Administração Pública

Ajuda federal para
engordar a receita

WALTER VENTURINI - 05/04/2004

A Prefeitura de São Bernardo prepara na área financeira verdadeira receita de como tirar leite de pedra. Em outras palavras, procura aumentar a receita para fazer frente às demandas sociais num cenário de queda persistente de arrecadação. Uma das formas de cumprir essa missão quase impossível é com modernização da máquina pública, implementada desde o ano passado com recursos do Pnafm (Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros).


O responsável pela tarefa é um especialista no assunto, o secretário de Finanças, Marcos Cintra, comandante da reestruturação administrativa que envolve compra de equipamentos de informática, treinamentos de funcionários e inovações na forma de conseguir mais dinheiro em tempos de crise. Uma das saídas é a venda de títulos públicos no mercado para reforçar o orçamento municipal.


A desindustrialização que assombrou o Grande ABC tornou inevitável a perda de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), por isso a alternativa é buscar outras formas de obter receita. Com essa análise, o secretário Marcos Cintra iniciou há seis meses um processo de lubrificação da máquina de arrecadação do Município.


Uma importante ferramenta para viabilizar as mudanças é o Pnafm, projeto coordenado pelo Ministério da Fazenda com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) repassados aos municípios através da Caixa Econômica Federal. São Bernardo recebeu R$ 11 milhões. A contrapartida da Prefeitura é de R$ 2 milhões e o pagamento do empréstimo será feito em 10 anos, com dois anos de carência e juros de 7% ao ano.


“É muito pouco frente às necessidades. O Pnafm está sendo instrumento importante, mas é apenas um pedaço. Nossa filosofia é que o contribuinte tem que ser tratado como um cliente ou mesmo como o patrão de todos os funcionários públicos. O relacionamento com o contribuinte tem de mudar. O arrecadador de impostos não pode ser mais um carrasco” -- defende Marcos Cintra, que além de secretário de Finanças em São Bernardo é vice-presidente e professor-titular da FGV (Fundação Getúlio Vargas).


Imposto único


Entre outras elaborações na área tributária, Cintra é defensor da tese do imposto único federal, mas sabe que nos limites das finanças municipais é preciso mesmo otimizar recursos e ampliar a base de arrecadação. Com a modernização dos serviços, a meta é racionalizar procedimentos e atender bem o munícipe, além de ter maior controle sobre o orçamento, projetado para este ano em R$ 1,272 bilhão. A reformulação se fez necessária numa cidade que deixa de recolher cerca de 40% do IPTU, por exemplo, e que líder em ICMS, após a Capital, desceu para o quinto lugar no Estado.


São Bernardo já teve no passado um setor de informática modelar e chegou até mesmo a prestar serviços externos. O problema é que a tecnologia da informação se caracteriza por rápidas transformações e avanços e as administrações públicas não conseguem acompanhar as mudanças em igual ritmo. “Ao mesmo tempo, o setor público brasileiro perde capacidade de investir” -- lembra Marcos Cintra. 


Os recursos do Pnafm permitiram dar início a um treinamento intenso do funcionalismo e à renovação de parte do parque de hardware. Foi realizado também ajuste dos sistemas gerenciais, com a migração de grandes computadores, os chamados mainframes, para a plataforma mais amigável e integrada dos microcomputadores.


O investimento permitirá que a partir de julho próximo esteja em funcionamento o portal de atendimento da Prefeitura de São Bernardo na Internet não só para pagamentos de tributos, mas também para que o contribuinte tenha informações sobre sua situação fiscal e até mesmo dialogue com os auditores da administração. Até agora, o morador contava com o Poupatempo para levantar dados e saldar dívidas junto à Prefeitura. Marcos Cintra destaca que a própria estrutura do Poupatempo exigiu esforço de modernização na rede de informática da administração.


Tecnologia na licitação


A modernização permitirá também que ainda este ano São Bernardo faça licitações via Internet. Compras de menor valor já estão sendo feitas e permitiram economia de 27% em relação a procedimentos anteriores. “O Pnafm está sendo instrumento importante e suscita um debate intenso em toda a Prefeitura, para que seja feito um diagnóstico. Estamos integrando áreas como compras, contabilidade, orçamento e tesouraria, sempre fazendo uma relação com o contribuinte” -- destaca o secretário, que reestrutura a ordem fiscal do Município para fazer frente às perdas de arrecadação.


Nos últimos sete anos, de acordo com dados do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), São Bernardo perdeu R$ 134,7 milhões de ICMS. No ano passado arrecadou R$ 281,5 milhões, já deduzido o repasse do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) ao governo federal. O ISS (Imposto Sobre Serviços) não evoluiu entre 2002 e 2003, quando ficou em R$ 123,9 milhões Para este ano, Marcos Cintra prevê redução da arrecadação real do ISS em função da saída de empresas após o estabelecimento na legislação federal de alíquota mínima em 2%.


“A desindustrialização é um processo natural porque a homogeneização do espaço econômico é um fenômeno mundial. São Bernardo não pode continuar achando que vai continuar tendo grandes transferências de ICMS. Por isso temos de fortalecer o tributo próprio” -- afirma Marcos Cintra, que sempre combateu o aumento da carga tributária no País. O que o secretário de Finanças propõe é maior controle da arrecadação, com cadastros renovados e unificados em um único banco de dados, além do uso do geoprocessamento para atualizar impostos como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que no ano passado rendeu R$ 110,1 milhões aos cofres municipais.


Inadimplência elevada


A arrecadação de tributos próprios em São Bernardo, entre 1996 e 2002, registrou crescimento real de 34,2% pelos levantamentos do IEME. Mas o que o secretário pretende agora é otimizar o recolhimento de impostos sem aumentar a carga tributária. Marcos Cintra tem claro que num município que arrecada apenas 60% do IPTU que lança existem contribuintes com dificuldades de saldar compromissos. “Os primeiros impactos vão aparecer a partir da metade do ano, a partir dos efeitos do portal e do recadastramento. Mas a grande mudança é interna, na cabeça das pessoas. A máquina pública de São Bernardo já passou pela mudança de paradigma. Hoje, qualquer funcionário da área da receita já entende as mudanças” -- garante.


Outra forma de otimizar a receita do Município é o lançamento de títulos públicos no mercado financeiro. Um seria o Cepac (Certificado de Potencial de Construção), proposta do então vereador Marcos Cintra em São Paulo aprovada pela Câmara paulistana em 1995. “Quando a Prefeitura investe em uma região, há valorização da área e o adensamento. O que temos de fazer é delimitar zonas de influência dos investimentos e estabelecer limites de construção. Além desse limite, tem de pagar. Vamos fazer o leilão antecipado de um título que será usado para compra de construções além dos limites originais. O futuro dos municípios está nesse tipo de instrumento” -- explica o secretário, que já iniciou estudos para implantação do Cepac em São Bernardo. A fórmula já empregada pela prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, para reforçar o orçamento.


Preparação do Cepac


A Prefeitura poderá vender Certificados de Potencial de Construção em leilões públicos para áreas sujeitas a operações de reurbanização ou cujo zoneamento tenha sido alterado. Marcos Cintra vê duas vantagens no Cepac: a transferência para a coletividade de parte dos benefícios e lucros gerados por investimentos públicos, que historicamente são totalmente absorvidos por grupos, além da geração de recursos para o financiamento não-tributário dos gastos públicos, ou seja, dinheiro a curto prazo.


Na mesma linha de ampliar a receita sem aumentar a carga tributária, São Bernardo também pretende implantar o que se chama de securitização de recebíveis, outro título a ser negociado no mercado que lastreará o recebimento da dívida. Em outras palavras, o investidor compra um título que corresponde àquilo que efetivamente a Prefeitura sabe que poderá receber em impostos. “São Bernardo tem um estoque de R$ 650 milhões de dívida ativa. Boa parte desse valor não vamos nunca receber. Suponhamos que vamos conseguir reaver metade do valor. Então criamos um título lastreado no recebível, que será vendido no mercado. É uma forma de se investir dinheiro e fazer com que a Prefeitura antecipe recursos” -- explica o secretário, para quem instrumentos como Cepac e securitização dos recebíveis são a grande novidade na área das finanças municipais.


