Administração Pública

Morando arrisca o pescoço
ou sabe o que prometeu?

DANIEL LIMA - 09/11/2016

Respondam por gentileza: é louco varrido, visionário, pragmático ou meramente um agente público especulativo alguém que transforma em mote de campanha a promessa de que vai gerar empregos para uma população com alto índice de inatividade? A mensagem colou tanto que atendeu plenamente aos anseios dos eleitores como vital à sintonia com o candidato vitorioso nas urnas. 

Fui a um monte de dados, metabolizei todas as informações e não tenho dúvida de que o então candidato Orlando Morando à Prefeitura de São Bernardo, e agora prefeito eleito, não forneceu munição aos adversários no futuro para eventual desmascaramento. 

É muito pouco provável que ao final de quatro anos, e de uma economia nacional que vai melhorar -- até porque piorar seria impossível -- concorrer ao segundo mandato sem ter condições de dizer que, nesse quesito específico, não enganou a população que lhe confiou o voto. 

Vou revelar o que está à espreita de Orlando Morando como prefeito. Aposto que nem ele nem seus assessores conhecem os números relativos ao emprego com carteira assinada que constam do acervo do Ministério do Trabalho relativos a São Bernardo nesta década. 

Limitações do cargo

Antes disso, entretanto, convém relativizar os poderes de um gerenciador público municipal na condução de planos, politicas, propostas e ações no campo econômico num período tão curto como quatro anos. 

É muito baixa, para não dizer baixíssima, dentro dos padrões conhecidos, a possibilidade de um prefeito, isoladamente, numa região com as características da Província do Grande ABC fazer a roda do emprego girar. São limitadas as condições de um prefeito mexer com os cordéis do gerenciamento do sistema econômico de um Município a ponto de atingir resultados significativos numa jornada de quatro anos. 

A dependência de vetores estaduais e principalmente nacionais é enorme. E sempre é muito pior e improvável, convém sempre ressaltar, na periferia de áreas metropolitanas como a Província do Grande ABC abatida há muito tempo por um sindicalismo que só pensa nos empregados de primeira classe das montadoras e das grandes autopeças, também chamadas de sistemistas. Sobretudo quando se tem do outro lado da mesa uma concorrência muito mais competitiva que, ao contrário do que muitos imaginam, não está apenas no Interior do Estado menos distante, mas também na própria Região Metropolitana de São Paulo menos próxima da Província. 

Ora, se tudo isso é verdade, não vou me alongar sobre outras considerações que dariam mais sustentação aos argumentos que exponho. Então, como um empresário que também é trabalhador vai às ruas e às mídias para dizer que vai gerar emprego em São Bernardo? Justamente em São Bernardo, duramente atingida pela recessão econômica que pegou o setor automotivo de frente?

Mais que Lula e Marinho 

Pois o agora prefeito Orlando Morando não disse, como já escrevi, nenhuma bobagem. Houvesse prometido emprego no setor industrial provavelmente estaria numa enrascada da qual dificilmente escaparia. Como prometeu emprego, e acredito que emprego formal, ao conjunto das atividades, deve sim colecionar sucesso quando dezembro de 2020 chegar. 

A contagem que vai referenciar a atuação do prefeito Orlando Morando empregador só será iniciada em janeiro do ano que vem, quando toma posse. Até lá, tudo indica que o estoque de empregos formais em São Bernardo vai passar por novas baixas --- porque é o que vem ocorrendo já faz muito tempo. 

Diria mais: se a macroeconomia e a microeconomia derem uma mãozinha nos próximos quatro anos a ser contados a partir de janeiro, Orlando Morando encerrará o primeiro mandato em condições de sair às ruas mais uma vez e afirmar que registrou crescimento de emprego suficiente para superar a marca deixada pelo governo Lula da Silva, em 2010, e também de Luiz Marinho, nos dois mandatos. 

Vamos então aos números históricos deste século para dar sustentação à tese de que o prefeito eleito Orlando Morando não deverá frustrar a expectativa de que comandará uma gestão da qual poderá se orgulhar ao elevar o estoque de empregos com carteira assinada em São Bernardo. 

O que não pode ser confundido, entretanto, com o reencontro de São Bernardo com o desenvolvimento econômico. Isso é outra coisa, da qual vou me ocupar em outra oportunidade, como já o fiz anteriormente. 

Reuni dados sobre empregos formais de quatro datas diferentes, contemplando o último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, os oito anos de mandato do presidente Lula da Silva, os quase oito anos da administração de Luiz Marinho, os pouco mais de cinco anos e três meses de Dilma Rousseff e os poucos meses de Michel Temer, ou seja, os sete primeiros meses deste ano, os quais constam dos dados atualizados do Ministério do Trabalho.

Lula na liderança

Em termos de estoque geral de empregos, que reúne todos os setores, o melhor saldo em números absolutos foi deixado por Lula da Silva em dezembro de 2010: foram contabilizados 270.135 postos de trabalho em São Bernardo, contra 183.392 de Fernando Henrique Cardoso e 245.875 de Dilma/Temer. 

A reboque, Luiz Marinho encontrou em janeiro de 2009, quando assumiu o primeiro mandato de prefeito de São Bernardo, 245.875 empregos formais. Em setembro último registrava 252.239. Não há dúvidas que Orlando Morando herdará do petista em associação com o governo federal um estoque de trabalhadores formais abaixo de quando da posse do atual titular do Paço de São Bernardo. 

Como não prometeu emprego industrial com carteira assinada, apenas empregos em geral, o prefeito Orlando Morando não deverá se assustar com os próximos tempos e com eventuais confrontos com o estoque de 100.819 empregos deixados por Lula da Silva em 2010, segundo ano do mandato de Luiz Marinho. 

Em setembro último, o emprego industrial formal de São Bernardo caíra para 78.571 postos de trabalho e deverá cair ainda mais até dezembro. Ou seja: mesmo que não tenha prometido nada específico, muito provavelmente Orlando Morando deverá terminar o primeiro mandato em 2020 com estoque do setor industrial superior ao deixado por Luiz Marinho. 

Como FHC

O estoque de emprego industrial deixado por Fernando Henrique Cardoso em São Bernardo, em dezembro de 2002, não passava de 75.473 trabalhadores. É muito provável que Luiz Marinho, sempre relativizando a responsabilidade de um prefeito na geração de empregos no setor industrial, deixará herança mais salgada. 

Afinal, basta que um pouco mais de três mil trabalhadores do setor sejam demitidos até dezembro em relação às contratações.  Quem diria que na terra do petismo e do cutismo o emprego formal de trabalhadores industriais chegaria ao final de 14 anos de mandatos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff (os meses subsequentes ao impeachment da então presidente devem ser debitados a ela por conta dos estragos causados à economia nacional) oferecendo como resultado estoque ainda pior que o do então execrado tucano? 

A ligeireza de Orlando Morando em não especificar a setorização de empregos lhe permitirá sono tranquilo. Dificilmente a proporção de empregos industriais em relação ao conjunto dos demais empregos em São Bernardo será ainda mais sacrificada. 

Quando Fernando Henrique Cardoso deixou o governo federal em 2002 e Maurício Soares era prefeito de São Bernardo, havia 41,15 trabalhadores industriais para cada 100 empregados em São Bernardo. Em 2008, quando Luiz Marinho assumiu e Lula da Silva era presidente da República, a proporção baixou para 40,20%. Em 2010, último ano do mandato de Lula da Silva e segundo ano da administração de Luiz Marinho, havia 37,32% trabalhadores industriais para um conjunto de 100 empregados formais em São Bernardo. Em setembro de 2016, último ano do mandato de Luiz Marinho em São Bernardo e o último ano do mandato cassado de Dilma Rousseff em Brasília, os trabalhadores do setor industrial de São Bernardo eram 31,15% do total dos empregados. Ou seja: foi no período do sindicalista Luiz Marinho que se verificou um massacre na estrutura de empregos fabril na Capital do Automóvel. E os estragos ainda não se encerraram, porque os últimos dados são de setembro. Faltam outubro, novembro e dezembro.  

São Bernardo, como se verifica, não resistiu à hecatombe da economia brasileira nos últimos anos e, mesmo beneficiada com a proximidade da gestão de Luiz Marinho com a esfera federal, irá consolidar uma queda de participação relativa do emprego industrial jamais observada ao longo da história. 

São Bernardo está cada vez mais voltada aos setores de comércio e serviços. Orlando Morando fará um grande favor à sociedade se estancar o derrame automotivo. Algo que parece pouco provável. E provavelmente também a ele, porque, caso contrário, teria inserido a indústria de transformação na pregação pró-emprego. 



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