Caso Celso Daniel

Versão farsesca da morte
do prefeito vira livro (6)

DANIEL LIMA - 05/12/2016

O então senador petista e hoje eleito vereador em São Paulo, Eduardo Suplicy, deveria enviar uma carta de agradecimento ao jornalista Silvio Navarro, editor do site da Veja e autor do livro “Celso Daniel – Política, corrupção e morte no coração do PT”. Navarro foi muito generoso com o petista mais que ensaboado, porque o inseriu tangencialmente, sem importância alguma, como um personagem mequetrefe, em apenas três das mais de 200 páginas do que os críticos chamam de livro-reportagem.

Fossem mais bem informados, os críticos diriam que o livro de Silvio Navarro é uma farsa do começo ao fim, porque foi criada para redefinir os fatos e as circunstâncias de acordo com um final previamente elaborado: transformar Sérgio Gomes da Silva em ponta de lança intelectual de um assassinato investigado pela força-tarefa do Ministério Público Estadual e, mais importante ainda, criminalizar o Partido dos Trabalhadores não só pelo laboratório de arrecadação de fundos irregulares na gestão de Celso Daniel. 

Como se sabe, a conexão do assassinato de Celso Daniel e as irregularidades na Administração Celso Daniel foi a estratégia que centralizou o livro de Silvio Navarro para atender aos desejos de uma maioria de audiência que se satisfaz com uma versão maciçamente levada ao público enquanto a realidade dos fatos apurados por forças policiais múltiplas concluiu que se tratou de crime de ocasião. 

Desempenho patético 

O jornalista Silvio Navarro foi esperto ao não dar destaque à atuação rocambolesca do então senador petista no caso Celso Daniel. Mas não agiu com a transparência e a correção que a imperiosidade do tema exige. Dividir a realidade dos fatos conforme conveniências não é um legado jornalístico que se deva respeitar, quando mais enaltecer. 

Para que os leitores entendam o significado dessa avaliação é preciso recorrer a textos que produzi para mostrar que Eduardo Suplicy foi patético durante os desdobramentos do assassinato. Leiam o que enderecei ao então senador em 10 de novembro de 2005, portanto há mais de 11 anos, sob o título “Mensagem a Suplicy sobre pastor evangélico”. Antes disso, porém, faço breve exposição de fatos que contribuirão ao entendimento do que vem a seguir. 

Trata-se do seguinte. Cinco dias antes de escrever aquela mensagem a Eduardo Suplicy (e que será reproduzida em seguida, não custa repetir), editei texto sob o título “Entre empresário real e fantasma evangélico”. O material foi fruto de uma entrevista com o delegado Armando de Oliveira, titular do DHPP, uma das repartições policiais do governo do Estado encarregada de apurar o assassinato de Celso Daniel. 

Perguntei ao delegado do DHPP se o pastor evangélico alardeado pelo senador Eduardo Suplicy existia de fato. A indagação sobre um dos pontos mais importantes do caso Celso Daniel (e cuidadosamente omito pelo jornalista Silvio Navarro) tratava da propagação pelo então senador da República, aliado aos promotores criminais instalados em Santo André, de que teria recebido telefonemas de um suposto pastor evangélico que, presente a uma festa numa residência defronte ao abalroamento do veículo dirigido por Sérgio Gomes, teve tempo, sangue frio e senso de oportunidade para gravar cenas que comprometeriam o amigo do prefeito Celso Daniel. Sérgio Gomes estaria, segundo o relato de Eduardo Suplicy, em ação colaborativa com os sequestradores de Celso Daniel. 

As declarações de Eduardo Suplicy foram feitas durante a CPI dos Bingos, também chamada de CPI do Fim do Mundo. Alguém que pretendia dar ao caso Celso Daniel dimensões e reações diversionistas, acabou se utilizando da notabilidade de Eduardo Suplicy para sustentar veracidade que de fato inexistia. Suplicy teria sido interlocutor ideal de uma farsa anunciada para jogar mais dúvida onde poderiam prevalecer pontos finais -- escrevi naquele artigo de novembro de 2005. 

A resposta do delegado Armando de Oliveira foi mais suave do que incisiva: “Entre as mais de 300 denúncias que recebemos sobre o caso Celso Daniel, tivemos informações as mais desencontradas possíveis. Como de uma mulher que é useira e vezeira em dar declarações fantasiosas. Por isso que o caso do pastor evangélico possa estar nessa configuração é perfeitamente possível. Até prova em contrário, o pastor está nesse contexto. O equívoco na valorização do que as testemunhas falam pode nos levar a erros irreparáveis” – afirmou. 

Que pastor evangélico? 

Agora sim reproduzo o texto sobre o pastor evangélico alardeado por Eduardo Suplicy, publicado cinco dias após a entrevista com o delegado do DHPP: 

 Caro senador Eduardo Suplicy. Estava de olhos e ouvidos colados nos depoimentos das viúvas do Toninho do PT e de Celso Daniel, em transmissão da GloboNews. Aliás, senador, nesse ponto, aquela emissora e também os parlamentares tiveram o bom senso de identificar Roseana Garcia e Ivone Santana igualmente como mulheres dos prefeitos assassinados. Pena que a mídia, de maneira geral, porque discriminadora, prefira atribuir apenas a Roseana o título de viúva. Ao que consta, cada uma tem um filho de seus ex-companheiros. Então, não seria por superioridade numérica de paternidade que se nomearia a diferença. Se falta papel passado no caso de Ivone Santana para sustentar a hipocrisia do uso do termo "companheira" ou "namorada", que se revogue então o Novo Código Civil. Mas isso é outra história. O que interessa, caro Suplicy, é o que o senhor disse sobre este jornalista. 

