Não virou manchete de primeira página, quando deveria virar manchetíssima de primeira página (ou seja, manchete das manchetes). E também não virou manchete de página interna. Está na edição do Diário do Grande ABC de ontem, domingo. Deu-se prioridade quase monopolista a uma primeira página em torno da passagem da tocha olímpica pelas ruas de São Caetano, Santo André e São Bernardo, atribuindo-se ao que chamaria de demagogia esportiva federal peso histórico que não se sustenta. Coisa típica da Província do Grande ABC.
Apenas alguns jornais do Interior do País deram ao longo do trajeto da tocha olímpico o destaque editorial e uma cobertura tão fartamente cansativa quanto o Diário do Grande ABC. Exceções à regra dos veículos de comunicação menos alienados à conjuntura econômica e política.
Dessa forma, o que era muito mais relevante – o destempero verbal do prefeito petista de São Bernardo direcionado ao governo tucano do Estado – ganhou espaço minúsculo de manchetizizizizizinha no pé da primeira página e uma reportagem interna. Mas, com uma ressalva importante e que agrava o caso: nem na manchetizizizizizinha no pé da primeira página nem na reportagem interna a incontinência verbal de Luiz Marinho virou assunto principal.
Dificuldade de avaliação
Não gostaria de abordar a notícia que coloca Luiz Marinho e Geraldo Alckmin em cantos diferentes sob o aspecto jornalístico da cobertura do Diário do Grande ABC. Prometi a mim mesmo que evitaria voltar a atuar como ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região. Cansei de chover no molhado. Mas se inicio esse texto fugindo ao combinado comigo mesmo é porque é impossível analisar o que disse o prefeito de São Bernardo sem contextualizar com o que foi publicado no jornal.
O que quero deixar claro, bem claro, aliás, é que não ouso, em função da reportagem publicada, meter definitivamente o bedelho em forma de juízo de valor incondicional sobre quem tem e quem não tem razão diante de um fato claríssimo: a maior obra pública realizada na região nos últimos anos – o estratégico piscinão na área em que funcionava o estacionamento do Paço Municipal de São Bernardo – ainda não está conclusa.
A reportagem publicada e tudo que saiu antes não me permitem sustentar categoricamente que o prefeito petista ou o governador tucano tem razão. Talvez até nenhum dele esteja garantido. O que sei é que quem capitalizaria muito prestígio com a obra seria a gestão de Luiz Marinho.
Aliás, e nesse ponto a reportagem do Diário do Grande ABC foi oportuna, o então secretário de Serviços Urbanos e hoje candidatíssimo do PT à sucessão de Luiz Marinho, Tarcísio Secoli, comandou pessoalmente o turismo eleitoral ao levar moradores de São Bernardo a acompanhar as obras, hoje ao que parece totalmente paralisadas.
Não se tem notícia de que algum integrante da Administração de Luiz Marinho tenha convocado a Imprensa para constatar o que restou das fábricas que abandonaram São Bernardo nos últimos anos, somente nos últimos anos. Esse tipo de turismo pós-industrial que leva ao pós-nada ou ao pós-templos religiosos, pós-bingos, pós-motéis e tantos outros pós ainda menos enriquecedores, esse tipo de turismo não interessa à gestão do petista. Como não interessa a qualquer gestor público. E tampouco à maioria da mídia, que trata a desindustrialização topicamente, como se não fosse metástase de uma crônica doença da baixa competitividade regional. Mas esse desvio de rota temática não interessa agora, exceto como fonte de sarcasmo jornalístico.
“Tratante” era essencial
Voltemos ao que me trouxe até aqui. Não entendi a razão de o Diário do Grande ABC não ter alçado a deselegância verbal do prefeito de São Bernardo à manchetíssima da primeira página, agregando às informações maior densidade interpretativa. Aliás, agregando densidade interpretativa baseada em informações sólidas. Mais que isso: ao utilizar a reportagem no topo da página de Política, o Diário do Grande ABC preferiu a manchete “Marinho admite que não entregará piscinão do Paço até o fim do ano” em vez de algo mais ou menos nestes termos: “Marinho chama governador de tratante ao admitir que piscinão não ficará pronto”.
Sugiro aos leitores que acompanhem o trecho da reportagem em que o petista chega à contundente desqualificação do governador do Estado:
(...) Marinho atribuiu nova transferência da data de entrega ao governador Geraldo Alckmin (PSDB). Citou que o atraso será na parte de acabamento do projeto: “Tem uma coisa que nós não vamos terminar de fazer na obra do piscinão do Centro”. Não conseguiremos cobrir o piscinão neste ano. Sabem por que? Porque o governador Alckmin, que se comprometeu comigo, e olhando nos meus olhos, disse que eu poderia cobrar: “Vou liberar R$ 50 milhões, sendo R$ 25 milhões em 2015 e outros R$ 25 milhões em 2016”. Sabe quanto ele liberou? Nada. E esse valor é exatamente o que precisamos para cobrir o piscinão. (O governador Alkmin) é um tratante, atacou Marinho.
Palavra do governador
Há série de vácuos informativos e interpretativos na reportagem do Diário do Grande ABC, embora o texto conte com dados agregados acima da média da publicação. O piscinão do Centro de São Bernardo é assunto que não se esgota nas declarações de Luiz Marinho, feitas para agradar ao público que compareceu na noite de quinta-feira na Associação dos Funcionários Públicos, durante evento promocional da campanha eleitoral de Tarcísio Secoli.
O outro lado foi ouvido, como não poderia deixar de ser. Vejam o que disse o governador tucano:
Por nota, o governo Alckmin rebateu as críticas do prefeito petista, considerando “improcedentes” as afirmações. “O convênio e o pagamento não foram efetuados em 2015 devido a impedimentos legais da Prefeitura junto ao Cadin (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais). As obras e o planejamento financeiro para execução são de responsabilidade da Prefeitura. Uma terceira observação é a de que a celebração de convênios está vedada desde 2 de julho, como estabelecido pela Lei Eleitoral”.
Essência e contundência
Para matar a cobra e mostrar o pau, se a avaliação que faço dos dois trechos da reportagem do Diário do Grande ABC não estiver incorreta (e se estiver a culpa não é minha, porque essa é a leitura de qualquer leitor mais atento), a notícia teria de contar com a seguinte manchete de página interna: “Governador desmente Marinho após ser chamado de tratante”. Simples, não? Por que essa versão? Porque os assessores do governador expediram uma nota que deixa evidenciado que essa seria a realidade dos fatos. Mais: a gestão Marinho teria sido vetada de receber dinheiro do governo do Estado ao cumprimento do cronograma do piscinão porque se encontrava na condição de devedora no Cadin, espécie de Serasa de gestores públicos.
Para completar o ressuscitamento do ombudsman que pretendo manter distante dessa revista digital, o que mais salta aos olhos na notícia é o tratamento agressivo do prefeito petista ao governador do Estado.
Longe estou de avocar aos jornalistas exclusivismo no uso de adjetivos supostamente indelicados. Nós temos a prerrogativa de utilizar linguagem específica para levar informações e opiniões aos leitores, algo que nem sempre o Judiciário entende, embora integrantes do Supremo Tribunal Federal a defendam quase que unanimemente. Entretanto, o relacionamento de um agente público com qualquer instância de Poder não pode descer ao convés da indelicadeza. Nesse caso, o juízo de valor sobre o atraso do cronograma das obras do piscinão fica para segundo plano. Mas nem por isso menos importante a esclarecimentos.
Como na edição de hoje, segunda-feira, o Diário do Grande ABC não voltou ao assunto que deveria ser a manchetíssima de domingo, é mais provável que a maior obra pública da região permaneça num vácuo informativo doloroso. Jornalismo apenas repassador de informações de terceiros é tão transformador quanto uma sala de aula entregue aos programas de tecnocratas da Educação.
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