Política

Desencanto do eleitorado torna
voto estimulado mais vulnerável

DANIEL LIMA - 04/08/2016

Fiquei impressionado com o volume de votos ainda sucateados em São Paulo, os quais são semelhantes relativamente aos de São Bernardo. Como pode existir tamanha proximidade se a Capital conta com meios de comunicação de massa, enquanto em São Bernardo (e na Província do Grande ABC como um todo) vivemos nas trevas? Como o eleitorado de São Paulo, que conta com alternativas de gente mais famosa, comporta-se como São Bernardo, cujos maiores destaques, Orlando Morando e Alex Manente, estão longe da massificação de um Celso Russomanno, de uma Marta Suplicy, de um Fernando Haddad? 

Antes de tudo, vou explicar o significado de voto sucateado, porque o eleitorado só conhece voto válido, voto nulo e voto em branco, além de absenteísmo, ou seja, do voto que não aparece nas urnas porque o eleitor não  comparece à zona eleitoral.

Já escrevi sobre voto sucateado outro dia. Quando escrevo “ainda sucateados”, como o fiz acima, quero dizer que os votos sucateados nesta etapa das eleições municipais são votos sujeitos a ganharem vida nas urnas eletrônicas. Parte dos votos sucateados pode e deve ganhar vida, em forma de direcionamento a um dos candidatos. Votos sucateados sem o “ainda” são votos sucateados definitivos, pós-eleições. São votos definitivamente em branco, nulos ou de eleitores ausentes.

Resultados intrigantes

Explicada a terminologia que criei para me referir a eleitores que não sabem em quem votar, vão votar em branco ou vão anular o voto (isso na fase de pesquisas pré-eleitorais), fiquei encafifado com os resultados da última sondagem em São Paulo, publicados pelos jornais em 30 de julho, conforme dados do Ibope Inteligência.

Votos sucateados quando antecedidos do “ainda”, como expliquei, são provisórios e aferidos no período de preparação eleitoral. Eles são resultado de entrevistas a que respondem os eleitores aos pesquisadores credenciados.

Indagados sobre em quem pretendem votar nas próximas eleições e sem contar com qualquer aparato auxiliar (voto espontâneo) nada menos que 70% dos paulistanos transformaram as respostas em votos sucateados. Quando, ante a pergunta seguinte, os eleitores contaram com a ajuda de material de apoio (o chamado voto estimulado), o contingente de votos sucateados caiu para 22%. Ou seja: 68% deixaram a condição de céticos, revoltados, indiferentes ou seja lá o que for e enveredaram pelo caminho do voto potencialmente válido.

Em São Bernardo, numa pesquisa feita três semanas antes da de São Paulo pelo mesmo instituto de pesquisa, 72% dos entrevistados optaram pelo bloco dos votos sucateados – não sabiam em quem votar, votariam em branco ou anulariam o voto. Quando levados à etapa seguinte, do cartão indutivo de voto estimulado, 59,7% decidiram escolher um dos concorrentes ao Paço Municipal.

Desafio aos marqueteiros

Os marqueteiros da Capital e de São Bernardo (e provavelmente de outros municípios da região, menos de forma tão intensa de São Caetano, como já mostramos em outro texto) devem estar a queimar as pestanas em busca de saídas para reduzir o grau de vulnerabilidade dos votos estimulados. Sim, voto estimulado, em proporções não dimensionadas, significa voto sujeito a chuvas de mudanças de destinatário e tempestades de se transformar  em voto sucateado na urna eletrônica.

Tanto isso é verdade que, quando se somam todos os quesitos de votos sucateados confirmados nas urnas, a média regional e praticamente nacional chega próxima a 30% do conjunto de eleitores inscritos. No caso, somam-se também os numerosos eleitores que não comparecem às urnas.

A fase decisiva de novas revelações da Operação Lava Jato, que deverá abarcar delações premiadas da Odebrecht e da OAS, com impactos considerados bombásticos, poderá afetar ainda mais o potencial de consolidação de votos sucateados nas urnas de outubro.

A credibilidade da classe política está ao rés do chão. Há desânimo generalizado a impactar mais o PT, evidentemente, mas também bagunça a vida das demais agremiações. A leitura do eleitorado sobre o escândalo da Petrobras é de que não há virgem na zona de meretrício, embora não faltem especialistas ideologicamente contaminados a propagar que o ambiente comportava apenas gigolôs, cafetinas e prostitutas avermelhados.

A turma dos avermelhados vai pagar muito mais caro pelas estripulias desnudadas pela força tarefa da Operação Lava Jato, mas a distribuição de bordoadas de decepção do eleitorado aos demais partidos vai ser democraticamente ampla, embora menos intensa.

Quem vence na periferia?

Esse é, portanto, o ponto mais intrigante das eleições de outubro. Ou seja: até que ponto o PT será mais castigado pelo conjunto dos eleitores, mas mais particularmente por determinados estratos do eleitorado. O certo é que será e bastante, mas há nuances que devem ser levadas em conta nas projeções eleitorais. As classes socioeconômicas de um País tão desigual metabolizam de formas distintas situações em que a racionalidade tem a companhia da passionalidade, como é o caso da política.

Até que ponto o voto da periferia maciçamente petista nas últimas eleições  municipais nas regiões metropolitanas, e menos intenso nas disputas presidenciais quando os efeitos do Petrolão já se manifestavam, vão passar por processo de desidratação? E, em havendo esse processo, quem se beneficiará da drenagem petista?

Os votos "ainda sucateados" em São Paulo são um alerta aos candidatos às prefeituras da região. Se na Capital tão bem coberta pela mídia eletrônica, principalmente, há tanta gente que ainda não se definiu ou não pretende se definir sobre os concorrentes em outubro, o que imaginar nesta Província?

É nesse ponto que em algumas situações o PT pode ganhar sobrevida eleitoral surpreendente.

Casos de Santo André e de Mauá, mais especificamente, já que em São Bernardo as perspectivas são desoladoras porque Luiz Marinho não pode concorrer e Tarcísio Secoli está asfixiado pelos escândalos petistas e, principalmente, pela maior densidade dos dois jovens adversários.

Tanto Carlos Grana, em Santo André, como Donisete Braga, em Mauá, têm o comando dos respectivos paços municipais. A máquina pública numa disputa de escassez financeira provocada pela proibição de financiamento empresarial num ambiente de degola geral pode integrar um pacote de relevâncias influenciadoras na definição do voto votado, no voto da urna, não necessariamente no voto de pesquisas, no voto preliminarmente sucateado.

Municipal versus nacional

Para se sustentarem nos cargos, Carlos Grana e Donisete Braga vão precisar municipalizar a disputa eleitoral. Não será fácil. O ambiente político e social nacionalizado  jamais se revelou tão assanhado. Os discursos oposicionistas indicam a estratégia de federalização como fase pré-operatória de desmonte final da imagem do petismo.

Sabe-se que Grana e Donisete Braga vão atuar intensamente em busca de votos nos dois dias da semana em que os eleitores descansam. Sábado e domingo são importantíssimos às ações de catequese municipalista. Afinal, nada menos que 50% da População Economicamente Ativa de Santo André (e um pouco mais de Mauá) trabalham fora de seu território e estão, por isso mesmo, fragilizadas ante eventual massa de informações sobre o desempenho dos prefeitos.

É uma situação incômoda eleitoralmente quando se sabe que a grande maioria dos ocupados não faz outra coisa na vida senão correr de casa para o trabalho e do trabalho para casa de segunda a sexta-feira, com tempinho apenas para as edições de telejornais nacionalizadores da temática política e econômica.



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