Administração Pública

Santo André
no eixo global

ANDRE MARCEL DE LIMA - 13/07/2004

Enquanto a Capital paulista fervilhava no mês passado com a Urbis e a Unctad, Santo André também marcava presença no calendário internacional com promoção de debate acalorado sobre complementação produtiva entre países do Mercosul no âmbito da Rede Mercocidades. 

O saldo do evento sediado na Rhodia pode ser sintetizado em duas constatações tão conflitantes quanto verdadeiras: mais de uma década após o lançamento, o Mercosul não passa de um arremedo da integração necessária para vencer os desafios da exclusão social num mundo cada vez mais esquadrinhado em blocos geográficos e comerciais. 

A outra evidência: sem a consolidação de relações produtivas que ultrapassem os interesses comerciais de curta duração, os principais centros urbanos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai dificilmente deixarão a condição periférica na órbita de players mundiais mais robustos e desenvolvidos. 

A complementação produtiva é um conceito sofisticado e de viabilidade reconhecidamente complexa. Trata-se basicamente de estimular a mercosulização de cadeias industriais para que empregos, renda e impostos inerentes a cada etapa fiquem enraizados nos países, numa espécie de contra-ofensiva à globalização ceifadora de milhares de empregos na América Latina durante os anos 90. 

Arrumação espacial

Além disso, a idéia de complementação produtiva pressupõe a reorganização espacial de cadeias completas, com a transferência de determinadas etapas de um país para outro de acordo com a lógica da competitividade regional, bem como o desenvolvimento de tecnologias locais com vistas ao desejado reequilíbrio de forças entre os países subdesenvolvidos do sul e os desenvolvidos do hemisfério norte. “Os institutos de tecnologia podem atuar em conjunto no desenvolvimento de tecnologias mercosulinas” — sugeriu Michel Alabi, representante da Câmara de Comércio Brasil-Árabe. 

O amálgama da desejada revolução subcontinental seria o forte sentimento de coletividade entre os povos da região. “O conceito chave do trabalho é a identidade regional, os valores comuns e o sentido de pertencer à mesma comunidade” — idealizou Marcela Petrantonio, representante da Universidade de Mar del Plata. 

Quase impossível

São muitos os entraves de ordem prática. A começar pelo fato observado por Gustavo Bittencourt, professor da Universidade da República do Uruguai, de as principais cadeias produtivas serem dominadas por gigantes multinacionais majoritariamente alheias às comunidades nas quais estão inseridas e marcadas por baixo grau de repasse de tecnologias a fornecedores de pequeno e médio portes. 

Um caso clássico não citado pelo expositor é o da mortalidade ou aquisição em massa pelo capital internacional de pequenas e médias autopeças familiares do Grande ABC, que não suportaram o assédio de competidores transnacionais após a abertura das fronteiras no panorama do global-sourcing (suprimento global). A complementação produtiva entre montadoras e sistemistas globais trouxe mais danos do que frutos socioeconômicos à região, porque foi seguida de compactação radical, responsável em grande medida pelo saldo negativo superior a 100 mil empregos industriais só na última década. 

A lacuna tecnológica é outro calcanhar-de-aquiles na efetivação do plano idealizado pelos agentes reunidos no auditório da Rhodia. Como foi brilhantemente observado pelo brasilianista norte-americano Marshall Eakin em recente entrevista à Folha de São Paulo, a industrialização do Brasil não foi acompanhada pela evolução tecnológica que marcou a adaptação gradual das sociedades dos países desenvolvidos. O mercado brasileiro fechado congelou o instinto de inovação, que foi rompido a fórceps — e por agentes externos — pela tardia abertura econômica do final de século. 

Dois setores fortes

A análise cai como luva aos vizinhos do Brasil igualmente afetados por décadas de enclausuramento e ganha contornos concretos na constatação de Michel Alabi, representante da Câmara Brasil-Árabe. “A força dos países do Mercosul perante o mundo está concentrada no agronegócio e na pecuária. O grande desafio é estimular exportações de produtos de maior valor agregado” — recomendou. 

O professor uruguaio Gustavo Bittencourt ofereceu argumento contrário para atestar a capacidade de empresas genuinamente mercosulinas de disputar mercados altamente sofisticados em pé de igualdade com concorrentes internacionais. “As universidades uruguaias são muito fortes no setor farmacêutico. Por isso temos empresas nacionais que vendem medicamentos a preços muito mais baixos que os fabricados por conglomerados multinacionais” — afirmou Bittencourt. 

Ele deixou claro, entretanto, que o desejado entrosamento industrial intra-continental está em fase anterior à intra-uterina. “Na política industrial brasileira simplesmente não consta a palavra Mercosul” — observou. 

Vista sob perspectiva histórica, a complementação de cadeias industriais entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai torna-se ainda mais desafiadora, já que nem o estágio inicial da boa vizinhança comercial foi executado a contento. “O que se observa na experiência de 13 anos desde que o Mercosul foi lançado é um ideal de cooperação que não se completa. Medidas governamentais tomadas unilateralmente e sem consulta aos demais países atrapalham demais o processo de integração” — ressaltou Jefferson José da Conceição, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas), ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Sopro de esperança

Entre as medidas unilaterais, Jefferson cita a adoção do câmbio flutuante pelo governo brasileiro em janeiro de 1999 e o regime automotivo argentino desfavorável ao Brasil. Ele considera que a leva de governantes das últimas eleições presidenciais de Brasil, Argentina e Paraguai representou novo sopro de esperança aos ideais integracionistas, mas ainda é necessário converter idéias em realidade. “A retórica dos governos mudou nitidamente com uma espécie de relançamento do Mercosul, mas por enquanto não saímos disso — da retórica —, com poucos avanços concretos em termos de constituição efetiva de um novo estágio” — observa.

Sobre a conceituação da professora argentina Marcela Petrantonio, de que o desenvolvimento conjunto precisa contar com plataforma de valores comuns e senso de pertencimento a uma comunidade continental, Jefferson Conceição é agudamente realista. “O Mercosul não faz parte do cotidiano dos povos dos países envolvidos, especialmente no caso brasileiro. Foi uma integração marcadamente de caráter comercial e conduzida em grande parte por empresas multinacionais” — sustentou.

A Rede Mercocidades (ou Mercociudades) envolve universidades, sindicatos, associações empresariais e cidades brasileiras, argentinas, uruguaias, paraguaias, colombianas e chilenas. A unidade Desenvolvimento Econômico Local coordenada por Santo André promoveu a discussão e o lançamento da segunda edição da revista Diálogo Econômico Local, com mais de 50 páginas dedicadas ao assunto.

Condomínios e convenções

Posteriormente ao evento, Santo André anunciou duas iniciativas que podem contribuir concretamente para gerar empregos e recursos: o lançamento de um condomínio industrial com oito módulos de mil metros quadrados, com conclusão prevista para nove meses, e a intenção de transformar a Garagem Municipal em um centro para feiras e convenções. Os dois projetos na Avenida dos Estados — coluna vertebral do Eixo Tamanduatehy — ainda dependem do interesse de investidores para se tornarem realidade num futuro próximo. 



Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André