Administração Pública

Que os nossos prefeitos não
sigam mau exemplo de Doria

DANIEL LIMA - 25/11/2016

O recém-eleito prefeito paulistano João Doria não serve de bom exemplo aos vencedores de outubro nas eleições na Província do Grande ABC caso o assunto em discussão seja mobilidade urbana – mais precisamente mercado imobiliário. O prostíbulo de negócios imobiliários na região, quase todos impunes, poderá ficar ainda pior se João Doria for o referencial. Os acenos preliminares são afrontosos nesse sentido horroroso. O legado de Fernando Haddad poderá ser dizimado, mas providencialmente dissimulado por marqueteiros especializados em embromação. 

Não estaria longe o dia em que o ainda prefeito de São Paulo seria reconhecido como gerenciador sério e que possivelmente só foi apeado do cargo por conta da demonização do PT nas últimas eleições. Haddad botou o dedo na ferida das roubalheiras imobiliárias juntamente com o Ministério Público Estadual. A Máfia do ISS é a prova disso. 

João Doria, empreendedor comprometido até a medula com o capitalismo sem pesos e contrapesos, está a dar refresco aos potenciais contraventores -- os bandidos imobiliários, que caracterizo aqueles que querem levar vantagem a qualquer custo. Principalmente ao asfixiarem ainda mais a mobilidade urbana. 

Talvez fosse interessante um rastreamento rigoroso dos investidores ao longo dos tempos na empresa de João Doria para entender até que nível sobressaíram os volumes de dinheiro de empreiteiros e mercadores imobiliários. 

Alerta de especialista 

A principal agressão de João Doria ao sistema de responsabilidade social a ser legado de Fernando Haddad é o desmonte da Controladoria-Geral do Município (CGM), organismo de fiscalização que alguns prefeitos eleitos na região em outubro último já anunciaram pretender agregar ao organograma oficial, embora não se saibam muitos detalhes. 

A CGM da Capital vai deixar de contar com o status de secretaria para virar departamento da futura Secretaria de Justiça. 

Num microartigo publicado na edição de hoje do jornal Estadão o colaborador Marco Antonio Teixeira, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas, expressa bem o significado dessa mudança. Reproduzo alguns trechos do original para manter a autenticidade do autor sem o risco de interpretação equivocada: 

 Subordinada a uma secretaria municipal, a Controladoria-Geral do Município perde poder. Como é que um órgão de segundo escalão pode ter autonomia para fiscalizar um órgão de primeiro escalão? A agilidade que a CGM tem até o presente momento, de se mover sem nenhum tipo de barreira, seria perdida para encontrar no mínimo duas barreiras: a do secretário e do próprio prefeito. Ou seja, ela poderia perder autoridade. Se durante alguma apuração, a CGM tiver necessidade de convocar algum funcionário de outra secretaria, ela terá de obter antes a autorização de uma hierarquia superior, uma vez que ela tem de se reportar ao secretário ao qual está vinculada. Hoje ela se reporta diretamente ao prefeito. Mesmo assim, pela natureza de sua atividade, a CGM não deve tanta satisfação ao prefeito quanto às demais secretarias. Seria possível que o secretário de governo, como consequência dos trabalhos da Controladoria, ser investigado e acabar deixando o cargo, como aconteceu na gestão Haddad, se o órgão não tivesse tanta autonomia? – escreveu o especialista Marco Antonio Teixeira. 

Milhões recuperados 

Num balanço de maio deste ano da Administração Fernando Haddad, a Controladoria-Geral do Município de São Paulo recuperou mais de R$ 133,9 milhões para os cofres públicos municipais desviados pela chamada Máfia do ISS, desbaratada em outubro de 2013. A Máfia do ISS era formada por auditores concursados que utilizavam a Prefeitura para práticas ilegais e cobrou, por mais de 10 anos, propinas de empresas para emitir descontos ilegais no pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS) do Habite-se. Havia bandidos sociais dos dois lados do balcão, claro.  

Quem acredita que essas falcatruas estariam reservadas apenas ao território da Capital do Estado não sabe da Província do Grande ABC um terço da missa de sem-vergonhice e roubalheiras. 

Aqui os bandidos imobiliários deitam e rolam faz muito tempo porque jamais houve um prefeito sequer que tenha tido a coragem e a independência de introduzir algo semelhante ao que Fernando Haddad acrescentou ao gerenciamento público. E não acredito que entre os sete titulares dos paços municipais no ano que vem alguém tenha tutano para travestir-se de Haddad.

Ações abrangentes 

As ações de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo no campo da mobilidade urbana, especificamente do mercado imobiliário, não se restringiram a pegar os mafiosos do ISS (que ainda vivem a vida boa da impunidade, já que não existe uma Operação Andaime, espécie de Lava Jato, para acelerar o ritmo de condenações) já que se expandiram na área de auditorias de contratos firmados por secretarias municipais e subprefeituras. 

O balanço financeiro mais recente das operações da Controladoria-Geral do Município sob a liderança de Fernando Haddad aponta que só com a revisão de contratos houve economia de R$ 58 milhões no mesmo período. Foram emitidas 185 ordens de serviço de auditorias, sendo que 134 já foram homologadas. As apurações já abrangeram 25 das 29 secretarias, 28 das 32 subprefeituras e 14 das 18 unidades da Administração Direta. 

Agora me respondam: com o desmonte mais que ensaiado de João Doria, o que restará desse trabalho todo e que mensagem o novo prefeito de São Paulo vai repassar como padrão de atuação aos demais titulares de paços municipais do País, especialmente de região tão próxima que o rebocou como liderança a ser seguida nas disputas de segundo turno? 

Ainda há mais números e informações dos balanços da Controladoria-Geral do Município de São Paulo que merecem destaque, em contraponto, portanto, à prostituição imobiliária na região, da qual, todos sabem ou deveriam saber, o Clube dos Construtores (Acigabc) se não participou diretamente, estimulou a classe à farra geral com omissões senão deliberadas, no mínimo acumpliciadoras.

Demissões em três anos 

A CGM da Capital também instaurou 157 sindicâncias, das quais, segundo relatório oficial, 54 foram concluídas e outras 103 estavam em andamento em maio último. Além disso, sempre segundo dados oficiais do portal da Prefeitura de São Paulo, 37 inquéritos administrativos foram abertos pelo órgão para investigar servidores. Em três anos, essas ações causaram a demissão de 21 funcionários a bem do serviço público, além da cassação de uma aposentadoria, e três extinções ainda sem julgamento do mérito. Em parceria com a Polícia Civil, e o Ministério Público, 11 servidores municipais foram presos desde 2013 – afirma o documento oficial. 

Tenho todo o direito e o dever de colocar a gestão de João Doria na marca da penalidade máxima quando o assunto é o mercado imobiliário. Tomara que outros agentes informativos e analíticos também o façam. Que a Capital do Estado não repita a vergonhosa omissão generalizada da mídia regional. Aqui os mercadores imobiliários deitam e rolam porque sabem que podem controlar os cordéis de distanciamento da Imprensa. 

As tratativas nada republicanas com servidores públicos são homologações de negócios escusos porque o ambiente gerado ao longo dos tempos assim o determinou. Ao que tudo indica a São Paulo de João Doria voltará a ser a Capital de Gilberto Kassab, gênese mais recente dos escândalos escarafunchados pela gestão desse professor universitário sobre o qual não há restrições éticas e morais. 

Alinhamento automático 

Reitero a quase certeza de que nenhum dos prefeitos eleitos na região em outubro ousará seguir os passos de transparência e independência de Fernando Haddad. Provavelmente estarão mais próximos a João Doria. O prefeito eleito de São Paulo está instalando na engrenagem de mobilidade urbana empresários e consultores com longa passagem pelo Secovi, o Clube dos Construtores da Capital, entre os quais Claudio Bernardes, então presidente daquela entidade no período da exumação do escândalo da Máfia do ISS -- e também anteriormente quando estourou o escândalo de financiamento irregular de campanha de vereadores da Capital com dinheiro de uma entidade paralela de construtores, linha auxiliar do Secovi, segundo denúncia do Ministério Público de São Paulo. 

As esquerdas brasileiras precisam correr para corrigir as burradas cometidas e também para respirarem novos ares programáticos, mais alinhados de fato com a socialdemocracia. Deixar o País entregue à direitona pantagruélica é um sério risco da debacle total. 

A substituição de marqueteiros propagadores de novos eflúvios conceituais pode significar uma emenda pior que o soneto, porque a uniformização a partir da Capital Federal é doença contagiosa que abrandaria o senso crítico geral. Parece que saiu a turma da esperteza semântico-eleitoral de João Santana e entrou a turma do entusiasmo interesseiro do Conselhão de Nizan Guanaes. Estamos precisando de uma terceira via urgente. Esse papel também cabe à mídia submissa aos manipuladores de plantão.  



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