Quando escrevi a Reportagem de Capa da revista Livre Mercado de outubro ("Inocente ou culpado? A Imprensa já condenou Sérgio Gomes"), sabia que provocaria estresse. Na semana seguinte, por conta daquela matéria, a revista Veja resolveu tirar do congelador e atualizar uma igualmente Reportagem de Capa sobre o caso Celso Daniel, cuja apuração de informações se deu mais de um ano antes, conforme informam vários dos entrevistados. Sem juízo de valor sobre aquele trabalho, posso adiantar dois aspectos irretorquíveis: aquele material foi desengavetado por conta da capa de Livre Mercado e cautelosamente, como se exige do bom jornalismo, o autor não cometeu a imprevidência de tanta gente da mídia que atribui a Sérgio Gomes suposto mando do crime.
Quem não teve o cuidado de pesar as palavras e caiu de pau sobre este jornalista, negando-se a observar as evidências de tratamento discriminatório da mídia em geral no caso Celso Daniel, onde os irmãos Daniel e os promotores públicos são os mocinhos e tudo que esteja do outro lado merece supostamente a pecha de bandido, inclusive as instâncias da Polícia Civil e da Polícia Federal que deram ao crime a configuração de ocasional, quem não teve o cuidado, repito, vai cair do cavalo com o que tenho a apresentar não neste texto, mas no que prometo para os próximos dias.
Tempo de decantação
Tive o cuidado -- e os leitores desta newsletter devem ter percebido isso -- de não tocar no assunto depois da publicação, neste espaço, da Reportagem de Capa de LivreMercado. Enquanto alguns cães vadios e irresponsáveis ladravam a plenos pulmões -- segundo me contam fontes de audições às quais não me dou ao desperdício de acompanhar -- tratei de, entre as muitas funções como profissional de comunicação, continuar a investigar o caso. Sem nenhuma falsa modéstia, afirmo e reafirmo que se há 10 pessoas neste País que sabem profundamente as nuances do caso Celso Daniel, podem apostar que estou entre eles. Provavelmente saiba mais do que eles porque enquanto, como especialistas, estão imersos em suas respectivas searas, a função jornalística me recomenda vôo mais amplo e prospectivo.
Em realidade, mergulhei para valer no caso Celso Daniel depois que me decidi a escrever livro sobre o assunto. Tenho me multiplicado porque a produção da obra é atividade suplementar de minhas tarefas diárias, que incluem montanha de obrigações. Mas, confesso de público, o caso Celso Daniel é eletrizante na medida em que avanço em pormenores, em detalhes. Quem esperar mais um pouco vai saber porque estou tão empolgado e, nesse caso específico, não são nem detalhes nem pormenores que me embalam, mas questões substantivas. Mais que isso: extremamente elucidativas. Pelo menos para quem exclui o crime do ambiente político-administrativo.
E é nesse ponto que fortaleço convicções do quanto o jornalismo diário nacional anda sofrível. As condições de trabalho para os profissionais são tão desumanas quanto a sofrível formação acadêmica. Juntam-se despreparo, pressa, enviezamento ideológico e político, comodismo e interesses diversos e temos, sem tirar nem por, uma parcela significativa do padrão de comportamento da mídia nacional. Sobretudo quando desafiada a reunir informações que não se limitem às fontes mais evidentes e, muitas vezes, interessadíssimas em manipulações.
Quatro tempos
O que posso adiantar sobre os novos lances do caso Celso Daniel é que todos que se surpreenderam com a Reportagem de Capa de outubro da revista Livre Mercado e que, invariavelmente, sem se dar ao trabalho de dissecá-la, apontaram o rifle da intolerância em minha direção, vão se dar mal, muito mal. Como disse, não perco meu tempo com detratores baratos e maliciosos que, na fúria fundamentalista de opor-se a tudo e a todos que eventualmente lhe são imaginários adversários ou inimigos, perdem a razão e cometem desatinos.
Seria estupidez de minha parte se me deixasse levar por um e por outro diretamente interessados em sustentar determinadas teses. Jornalismo sério é algo sagrado demais para que me submeta à correnteza do ajuizamento peremptório. Um caso como o de Celso Daniel não admite passionalismo de Fla-Flu como alguns assim tem atuado.
O que quero dizer a quem de alguma maneira desaprovou a Reportagem de Capa já citada, é que, diferentemente do que imaginava, tratou-se apenas do primeiro tempo de um jogo que deverá, como o da Taça Libertadores, estender-se por outros três períodos. Redigir aquela matéria -- e agora vou revelar a estratégia -- significou a abertura de uma imensa porta de fontes de informações cujos dados são essenciais à compreensão dos eventos que se seguiram ao arrebatamento do prefeito de Santo André na noite de 18 de janeiro de 2002.
Não fosse aquela matéria denunciadora do comportamento enviesado da mídia, seria impossível destravar a porta de um pedaço importantíssimo das investigações. Costumo dizer aos amigos e companheiros de trabalho, com os quais de vez em quando mantenho espécie de disputas verbais, que não existe maneira mais hábil e engenhosa de encalacrar o adversário senão lhe desfechar a réplica e, se necessário, a tréplica -- nocaute ao qual jamais estará preparado. O máximo que a média dos contendores verbais efetivam é ter na ponta da língua, quando muito, a resposta para a resposta do oponente. A resposta, da resposta da resposta, eis o estado previdencial mais poderoso de quem quer se meter em desafios de idéias e pontos de vista. Pois foi exatamente isso que preparei com aquela Reportagem de Capa que vai muito além de idéias e pontos de vista. A minha réplica está chegando.
Réplica portentosa
E que réplica, senhores leitores! Que réplica! Uma portentosa réplica, diria. Não sobrará pedra sobre pedra. Mas não pensem que estou satisfeito, ainda. Continuarei na batalha porque a verdade inquestionável haverá de saltar do caso Celso Daniel. Não é possível que a obscuridade se sobreponha à luz. Por mais que existam interesses em jogo, e os há em abundância, a reconstrução dos fatos que ocorreram a partir daquela sexta-feira fatídica haverá de ser enfaticamente autêntica.
Estou cansado de ouvir e ler declarações demagógicas de quem não sabe da missa um terço. A acareação dos irmãos Daniel e do assessor do presidente da República, Gilberto Carvalho, foi um espetáculo lamentável porque os senadores, em larga escala, querem simplesmente se utilizar do caso Celso Daniel como palanque político. O mais patético deles é o paranaense Álvaro Dias que, como se possuísse um tesouro, referia-se aos grampos como algo de extraordinária valia quando se sabe, de tanto que os diálogos frequentaram sites e páginas de jornais, que se há algo minimamente revelador não é exatamente a autoria do crime, que, aliás, é simplesmente descartada, mas evidente inquietação do PT com o uso político do caso depois de a direção nacional do partido, equivocadamente, politizá-lo a partir do sequestro de Celso Daniel.
O caso Celso Daniel vai ganhar novos referenciais a partir do que os leitores vão ler nos próximos dias. Por isso mesmo nada posso adiantar neste espaço hoje.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP