Política

Grana precisa levar espírito de
cobrador ao Clube dos Prefeitos

DANIEL LIMA - 09/08/2016

O prefeito de Santo André, Carlos Grana, não precisa esperar eventual segundo mandato a partir de janeiro do ano que vem para provar que quer mesmo acabar com a farra dos devedores de impostos municipais em Santo André. Como um dos sete integrantes do Clube dos Prefeitos, Grana poderia atuar com vigor ao encaminhamento de uma medida moralmente indescartável e que exigiria acompanhamento unânime do colegiado: que as administrações públicas municipais da região, independentemente de quem sejam os próximos titulares dos paços municipais, debatam com brevidade e aprovem sem vacilo uma legislação que dificulte sobremaneira a vida dos devedores contumazes.

As declarações de Carlos Grana na semana passada, durante convenção partidária que referendou candidatura à reeleição, não podem cair no vazio da indiferença e tampouco servir de peça eleitoral para ludibriar a boa-fé dos que o exaltaram.

É preciso que o prefeito de Santo André tome a iniciativa de pressionar pela criação de espécie de cadastro público regional dos grandes devedores dos municípios. Só assim, aquelas declarações ganharão a legitimidade ética que se exige de um administrador público que, confessadamente, durante o evento, declarou: “Nesse mandato, fui Graninha paz e amor, mas no próximo serei mais cobrador, mais guerreiro e (por isso) vão ter de pagar” -- disse, ao referir-se aos grandes devedores.

Devedores específicos?

O discurso de Carlos Grana foi tão contundente que, inclusive, pareceu até mesmo direcionado a devedores específicos. É preciso, portanto, levar aquelas declarações à materialidade legal, sob pena de que tudo não passaria de jogada puramente eleitoral.

Carlos Grana disse enfaticamente: “Os trabalhadores e a população mais humilde pagam seus impostos”. E completou: “Tem empresário que prefere sonegar impostos para investir em fazendas de gado no Mato Grosso e bancar festas no Litoral, enquanto a população aguarda por mais investimentos, mas, para isso, a Prefeitura precisa de recursos”.

O prefeito de Santo André mandou claramente recado aos milionários da região com propriedades imobiliárias e negócios em Santo André. Tanto que ao se referir à festa no Litoral, fontes próximas do prefeito afirmam que ele colocou na alça de mira o empresário do mercado imobiliário Milton Bigucci. Há um ano uma fonte da Prefeitura informou – e a matéria foi publicada no Diário do Grande ABC e nesta revista digital – que o conglomerado de Milton Bigucci devia mais de R$ 6 milhões em impostos vencidos havia muitos anos. Enquanto isso, o empresário acabara de comprar um terreno estratégico na rota do monotrilho de São Bernardo por mais de R$ 30 milhões.

Uma dívida bem calculada, porque, noves fora, o emaranhado legal favorece os devedores contumazes. Devedores contumazes preferem postergar o pagamento de tributos municipais e investir em ativos imobiliários e financeiros porque sabem que mais dia, menos dia, será lançada uma campanha oficial de descontos especiais para quitação das obrigações.

Segundo uma fonte da Prefeitura de Santo André, o empresário Milton Bigucci quitou a dívida com a Administração Carlos Grana pouco tempo após a revelação de que constava da lista dos grandes devedores do Município. Seria Bigucci o empresário “de festas no Litoral”, sabendo-se como se sabe que o ex-presidente do Clube dos Construtores reúne-se num condomínio de luxo do Jardim Acapulco, no Guarujá, com gente graúda de setores importantes da vida regional, inclusive da esfera policial e da administração publica?

O empresário que faz do Mato Grosso extensão de riqueza pessoal seria, segundo as mesmas fontes, um herdeiro do setor de ensino técnico.

Listão regional

Uma lista regional de devedores contumazes de tributos municipais seria uma decisão histórica dos atuais prefeitos, mesmo que supostamente a iniciativa venha a ser usufruída por adversários que concorrem aos respectivos paços municipais. O Clube dos Prefeitos finalmente ganharia uma cara de regionalidade num quesito importantíssimo à transparência da cadeia de receitas pendentes das municipalidades.

O desabado do prefeito de Santo André, insisto, não pode cair no esquecimento e tampouco pode ser analisado com estreiteza ideológica, partidária ou administrativa.

É preciso separar em pelo menos três compartimentos os inadimplentes do setor público, especificamente no âmbito de tributos municipais. Há devedores contumazes, há devedores circunstanciais e há devedores estruturais. Distingui-los é o que se espera dos gerenciadores públicos a fim de se evitarem constrangimentos.

Tipificando os devedores

Inadimplente circunstancial é o contribuinte que tropeça em situações econômicas e financeiras ditadas pela volubilidade macroeconômica de um País onde o dia de amanhã sempre pode ser uma aventura indecifrável, mas que aos primeiros sinais de reação do conjunto que rege a economia acaba por se recuperar. Esse tipo de devedor é facilmente identificado. Geralmente, no caso do IPTU, não conta com outra propriedade.

Inadimplente estrutural é o contribuinte que tropeça sistematicamente nos descontroles próprios, atingidos diretamente ou não pelos solavancos da economia, e já não consegue aprumar o passo.

Inadimplente contumaz, como já antecipei alguns conceitos, é o contribuinte que tem por vocação utilizar-se de vantagens comparativas ao transformar em jogo de xadrez as obrigações fiscais que regem o mundo das finanças, e, por isso, mune-se de estratagemas que direcionam o resgate de obrigações ao balanço mais conveniente da rentabilidade do capital, em detrimento de recursos que poderiam beneficiar a sociedade.

A iniciativa do prefeito de Santo André é um fato tão diferente de tudo que se ouve dos administradores públicos em geral que, por isso mesmo, chegou às raias do inacreditável. Sobretudo porque foi uma confissão pública de que, durante quatro anos na Prefeitura de Santo André, Grana se cristalizou equidistante da efetividade orçamentária que se espera de um administrador eleito pela população. Seguiu seus antecessores e o padrão dos administradores públicos em geral.

Retirando-se o viés partidário da declaração – ele se referiu apenas a trabalhadores e à população humilde – porque transmitiu a ideia que o restante dos contribuintes tem paixão pela procrastinação ou pelo esquecimento das obrigações fiscais com o Município, Carlos Grana sinalizou algo que deve ser levado ao Clube dos Prefeitos, independente de quem ocupe os paços municipais no ano que vem.

Como regionalizar?

Será que o prefeito de Santo André nestas horas em que gestores públicos municipais estão a catar lata em busca desesperada por recursos financeiros que teimam em murchar, vai convencer os demais titulares dos paços municipais a recomendar aos próximos mandatários, sejam eles quem forem, uma inédita intervenção para disciplinar, uniformizar e dar ampla transparência ao que chamaria de Listão dos Inadimplentes Contumazes?

Um dos graves deslizes da Administração de Carlos Grana foi acreditar que poderia governar com os chamados conservadores de Santo André, aliando-se a gente pouco produtiva.

Grana foi presa fácil de uma elite econômico- financeira escassa na contrapartida de eficiência organizacional e de comprometimento com um futuro que exorcize o “viveiro industrial” que já se foi e não voltará jamais.

Grana desdenhou de aliados que poderiam traçar um horizonte factível, sem fanfarronices verbais que deram com os burros nágua.

Por isso, começar a bater na elite de inadimplentes contumazes é um bom começo de fim de mandato. E, se as urnas deixarem, será um bom começo de um novo mandato.



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