Controle online


Também Diadema e Ribeirão Pires tiveram acesso a recursos do Pnafm. A Prefeitura de Diadema encontrou dificuldades no início. “Nosso problema era o nível de endividamento da cidade, que em 2001 chegou a R$ 330 milhões, o que impedia obter financiamentos. Hoje temos apenas problemas com precatórios. Quando ficamos com o nome limpo, fomos buscar o financiamento e o Pnafm surtiu efeito muito positivo” -- conta o secretário de Finanças, Sergio Trani.


Diadema começou a receber R$ 11,4 milhões a partir do ano passado e sua contrapartida é de R$ 7,2 milhões. Os recursos permitiram adquirir equipamentos de informática, treinamento de funcionários e compra de software. Os resultados começam a aparecer. Mesmo antes da chegada dos recursos do Pnafm, a Prefeitura investiu em maior controle das finanças e aumentou a arrecadação do IPTU de R$ 25,7 milhões em 2001 para R$ 38,8 milhões em 2003. O mesmo trabalho de informatização está sendo aplicado no ISS e a expectativa é de que a arrecadação desse tributo passe de R$ 17,8 milhões em 2003 para R$ 23 milhões este ano.


Programa de modernização


Mauá enfrentou dificuldade semelhante à de Diadema no pedido de R$ 8 milhões junto ao Pnafm, mas teve que desistir por causa da dívida de R$ 300 milhões que mantém com a União. Mesmo assim, a Prefeitura iniciou em 2002 programa de modernização da gestão tributária do ISS. Entre as iniciativas implementadas pela secretária de Finanças, Valdirene Tardin, estão a locação de software de gestão, impressão das notas fiscais com código de barra para as empresas, recadastramento das pessoas jurídicas e criação da Central ISSQN, para agilizar o atendimento ao contribuinte. O resultado foi um salto na arrecadação do imposto: de R$ 500 mil mensais em janeiro de 2003, o ISS recolheu R$ 1,4 milhão em janeiro de 2004.


Utilizar recursos próprios também foi a opção da Prefeitura de São Caetano, que no ano passado criou o Graal (Gerenciamento Reunido de Análises e Aplicativos Logísticos), um pólo centralizador de informações interligando todos os departamentos municipais. Santo André optou por utilizar financiamento do Pmat (Programa de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos), outro projeto federal voltado à modernização da máquina pública.


Com R$ 5,3 milhões repassados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a Prefeitura conseguiu parte dos recursos necessários para implantação da Praça de Atendimento, Banco de Dados e reformulação do controle do ISS. “Tínhamos vários cadastros que foram transformados em um único, implantado em fevereiro” -- explica o secretário de Finanças, Antônio Carlos Granado, que a partir deste mês espera obter os primeiros resultados do controle de ISS.


Ribeirão Pires pioneira


Ribeirão Pires vive a condição de primeiro Município paulista e quinto no Brasil a receber recursos do Pnafm. O contrato para liberação de R$ 2,42 milhões foi assinado em agosto. “Quando foi aprovado, o projeto já estava fora da realidade, por isso pedimos revisão para obter mais R$ 1,23 milhão” -- informa a coordenadora-geral do projeto na Prefeitura, Adelaide Maria Bezerra Maia de Moraes.


A contrapartida da Prefeitura será em tono de R$ 700 mil, investidos principalmente na capacitação do funcionalismo e na compra de equipamentos. Ribeirão Pires já está instalando rede de cabos de fibra ótica que integrará todas as unidades da administração.


Para o segundo semestre, fica a expectativa de que os primeiros resultados apareçam, um dos quais a tramitação mais rápida de processos de dívida ativa e execuções. “Hoje demoramos em média oito meses para saber se uma dívida foi paga. Com a modernização, esperamos que esse prazo seja reduzido para quatro dias úteis” -- planeja Adelaide Moraes.


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André