Entrevista Especial

Gestão tem que
mirar metas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/06/2004

O arranjo metropolitano exercitado em instâncias como Câmara Regional e Consórcio de Prefeitos embute aspectos positivos como participação social e negociação de conflitos, mas a ausência de um modelo pragmático de gestão por projetos e contratos compromete os resultados. Além disso, é preciso ênfase em pautas relacionadas à competitividade sistêmica da região, como Rodoanel, Ferroanel e integração com o Porto de Santos, e cobrar mais aprofundamento estratégico do governo do Estado, que tem se mantido na superfície de questões essenciais para a retomada do desenvolvimento econômico sustentável.


As observações são de um dos maiores especialistas em competitividade regional e metropolização, Jeroen Klink, secretário de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional de Santo André, professor de mestrado do Imes (Centro Universitário de São Caetano) e autor do livro A Cidade-Região — Regionalismo e Reestruturação do Grande ABC Paulista, além de membro do Instituto de Estudos Metropolitanos.


É com base em experiências internacionais em países como Índia e Alemanha e em muitos estudos sobre gestão metropolitana e regionalidade que o holandês naturalizado brasileiro sugere aperfeiçoamentos ao modelo criado no Grande ABC. No Brasil os desafios da governança supra-municipal são mais resistentes porque a metropolização implantada pelo regime militar passou ao largo da participação de atores sociais locais — uma das condições básicas de sucesso. 


Além disso, o ambiente de autonomia e autosuficiência que os municípios passaram a gozar graças à Constituição de 1988 foi danoso às aspirações metropolitanas, que pressupõem a capacidade de cidades vizinhas abrirem mão de paradigmas individuais em troca de estratégias conjuntas que ultrapassem jurisdições municipais. Essa é uma das conclusões do estudo Recent Perspectives on Metropolitan Organization, Functions and Governance (Perspectivas Recentes sobre Organização Metropolitana, Funções e Governança) que Jeroen Klink produziu a pedido do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). 


No estudo, que servirá como texto introdutório de livro com artigos setoriais que o banco está prestes a lançar, Jeroen esclarece o conceito nem sempre cristalino de região metropolitana, discorre sobre o novo papel das metrópoles em tempos de competição sem fronteiras, transita sobre experiências internacionais e explica o que torna essas regiões mais coesas e eficientes. Também aponta as contingências históricas, políticas e institucionais que explicam por que o Grande ABC em particular e o Brasil em geral estão tão distantes do figurino ideal para o baile da globalização. 


A preocupação com o futuro das cidades e regiões metropolitanas é tamanha que acaba de ser criada organização mundial batizada de CGLU — Cidades e Governos Locais Unidos, que tem São Paulo na presidência e Santo André na suplência.


Como se caracteriza uma região metropolitana?


Jeroen Klink -- Não é fácil definir claramente o significado de regiões ou áreas metropolitanas, mas um denominador comum no esforço de capturar a essência do conceito está no fato corriqueiro de as grandes cidades centrais transbordarem além dos limites oficiais, a ponto de comporem sistemas complexos com cidades vizinhas que são parte da aglomeração. Por isso o conceito de região metropolitana também pode ser traduzido pela expressão cidade-região, que denota a formação de um território único que agrega vários municípios a partir do transbordamento de uma cidade-mãe. 

Regiões metropolitanas são caracterizadas pela presença de intensa interdependência entre os municípios envolvidos, que normalmente guardam características comuns e que conferem uma identidade coletiva nos âmbitos político, histórico e socioeconômico.


Qual a importância do debate sobre regiões metropolitanas?


Jeroen Klink -- No mundo inteiro regiões metropolitanas encarnam novo papel como plataformas de competitividade regional. No passado a competição estava restrita ao universo corporativo. De uns anos para cá, a competição se dá entre empresas e também entre territórios, entre regiões. Para ser eficiente, uma empresa não depende apenas das decisões tomadas do portão para dentro, mas de todo um conjunto de fatores de competitividade disponíveis na região em que está instalada. No mundo dos negócios tornou-se praticamente impossível ser feliz — ou competitivo — sozinho, parodiando uma conhecida canção brasileira. Sabe-se, por exemplo, que a existência de uma intensa complementaridade na cadeia produtiva em uma determinada região favorece e muito a competitividade das empresas. Isso porque a proximidade física pode alavancar vantagens que vão da redução de custos com transporte à formação de um ambiente de aprendizado mútuo e de constante inovação, de acordo com autores como Michael Porter, idealizador do conceito de clusters produtivos, como também são conhecidas as aglomerações sinérgicas de empresas complementares.


Quer dizer que assim como empresas de determinada região, municípios vizinhos também podem se tornar mais competitivos ao atuar em conjunto?


Jeroen Klink -- A gestão metropolitana está para os campos administrativo e institucional das cidades assim como as estratégias de fusão e aquisição estão para os conglomerados multinacionais. Cidades vizinhas com características comuns podem se unir para conjugar estratégias desenvolvimentistas, gerir serviços que ultrapassam jurisdições municipais, como transporte e abastecimento de água, além de atacar com mais força o desemprego, a insegurança pública, a falta de qualidade de vida e outras chagas que maculam os grandes centros urbanos.


Mas para que a gestão metropolitana entre na pauta e seja bem-sucedida, é imprescindível que haja mobilização dos atores socioeconômicos no contexto do fenômeno conhecido como novo regionalismo: em vez de testemunhar passivamente as forças macro e microeconômicas ativadas pela globalização, representantes de empresas, trabalhadores, universidades e a sociedade organizada como um todo unem-se para pressionar pela adoção de estratégias metropolitanas que contemplem a competitividade regional. Como alguns estudiosos já observaram, o novo papel das regiões metropolitanas evolui paralelamente às alterações gerais na macro e na microeconomia que ocorreram na Europa e nos Estados Unidos desde a década de 70, e na América Latina desde meados dos anos 80. A gestão metropolitana é subproduto do recrudescimento da competitividade internacional no bojo da globalização.


Qual o retrato da metropolização e da gestão metropolitana na América Latina?


Jeroen Klink -- O rápido crescimento das metrópoles latino-americanas durante o século XX ocorreu ao mesmo tempo em que vigorava um cenário institucional e socioeconômico caracterizado por um sistema de poder autoritário combinado com estratégias autárquicas de desenvolvimento baseadas em rígidos regimes de proteção e substituição de importações. A industrialização e o desenvolvimento foram implementados de cima para baixo, com pouquíssima ou nenhuma participação dos atores socioeconômicos regionais. Dada a escassez de recursos humanos e financeiros disponíveis à época, o desenvolvimento industrial foi espacialmente concentrado em poucos centros urbanos, que se transformaram rapidamente em regiões metropolitanas. Essas regiões foram dramaticamente afetadas pela globalização econômica a partir dos anos 80 com o drástico enxugamento de postos de trabalho após décadas de enclausuramento comercial. Os resultados mais visíveis são o desemprego, a deterioração da qualidade de vida e do meio ambiente, além da polarização social.


As poucas estruturas de gestão metropolitana existentes encontram-se muito mal preparadas para dar conta dos desafios. Foram implementadas por governos autoritários e prescindiram da participação e do envolvimento dos atores socioeconômicos regionais. Portanto, essas estruturas não podem ser consideradas suficientemente maduras para a árdua tarefa de construir regiões metropolitanas que sejam competitivas, sob a ótica dos negócios, e nas quais se possa viver com qualidade. 


Onde estão as melhores referências internacionais em gestão metropolitana?


Jeroen Klink -- Um estudo feito pela OCDE, organização que congrega os maiores países industrializados, concluiu que — em caráter global — as instituições metropolitanas estão mal preparadas para os desafios impostos pela gestão supra-territorial. Significa que há muito a avançar e que não há modelos prontos e acabados que podem ser replicados globalmente, porque a gestão metropolitana depende de características históricas e culturais inerentes a cada território. 

No entanto, na Europa a gestão metropolitana avançou mais significativamente graças à implementação de estruturas participativas pelas quais os atores socioeconômicos interagem efetivamente, deixando para trás a noção obsoleta segundo a qual a gestão metropolitana está relacionada apenas aos governos. Há bons exemplos de instituições voltadas à competitividade sistêmica dos territórios metropolitanos na Grande Londres, na França e no norte de Milão, onde uma agência apoiada pela Comunidade Econômica Européia e com ampla participação da sociedade local pôs em marcha uma série de estratégias de reconversão para superar perdas industriais decorrentes da globalização.


E no Brasil, como se deu a trajetória da metropolização e como estamos em termos de gestão metropolitana?


