Sabem os leitores que a CPI dos Bingos ouviu ontem os dois delegados que conduziram o inquérito policial sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel?
Sabem os leitores que foi a primeira vez desde que o Ministério Público produziu o enredo de culpabilidade de Sérgio Gomes da Silva que os delegados falaram em público?
Sabem os leitores que tanto Armando de Oliveira como José Masi reafirmaram, com a sustentação de calhamaço de 1,5 mil páginas, que Sérgio Gomes da Silva é inocente?
Se o leitor não sabe de nada disso, fique tranquilo porque a base do desconhecimento não é eventual desinteresse pessoal pelo caso ainda inacabado, embora insidiosamente manipulado. A mídia -- jornais, emissoras de rádio, de televisão -- simplesmente passou ao largo dos depoimentos dos dois delegados do DHPP, a polícia de elite do governo tucano de São Paulo. Preferiu concentrar todos os esforços e atenções no deputado, agora ex-deputado, Roberto Jefferson. Como se os dois assuntos fossem excludentes, vejam só!
Quem mais frustrou os leitores foi o Diário do Grande ABC, porque o caso Celso Daniel, embora de âmbito nacional, reúne particularidades especialmente regionais. O jornal tem a obrigação de cobri-lo decentemente. Até mesmo para se recuperar do passado de coberturas enviesadas que contribuíram para consolidar uma das mentiras mais deslavadas da história policial brasileira -- a de que Sérgio Gomes da Silva mandou matar seu primeiro-amigo Celso Daniel.
Ainda não disponho do conteúdo dos embates entre os dois delegados e os senadores da CPI dos Bingos. O noticiário rarefeito que leio nos jornais de hoje não me permite maiores incursões, exceto a convicção de que, presos pelos erros do passado, os profissionais de comunicação que deram guarida à estapafúrdia tese de assassinato comandado por Sérgio Gomes da Silva farão tudo para esconder evidências em contrário. Como, aliás, fizeram ao longo dos dias de cobertura, seduzidos pelos formuladores da antítese dos relatos dos policiais do DHPP. Fizeram tanto estardalhaço com as injustiças do caso Escola Base quando o caso Celso Daniel é ainda mais escabroso, porque a segunda maior vítima, depois do prefeito Celso Daniel, exatamente seu acompanhante no veículo abalroado pelos sequestradores, entre outros infortúnios foi preso durante quase oito meses.
Fossem mais competentes, menos parciais, mais dedicados a alinhar a realidade dos fatos, os jornais teriam aberto manchete minimamente compatível com o caso Celso Daniel ao se referirem aos depoimentos de ontem dos dois delegados. Sabem os leitores qual seria a grande manchete? "Sequestrador esclarece caso da Mitsubishi". Afinal, de que se trata? Simples. Um dos pontos de informação mais prevaricados do sequestro atribuía a Sérgio Gomes da Silva o destravamento do sistema de segurança do veículo para facilitar a captura de Celso Daniel. Propagou-se que Sérgio Gomes, entre outras iniciativas para se livrar do prefeito que supostamente descobriu esquema de propina na Prefeitura de Santo André, teria entregue de bandeja o acompanhante para os sequestradores. Para isso, acionou o mecanismo que abriu a porta do prefeito.
Pois bem. O que tivemos -- e os fatos estão narrados por um dos sequestrados no inquérito policial cujas cópias os dois delegados do DHPP levaram à CPI dos Bingos -- foi de fato uma tentativa conciliatória de Celso Daniel que, após os tiros e a aproximação de um dos sequestradores -- repetimos, em fatos narrados pelo bandido -- simplesmente puxou a trava da porta, acionou a maçaneta e saiu do veículo de mãos para o alto pedindo calma a quem lhe apontava a arma.
Tudo isso -- repito -- e muito mais, está nas quilométricas páginas de um trabalho minuciosamente produzido pelo DHPP. Só essa narrativa desqualifica integralmente as fantasias que, em seguida, foram entabuladas para incriminar Sérgio Gomes da Silva. Há tantas outras, mas tantas outras que somente no livro que já comecei a preparar poderei resgatar com detalhamento dinamitador da mais vergonhosa campanha de fuzilamento moral que já se assistiu contra um inocente, com o beneplácito da quase totalidade de uma mídia sonolenta, despreparada, parcial e em muitos casos encomendadamente doutrinada a participar de um esquema de desmoralização político-partidária de um suposto integrante da rede de financiamento eleitoral de uma agremiação que agora está no poder federal. Juntaram-se alhos com bugalhos e fizeram de Sérgio Gomes da Silva bode expiatório inapelavelmente batido.
É por essas e outras que, quando dos debates sobre o Conselho Federal de Jornalismo, me coloquei franca e abertamente favorável a mecanismos que livrem os leitores das garras dos maus profissionais e de um patronato que, em muitos casos, confunde informação com negociatas. Caberia aos sindicatos de jornalistas ações mais incisivas para compatibilizar liberdade de imprensa, um bem inalienável, e responsabilidade social.
O assassinato de Celso Daniel e o fuzilamento de Sérgio Gomes da Silva confirmaram uma anomalia jornalística da qual poucos dão a devida importância: há profusão de profissionais de comunicação incapazes de distinguir fontes informativas de lobbistas políticos e, por isso, cometem crimes ainda maiores, porque atingem a honra, a dignidade e o respeito humano das vítimas -- vivas ou já mortas.
De qualquer modo, tudo isso só me estimula a cavoucar mais horas em meu dia-a-dia em busca de novas e inquestionáveis explicações sobre o caso Celso Daniel. O que, convenhamos, não tem sido tarefa complicada, tantos foram os erros e os desvios cometidos por aqueles que direta e indiretamente criminalizaram Sérgio Gomes da Silva. O DHPP não me deixa mentir. Mais que isso: me obrigaria, se necessário, a escrever a verdade, nada além da verdade.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP