Administração Pública

Tudo resolvido se Temer fosse
Marinho e, Geddel, Bigucci

DANIEL LIMA - 28/11/2016

Michel Temer deveria ter dado um telefonema ao petista Luiz Marinho nos dias tenebrosos que antecederem o desfecho do escândalo imobiliário que determinou a queda de dois ministros, além do desgaste do presidente-substituto do Palácio do Planalto. Se Temer dialogasse com Marinho e se Marinho fosse sincero e transparente, Temer saberia como tentar escapar da enrascada.

Foi assim que o prefeito de São Bernardo reagiu ao escândalo do empreendimento Marco Zero da Vergonha, da MBigucci, até agora na coluna de impunidades alarmantes. Por essas e outras a Província do Grande ABC exige uma Operação Andaime, versão da construção civil da Operação Lava Jato, das empreiteiras e muito mais. 

(Faço um parêntese antes de prosseguir: o titulo deste artigo foi propositalmente criado para embaralhar o entendimento dos leitores, daí a falta de objetividade jornalística. Não pensem que se trata de uma pegadinha visual sem profundidade ou mesmo que este jornalista não saberia simplificar os enunciados. Trata-se, isto sim, de uma jogada que estimula um cuidado maior no processo de leitura sempre apressada na mídia digital. Mais que apressada, em muitas situações com baixa acuidade. Portanto, quem não entendeu e passou batido, que retome a leitura para compreender que quero dizer o seguinte: o presidente Michel Temer iria se trumbicar se recorresse a Luiz Marinho para escapar da enrascada em que se meteu. Com Geddel Vieira Lima não seria diferente se falasse com Milton Bigucci. Explico tudo isso logo abaixo). 

Fugindo do perigo

Se não houvesse uma prova sequer sobre a falcatrua da quadrilha que desfalcou os cofres da Prefeitura de São Bernardo no caso do empreendimento Marco Zero da Vergonha, a retranca do empresário Milton Bigucci já seria suficiente. 

Embora instado, ele jamais foi ao Judiciário para criminalizar este jornalista que denunciou com fartura de explicações e provas a roubalheira do Marco Zero da Vergonha. Sem contar que jamais respondeu aos muitos questionamentos desta publicação. Bigucci foge de CapitalSocial assim como os bandidos federais da Lava Jato. Se transparência fosse extensão de suas atividades empresariais, não seriam enfileiradas sete tentativas diferentes de obter declarações do empresário.

Milton Bigucci preferiu espertamente as artimanhas já relatadas e anunciadas aqui para incriminar este profissional. Jamais ousou levar o escândalo do Marco Zero da Vergonha aos tribunais. Qualquer perícia independente chegará à conclusão semelhante a deste jornalista e também de especialistas em matéria de leilão de áreas públicas.  Tudo porque as provas materiais e testemunhais da maracutaia são abundantes. A Prefeitura de São Bernardo lhe ofereceu costas largas. 

Suporte perigoso 

Sei lá que versão o prefeito Luiz Marinho daria ao presidente da República nos momentos de dúvida sobre demitir ou não o ministro Geddel Vieira Lima. Fosse Temer, não teria confiado no petista. A versão de Marinho seria tão escandalosamente mentirosa quanto a de Milton Bigucci – ou seja, a de quem não havia irregularidade alguma. 

Porém, contra provas não há argumento fajuto que se salve. E as provas da fraude no leilão público do terreno em que ainda se constrói o Marco Zero da Vergonha são cristalinas e insofismáveis. Mais que isso: são fundamentadamente simples, porque arquitetadas por supostos espertos. 

São provas tão contundentes que só o Ministério Público Estadual em São Bernardo não as enxergou. E não as enxergou porque não as investigou. E não as investigou porque praticamente engavetou o dossiê deste jornalista. Provavelmente Michel Temer gostaria de ser Luiz Marinho nessas horas.

Há no acervo vivo desta revista digital 194 artigos e análises que tratam direta ou indiretamente do empreendimento Marco Zero da Vergonha. É um calhamaço de informações consolidadas que colocam a nocaute qualquer tentativa de argumentação sustentável de Milton Bigucci e de Luiz Marinho. 

Quando eleito em outubro de 2008, e quando empossado em janeiro do ano seguinte, Luiz Marinho e seu entorno desfilavam horrores sobre Milton Bigucci. Dizia-se que a rivalidade se dera por conta das preferências do empresário com o então prefeito William Dib. Foi sob a administração de William Dib que Milton Bigucci arrematou o terreno em que ergue o Marco Zero da Vergonha. Nada que Luiz Marinho não pudesse inviabilizar juridicamente quando tomou posse ou quando tomou conhecimento da denúncia deste jornalista. Preferiu, como se sabe, fechar os olhos. 

De inimigo a parceiro 

Em maio de 2009, na única vez em que fui convidado a participar de um jantar de aniversário do prefeito Luiz Marinho, no Restaurante São Judas Tadeu (uma concessão que fiz a um amigo petista, não necessariamente ao aniversariante, porque detesto esse tipo de evento), fui ovacionado pelos assessores do petista ao chegar à festa. Naquele 20 de maio ou um dia antes escrevera um artigo sobre o empresário da construção civil. 

Como politica e economia se alimentam de interesses nem sempre cristalinos e transparentes, o resumo da ópera é que Luiz Marinho e Milton Bigucci tornaram-se tão íntimos que o então presidente do Clube dos Construtores (Acigabc) participou da roda-viva pela reeleição do petista. Marinho foi pessoalmente à sede da MBigucci para cabular votos de funcionários com o aval de Milton Bigucci num período em que este jornalista denunciava as falcatruas do Marco Zero da Vergonha. 

Esperar, portanto, que o petista Luiz Marinho repassasse a Michel Temer a experiência de como dar um nó nos inimigos seria pouco produtivo. As circunstâncias e os contextos são outros. 

Por exemplo: enquanto nesta Província apenas esta revista digital não perdeu o foco e seguiu vigilante na construção de uma narrativa que mostra o quanto há de pernicioso entre gestão pública e empresários conhecedores dos meandros dos poderes, sobretudo no mercado imobiliário, no caso Geddel Vieira Lima o mundo midiático desabou. 

Não há como resistir a uma conversão massiva dos grandes jornais e de emissoras de televisão, além de bombardeiros das redes sociais, ante um escândalo de natureza federal ou mesmo estadual. 

Luiz Marinho e Milton Bigucci só escaparam das consequências do escândalo do Marco Zero da Vergonha porque o conjunto das forças de pressão da sociedade ficou distante da importância da roubalheira.  

Um leilão fajuto 

Como expliquei num dos primeiros textos sobre o Marco Zero da Vergonha, em outubro de 2011, o leilão da área pública de 15.989 metros quadrados na disputadíssima esquina da Avenida Senador Vergueiro com a Avenida Kennedy, arrematado em 10 de julho de 2008 pela MBigucci, apresentava dois pecados capitais. A empresa de Milton Bigucci participou de uma farsa com pelo menos dois dos outros cinco supostos concorrentes à compra do terreno e, mais tarde, um dos dois supostos adversários, juntou-se à empresa vencedora do leilão, numa sociedade cujo capital social de R$ 1 mil saltou para R$ 20 milhões.

Lembrei também naquele texto que o conjunto da obra de irregularidades envolvendo a área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo começou com tratamento quase sigiloso de publicidade dado ao leilão. A presidência do Clube dos Construtores, exercida por Milton Bigucci, não enviou qualquer comunicado às empresas filiadas para tornar a disputa mais intensa. A proximidade do dirigente com o Poder Público o colocava com potencial vantagem concorrencial. 

Também lembrei naquele artigo que o simulacro de leilão da área pública contou com revestimento democrático. Seis empresas participaram do suposto embate. Milton Bigucci representou a Big Top 2 Incorporadora, empresa criada um mês antes exclusivamente para participar do leilão e da qual detinha apenas 1% do capital social de R$ 1 mil. Os outros 99% pertenciam à Construbig Construções e Empreendimentos Imobiliários, espécie de holding do Grupo MBigucci, e da qual Milton Bigucci detinha 50% do capital social. A outra metade era de sua mulher. 

Outros dois parceiros de jornada, disfarçados de concorrentes, tiveram atuação ativa no leilão: a Braido Comercial e Administradora, associada à Sabbahi Construtora e Incorporadora, e a Butterfly Even Empreendimentos Imobiliários. Tanto a Braido quanto a Even eram peças-chaves da engrenagem que lubrificou a dissimulada disputa. 

Mais que valor venal

O valor venal estabelecido à área, de R$ 12 milhões, estava muito aquém da realidade do mercado imobiliário. Mas a possível argumentação de que os referenciais de mercado poderiam ser subjetivos se dissolveram como blindagem quando se vai ao campo do arremate propriamente dito. A empresa de Milton Bigucci, Big Top 2, ganhou a concorrência ao oferecer R$ 14 milhões, dos quais R$ 750 mil à vista e o restante em oito parcelas mensais, corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) da Fundação IBGE. 

Foi na fase de pagamentos das parcelas que a fraude se consumou de vez, a arrebentar com qualquer tentativa de defesa. Mesmo que do outro lado do balcão esteja o disputadíssimo escritório de José Roberto Batochio, advogado de Lula da Silva na Lava Jato. Pois foi esse escritório contratado por Milton Bigucci para se defender no Ministério Público. 

Nada menos que três das oito parcelas, a segunda, a terceira e a quarta, foram pagas pela MBigucci e parceiros da falcatrua. O edital de licitação era irredutível quanto ao pagamento: quem arremata, paga. E quem arrematou isoladamente, não em conjunto, como poderia ter sido não fosse aquela ação delituosa, foi a Big Top 2, da MBigucci.  

Circuito de irregularidades 

O circuito de irregularidade dos pagamentos só foi suspenso porque houve indícios de que a fraude fora denunciada por um corretor de imóveis que se julgou trapaceado por uma das empresas que se aliaram à margem da lei para arrebatar o terreno. Ele ficara sem a corretagem e recorrera, em seguida, ao Judiciário, na Capital. 

A história da fraude do terreno do Marco Zero da Vergonha é longa, complexa mas comprovada por meio de documentação abundante encaminhada tanto ao então Procurador-Geral do Município de São Bernardo quanto ao Ministério Público Estadual. O então Procurador-Geral do Município prometeu punir os responsáveis, mas logo foi afastado do cargo.  

Fosse Milton Bigucci o ministro Geddel Vieira Lima, fosse Luiz Marinho Michel Temer e fosse a Província do Grande ABC Brasília, a roubalheira teria sido um escândalo de proporções muito maiores que as denunciadas agora pelo então ministro da Cultura, Marcelo Calero.

O problema todo é que estamos numa Província. Aqui, jornalista que ousa desmascarar esquemas criminosos é perseguido, ameaçado e levado ao Judiciário não pelas razões que apontou, mas por fantasias ardilosas nem sempre ao alcance da compreensão dos magistrados. É isso que gostaria de provar no Judiciário. Milton Bigucci não tem coragem de prestar queixa-crime sobre fatos concretos. Prefere descaminhos da tergiversação.  

Leiam também:

Caso Geddel é fichinha perto dos bandidos imobiliários locais



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