Jeroen Klink -- As primeiras iniciativas brasileiras em estruturação metropolitana datam do início da década de 60, como um seminário sobre o tema organizado pelo Instituto dos Arquitetos em 1963, além de experimentos realizados por alguns Estados. Mas foi em 1967, durante o regime militar, que o tema da metropolização foi incorporado na Constituição Federal e mantido por meio de emenda constitucional. Em 1973 as regiões metropolitanas foram formalizadas por meio de lei federal. 

À moda latino-americana a estruturação no Brasil foi estabelecida de maneira muito centralizada e autoritária. Praticamente inexistia o conceito de envolvimento e participação dos atores socioeconômicos locais e os experimentos estaduais que vinham sendo realizados foram bruscamente interrompidos. Para ilustrar, vale dizer que os conselhos metropolitanos criados à época eram dominados por representantes do governo do Estado e indicados pelo governo federal.


Outra falha grave é que não havia a flexibilidade necessária em se tratando de regiões tão diferentes. É preciso reconhecer, entretanto, que o governo federal mobilizou um fluxo de recursos financeiros significativo para os setores habitacional e de desenvolvimento urbano das regiões metropolitanas, através de agências tecnocráticas de planejamento e bancos de desenvolvimento.


Mas os anos 80 testemunharam a deterioração gradual da estrutura metropolitana focada em habitação e desenvolvimento urbano. Por um lado, o modelo nacional desenvolvimentista baseado na proteção do mercado nacional e substituição de importações começou a emitir sinais de fadiga, levando à estagnação macroeconômica e a taxas desapontadoras de crescimento econômico. Como resultado, a pressão fiscal sobre o governo aumentou e a capacidade de repasse de recursos para as regiões metropolitanas diminuiu.


Além disso, e sob os impactos da onda de redemocratização e descentralização acelerada após 1985, a natureza fechada e ineficiente do modelo de planejamento metropolitano imposto de cima para baixo foi severamente questionada por movimentos sociais e governantes locais. Esses novos atores jogaram um papel importante no estabelecimento de uma agenda para a assembléia constitucional de 1988. 

A Constituição de 1988 assinalou duas mudanças importantes relacionadas à organização das regiões metropolitanas. Marcou a retração definitiva do governo federal nessa matéria e delegou responsabilidade pelo desenho do formato das regiões metropolitanas para o nível estadual. Mas conforme mostrado por Sérgio Azevedo no livro Trajetória e Dilemas da Gestão Metropolitana no Brasil, os avanços legislativos sobre governança metropolitana têm sido bastante modestos. Enquanto Estados como Acre, Roraima, Tocantins, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nem chegam a citar o tema do governo metropolitano em suas constituições, outros simplesmente repetem as cláusulas da Constituição Federal.


Já que o tema metropolitano desceu da esfera federal para os governos estaduais, uma descentralização em tese benéfica, porque não foram registrados avanços significativos?


Jeroen Klink -- A febre pela redemocratização e autonomia dos municípios dominou a agenda política e os assuntos metropolitanos foram esquecidos. Movimentos sociais e governantes locais empunharam a bandeira dos governos municipais poderosos e autônomos, empurrando o tema da governança metropolitana para a penumbra. Como foi bem descrito por estudiosos como Sérgio Azevedo e Fernando Abrucio, o resultado líquido dessa transição tem sido o desenvolvimento de um sistema federal com governos locais relativamente independentes e fragmentados, nos quais pouco se constrói em termos de mecanismos para a cooperação intermunicipal ou intergovernamental. Na realidade, a natureza compartimentada e competitiva da Federação brasileira implica pouca construção de mecanismos para o compartilhamento de tomada de decisões, ao contrário de modelos mais cooperativos como os da Alemanha e da Austrália.


E qual o resultado dessa Federação compartimentada?


Jeroen Klink -- Essa natureza fragmentada das relações intergovernamentais implica em dificuldades para a construção do que tem sido descrito como redes de cooperação horizontal e vertical, que são os objetivos da governança metropolitana. A rede horizontal é marcada pela relação de cooperação entre municípios envolvidos em problemas comuns, enquanto rede vertical representa a relação dos municípios com entes federativos superiores, como os Estados e a União.


