Caso Celso Daniel

Polícia Civil e MP
no mesmo barco?

DANIEL LIMA - 05/09/2005

O que será das investigações finalmente conjuntas da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado de São Paulo sobre o caso Celso Daniel? Ouso, sem que possa parecer aos leitores mais afoitos insanidade analítica, porque nesse assunto mergulhei de corpo e alma desde a notícia do sequestro, ouso, dizia, antecipar o seguinte:


a) O empresário Sérgio Gomes da Silva, de fato irmão do prefeito Celso Daniel, porque os demais eram apenas biologicamente e de fachada, será declarado inocente, contrariando, assim, toda a pouco cautelosa tendência da mídia que, induzida por meias verdades e descrente das investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal, não ponderou que ele, Sérgio Gomes, também pudesse ser vítima dos sequestradores. 


b) Ficará provado que a sabedoria constitucional, que determina ao Ministério Público função compartilhada de investigações criminal, auxiliando a polícia, deveria ter sido aplicada desde o início do caso. Investigações em separado colocaram numa primeira etapa o conhecimento técnico e a experiência prática de décadas dos policiais do DHPP, a polícia de elite paulista, que concluiu pela ocasionalidade do crime e, numa segunda etapa, instalaram na arena de questionamentos intrépidos promotores públicos decididos a confirmar de toda forma um enredo concebido assim que o noticiário sobre o sequestro foi levado à TV. 


c) A mídia, que não aprendeu a lição da Escola Base, entre outros casos em que foi afoita, parcial, discriminatória, arrogante e preguiçosa na apuração, terá de engolir a seco e a contragosto a constatação de que Sérgio Gomes da Silva é tão inocente quanto o galo que cantava fora de hora na casa vizinha ao abalroamento da Pajero preta que conduzia dois amigos que jantaram na Capital. 


Nada de perguntas


Não me perguntem os leitores mais assanhados ou mais prospectivos porque relaciono esses três pontos conclusivos sobre as novas investigações. Há questões que somente o tempo me levará a detalhar porque fazem parte de processo de acompanhamento jornalístico a que nenhum outro profissional da mídia se deu ao trabalho. A quase totalidade deles, por razões tão diversas quanto indefensáveis, prefere o prato feito de aparências informativas claramente maquiadas e que contribuem para forrar de cascas de banana o piso de credibilidade por onde trafegam os incautos. Um e outro leitor que possa se precipitar mais uma vez e atribuir a este jornalista adjetivos pouco lisonjeiros precisam ser perdoados. Eles não sabem o que fazem, senhor.


A retomada das investigações por determinação do governo do Estado justamente num momento em que a política nacional ferve com o caso Mensalão não é simples coincidência. Trata-se de adicionar mais lenha na fogueira de desgaste do Partido dos Trabalhadores. Principalmente porque há um personagem-âncora nas suposições entre um caso e outro, o ex-todo-poderoso ministro José Dirceu.


O que se produziu de versões sobre eventual interesse de José Dirceu liquidar a vida de Celso Daniel corresponde proporcionalmente à própria negação da articulação intelectual do crime a Sérgio Gomes da Silva. Já se construíram tantas histórias inverossímeis sobre os tentáculos de José Dirceu, ameaçados pela ascensão de Celso Daniel, que não faltam também suposições de que não seria Lula da Silva o candidato à presidência da República, mas o pretensamente perigoso Celso Daniel. 


Entre tantas versões, uma das quais dá conta de que foi a centro-direita, preocupada com o programa de governo traçado por Celso Daniel, que resolveu eliminá-lo. Outra, informa que inimigos políticos em Santo André, estranhamente alinhados à ideologia de João Francisco Daniel, prepararam a emboscada. Estranhamente, a bobagem que mais prosperou foi a de que seu melhor amigo, seu irmão de verdade, seu motorista naquela noite, teria organizado o enredo mais estapafúrdio do mundo porque, simples como dois e dois são quatro, acabaria nas malhas de investigações. Como de fato caiu, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Federal, saindo ileso. 


João na armadilha 


A saga de Sérgio Gomes da Silva é uma espetacular lição de vida porque ele foi eleito para protagonizar o que se esperava o desmoronamento do suposto caso de propina na Administração Celso Daniel. O atabalhoado primeiro-irmão-distante, João Francisco Daniel, caiu na armadilha de dar veracidade ao roteiro do Ministério Público e, se em vida, não fez outra coisa senão atazanar Celso Daniel com lobbies e pedidos de favores, em morte acabou por enxovalhar a memória ao tentar resgatar fatos que destruíssem a versão policial. 


Ao afirmar que Celso Daniel foi vítima de assassinato porque pretendia acabar com o esquema de propina da Prefeitura de Santo André, João Francisco Daniel imaginou que todo mundo cairia nas lábias de que a suposta operação de caixa 2 não contaria com o suporte do próprio irmão. Quanta ingenuidade. Ou melhor: quanta arrogância em sugerir que a sociedade está irremediavelmente desértica de inteligências minimamente críticas. Tanto é verdade que ao longo do caso ele reformulou a sentença e passou a admitir o conhecimento do irmão famoso mas sustentando a versão de inconformismo diante de vazamentos de parte dos numerários de propinas. 


O fato agora é que Polícia Civil e Ministério Público, espécies de gato e rato do sistema judiciário, estão lado a lado na supostamente operação conjunta. Quem acredita que o espírito de corpo dos policiais civis desapareceu com a simples aproximação de contrários e que os representantes do MP não reservam nenhum tipo de hostilidade latente aos membros da Polícia Civil também é capaz de apostar que, acomodados num mesmo hotel e às vésperas de uma decisão, jogadores e comissão técnica de Corinthians e Palmeiras cheguem ao ponto de dormirem nos mesmos quartos, almoçarem no mesmo horário e no mesmo recinto e de trocarem presentinhos antes do primeiro apito.


Reabertura constrange


A reabertura do caso Celso Daniel já provocou constrangimentos. Não propriamente pela aproximação de contrários que, por si só, é relativamente indigesta levando-se em conta o histórico de animosidades entre as duas funções e, mais ainda, especificamente nesse caso. A reação do delegado-geral da Polícia Civil, na semana passada, dia seguinte às declarações de que Celso Daniel teria sido torturado, deixou evidenciado que o ambiente não é dos melhores. Marco Antonio Desgualdo afirmou com todas as letras que Sérgio Gomes da Silva é inocente. 


As declarações de Desgualdo responderam à manifestação do perito Carlos Delmonte Printes, que fez a necropsia do corpo de Celso Daniel e afirmou ter havido tortura. Sabe-se que a desclassificação do parecer de Carlos Delmonte -- desde o início da apuração do caso informante do Ministério Público e da família distante de Celso Daniel -- é questão tecnicamente irrebatível. Delmonte é tratado como alguém em busca de 15 minutos de fama. 


A diferença entre a performance do Ministério Público representado no caso Celso Daniel e os defensores de Sérgio Gomes da Silva, no caso a banca de advogados de Roberto Podval, é que os promotores públicos têm partido seguidamente para o ataque, enquanto os representantes do primeiro-amigo de Celso Daniel preferem, invariavelmente, a defesa. Há suspeita de que o que parece não é. Contrariamente ao consenso que se definiu sobre eventual frouxidão da equipe de Roberto Podval, a tática de recuar não passa mesmo disso, de tática. Na hora da onça beber água, uma artilharia de xeques-mates seria desfechada. 


João Francisco Daniel ainda vai merecer algumas novas incursões neste espaço. Não falta quem, em possível excesso, lhe atribua algo semelhante à essência das denúncias do deputado Roberto Jefferson. João Francisco seria beneficiário de um mensalão programado para dar fluidez à versão de assassinato sob encomenda. O esquema teria perdido força com a contrariedade do resultado eleitoral em Santo André, em outubro do ano passado, mas teria revitalizado com a ascensão midiática de Roberto Jefferson, cujos resultados estilhaçaram o PT que João Francisco sempre odiou, numa relação tormentosa com o irmão famoso. 


O ódio ideológico de João Francisco, entretanto, foi adestradamente minimizado no depoimento à CPI dos Correios. Ele foi treinado para retirar qualquer conotação ideológica das denúncias. O problema é que o passado o condena. 


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