que os coloquem em posição definidora em favor de um dos candidatos, talvez a próxima rodada do Vox Populi possa capturar eventuais mudanças ou, o que o mais provável, confirmar a tendência inicial.
Em princípio, José Auricchio Júnior levaria vantagem pela simples razão de que avançou 45% entre os eleitores que na pesquisa espontânea disseram que votariam em branco, anulariam o voto ou então não sabiam em quem votar.
Explicando São Bernardo
Como se explica, então, o contraponto de São Bernardo? Ali, com o desaquecimento do ceticismo e da desesperança dos eleitores que se manifestarem no chamado voto espontâneo, os dois principais concorrentes, Alex Manente e Orlando Morando deram saltos significativos?
Orlando Morando teve 10% dos eleitores na rodada de votos espontâneos e subiu para 30% com o cartão de voto estimulado. Alex Manente saiu de 9% para 33% na mesma situação. Ou seja: cresceram três vezes mais de uma etapa para outra. Muito, mas muito acima de José Auricchio Júnior, em São Caetano. É claro que José Auricchio não poderia dar salto tão grande, porque obteve 22% na rodada espontânea, mas os 50% não foram tão significativamente fortes.
Quem acha que encerrei essa especulação eleitoral não sabe do que sou capaz. Acredito que os cenários são contrastantes na modalidade de voto estimulado em São Bernardo e em São Caetano porque a morfologia politico-institucional faz a diferença.
São Caetano é um Município bastante pequeno em relação a São Bernardo. Menor em tamanho físico e em população. E também muito diferente no aspecto sociológico. São Caetano é terra de imigrantes. São Bernardo de migrantes. O eleitorado de São Caetano é conservador, no bom sentido do conceito. O eleitorado de São Bernardo é menos conservador, também no bom sentido do conceito. Na verdade, está mais para rebelde, também no bom sentido do conceito, por causa da atuação sindical.
Culturalmente, o eleitorado de São Caetano é mais preparado e conta com maior conhecimento geral do que o de São Bernardo. O nível socioeducacional diz muito. Há relativamente mais famílias de classe média e de classe rica em São Caetano do que em São Bernardo. São Bernardo, portanto, é mais popular, proletária.
Com tudo isso e muito mais, é natural que o eleitorado de São Caetano seja mais receptivo a apontar o candidato preferido quando o entrevistador se apresenta. E que, exatamente por todas as condições sociais, econômicas, culturais e educacionais que distingue o Município, mantenha grau ainda forte de dúvida sobre o que vai fazer quando se lhe apresentam o voto estimulado. Sem contar que estão na disputa o atual prefeito e o prefeito que durante oito anos dirigiu o Município.
Já em São Bernardo, dois dos três principais concorrentes são conhecidos do eleitorado, mas não tanto quanto ex-prefeitos. Os eleitores não contam com nível de pré-conhecimento dos candidatos como em São Caetano porque há interferência dos vetores sociais, econômicos e educacionais mais harmoniosos em São Caetano. A desigualdade de renda em São Bernardo é muito mais expressiva que em São Caetano.
Mais conhecimento
Traduzindo tudo isso de forma simples e objetiva: o eleitorado de São Caetano sabe em maior grau o que se passa na política local em contraponto ao eleitorado de São Bernardo porque há variado leque de interferências sociológicas, entre as quais a própria dinâmica político-eleitoral.
O eleitorado de São Caetano queima etapa no reconhecimento de seus agentes políticos porque o corpo a corpo é mais intenso no cotidiano da vida de uma cidade menor. A massificação da informação é mais rápida e assimilável em São Caetano quando contraposta a São Bernardo. As redes sociais são mais maciças e interativas do que em São Bernardo.
Quinze quilômetros quadrados de área contra quase 200 quilômetro também fazem uma senhora diferença sociocultural. Quando se misturam todos os fatores, então, as discrepâncias se acentuam. Não é porque estão fisicamente próximos que os dois municípios tenham mais semelhanças que diferenças. São mundos à parte, embora respirem os mesmos ares de regionalidade restritiva.
Por fim, perguntariam os leitores, por que então na segunda rodada, a rodada do voto estimulado, São Bernardo derreteu mais facilmente as barreiras de votos desperdiçados, de votos sucateados? Porque o nível de convicção de um eleitorado maciçamente à deriva na rodada de voto espontâneo é muito menor que o de um eleitorado, como o de São Caetano, claramente mais consolidado na rodada inicial. Dessa forma, parte dos votos estimulados em São Bernardo deriva ao território da especulação e pode se alterar com mais intensidade ao longo da disputa do que os votos estimulados e mais cuidadosos em São Caetano.
O voto em São Caetano, aparentemente é mais crítico, mais pensado. O voto de São Bernardo é mais emocional. Até porque, convenhamos, São Caetano não tem o PT a permear o jogo de votos com o enviesamento ideológico de São Bernardo. Aliás, é por isso que o PT não prospera em São Caetano, onde o jogo politico é jogado com outras peças de uma sociedade menos antagonizada por forças internas de capital e trabalho.
Acho que valeu a pena ter especulado tanto sobre o abismo supostamente inexplicável envolvendo os eleitores pesquisados nos dois municípios. Pretender semelhanças entre cidadelas tão opostas seria mesmo simplificar demais esse mundo por si só bastante complexo do universo eleitoral.
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01/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (20)