E mais: a rápida abertura da economia brasileira, combinada com a inexistência de políticas compensatórias nas áreas tecnológica, industrial e regional por parte do governo federal, fez desabrochar um comportamento canibalesco entre Estados e municípios no âmbito da guerra fiscal. Ou, usando a terminologia de José Luís Fiori, um dos maiores experts no assunto, a natureza competitiva das relações intergovernamentais brasileiras estimulou um federalismo de mercadores, em que cada um puxa a sardinha para a própria brasa. 

 

Teoricamente, uma das principais justificativas para a criação de uma instância metropolitana é a possibilidade de reivindicar, junto a esferas governamentais superiores como Estado e União, condições de tratamento mais favoráveis que, da forma convencional, isolada, dificilmente seriam alcançadas pelos municípios individualmente. Não lhe parece que o arranjo institucional do Grande ABC em torno de organismos como Câmara Regional e Consórcio de Prefeitos peca por focalizar acordos que correspondem ao varejo de pouca relevância institucional, sem reivindicar condições que fortaleçam de fato o âmago da competitividade sistêmica? Afinal, liberações esporádicas de verbas estaduais ou federais para hospitais e habitações correspondem a uma prática rotineira no regime federalista marcado pela co-participação dos entes governamentais. A sociedade regional não deveria exigir muito mais?


Jeroen Klink -- Você tem toda razão quando cita a necessidade de haver um salto de qualidade, que é realmente necessário. Precisam ser pautados com bastante ênfase, por exemplo, os investimentos em macro-infra-estrutura como o Ferroanel, o Rodoanel, a competitividade do Porto de Santos, além da integração com a zona leste de São Paulo, que são fundamentais para a chamada competitividade sistêmica.


Outro ponto a ser ressaltado é que o governo do Estado está muito longe de participar como deveria das questões metropolitanas, além de não ter avançado na regulamentação da matéria, como demonstram as experiências pouco evoluídas de Campinas e da Baixada Santista. O governo estadual deveria trabalhar com projetos metropolitanos que envolvessem o Grande ABC, a Capital e o Porto de Santos em uma dimensão mais abrangente de competitividade e desenvolvimento sustentado, já que a experiência nacional e internacional mostra que os portos mais competitivos são os que interagem com as regiões do entorno, a chamada interlândia.


Em recente entrevista durante colóquio internacional realizado em São Paulo, o vice-prefeito de Paris, Jean-Pierre Caffet, falou sobre as dificuldades de implantação do modelo de governança metropolitana na França e sugeriu que é melhor começar a gestão metropolitana de maneira informal, projeto por projeto, do que criar logo de início uma instituição. Trata-se de abordagem pragmática pela qual os municípios envolvidos se cotizam para dar conta de um projeto específico por vez, com início, meio e fim bem delineados, sem pretensões de agarrar um mundo teórico de propostas que não cabem entre os braços. Concorda com essa abordagem?


Jeroen Klink -- Concordo com a visão de que pretender, a toque de caixa, rapidinho, um quarto poder dentro do pacto federativo do Brasil, seria o mesmo que acreditar em um fetiche institucional, uma solução milagrosa. Por outro lado, acredito que com base nas articulações informais, pragmáticas, que andam à margem do pacto federativo, é possível alcançar resultados. No mundo civilizado, é cada vez mais comum a gestão do tipo contrato por contrato, no qual se trabalha projeto por projeto, o que representa um salto de qualidade em relação aos modelos que temos no Grande ABC.


Nosso sistema é muito interessante no sentido da participação e da negociação de conflitos. O que nos falta é padrão de financiamento, falta amarrar melhor as metas, os objetivos, atividades, cronogramas, responsabilidades e orçamentos, ou seja, falta implantar uma gestão de projetos por contratos. Com contratos, é possível amarrar melhor a relação dos municípios com o Estado e a União, o que representa uma evolução em relação ao modelo que temos hoje, marcado pela ausência de um padrão de recursos financeiros.


Aliás, são os chamados pactos territoriais que viraram casos bem-sucedidos de gerenciamento territorial na Europa. Regiões italianas como Sesto San Giovani, Milão e Bolonha encamparam projetos gerenciados por atores locais com participação do governo nacional e da Comissão Européia, nos quais as tarefas de cada parte envolvida são muito bem definidas. Para o Grande ABC essas experiências podem servir de exemplo. É preciso transformar a relativa participação social em responsabilidade conjunta com recursos, cronogramas e metas.


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