 De fato, não o ouvi ao sugerir que o senhor está sendo ludibriado por boa-fé, ingenuidade ou qualquer outra razão nessa versão do pastor evangélico. Nem preciso foi, porque é tão batida quanto o chão de terra em que foi encontrado o corpo do prefeito Celso Daniel, em Juquitiba. Ouvi-lo não acrescentaria nada no contexto da reportagem. Meus arquivos registram suas declarações a jornais diversos desde as primeiras repercussões do sequestro de Celso Daniel. Talvez nem sua assessoria tenha tanto material. O fato, caro senador, é que a essência da informação está corretíssima: o senhor está sendo levado por uma ação diversionista que visa colocar dúvidas onde poderiam se consolidar certezas. Talvez o senhor não se dê conta disso, porque, provavelmente, na ânsia de colaborar, não entende que está sendo usado. 

 Garanto-lhe, caro senador, que o mais interessado em que o pastor evangélico tão aludido saísse da ficção para a materialidade é Sérgio Gomes da Silva, o homem acusado pelo Ministério Público de ter planejado operação de arrebatamento que nem o mais criativo dos diretores de Hollywood seria capaz de programar -- a começar pelo resgate de Dionísio Severo na Penitenciária de Guarulhos. Sim, disponho de fontes que asseguram a expectativa de Sérgio Gomes pelo aparecimento do suposto pastor evangélico porque as imagens que saltariam do vídeo confirmariam investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal. Ou seja: ele é absolutamente inocente. É claro, senador, que o suposto pastor lhe contou enredo diferente. Não foi por outra razão que ele se apresentou como testemunha plantada, caro senador. 

 Segundo as mesmas fontes, o próprio Sérgio Gomes não teria esperança de que saltasse para a realidade o pastor evangélico que disse estar numa festa em casa defronte ao acontecido e que teria gravado tudo. Esse pastor, caro senador, agora segundo fontes policiais, é tão extraordinariamente confiável quanto muitas e muitas testemunhas que, crime ocorrido, crime noticiado, crime espetacularizado, relataram profusões de detalhes que, quando checados, simplesmente não tinham nexo. O caro senador certamente já ouviu falar dos loucos por futebol", não é verdade? Pois é: sempre que um crime com alguma celebridade ocorre, forma-se o esquadrão dos "loucos por testemunhar". Pois esse pastor evangélico, caro senador, garantem fontes policiais, faz parte desse time. 

 O senhor afirma que esteve reunido 30 dias depois do sequestro com o tal pastor evangélico. Seria ele mesmo pastor? Seria evangélico? Não teria sido um maluco qualquer a fustigar-lhe o ego, porque, ao procurá-lo, certamente o senhor se encheu de ânimo, entusiasmo e autovalorização. Como todos sabem, o senhor é um homem de credibilidade, de boa imagem. Teriam os articuladores da criação do pastor evangélico escolhido outro alvo mais qualificado e por que não mais suscetível à concretização do intento de jogar areia no ventilador de informações, senão o caro senador? Sei, caro senador, que poucos estariam dispostos a lhe endereçar essas explicações. A maioria não está nem aí com a elucidação do crime, já que o que lhes importa mesmo é disseminar dúvidas. Outros porque, como o senhor, acreditam piamente na existência do pastor evangélico, embora por motivações diferentes já que, como o senhor sabe, o caso Celso Daniel virou um Fla-Flu político, onde se está em jogo não a verdade dos fatos, mas a próxima disputa presidencial. Alguns outros não querem lhe chatear com a informação de que o senhor foi transformado em ponta-de-lança de obscuridade. 

 Trocando em miúdos, caro senador, o senhor está sendo rigorosamente ludibriado por manipuladores dos cordéis de intrigas que querem tudo, menos que o caso Celso Daniel seja esclarecido. Sabe o que me preocupa no comportamento do senhor, caro senador, além da santa ingenuidade de acreditar em fantasia? É a impressão de que o senhor não se relaciona bem com o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, também petista. Vocês estão brigados? No depoimento de Greenhalgh ainda recentemente à CPI dos Bingos notei que ele lhe endereçava olhares fulminantes. Outra coisa que me incomoda como jornalista é saber que o senhor acompanha os promotores públicos e o senador Romeu Tuma em oitivas de testemunhas do caso Celso Daniel mas não faz o mesmo esforço para ouvir os delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal que apuraram o crime como comum. Haveria, caro senador, alguma relação entre a possível hostilidade a Luiz Eduardo Greenhalgh e a proximidade com os promotores que, como se sabe, não têm relações minimamente saudáveis com o deputado petista? 

 Se o senhor procura uma variante sobre o caso Celso Daniel baseado em questionamentos legítimos, de quem quer a verdade apurada, tudo bem senador Eduardo Suplicy. Agora, se o senhor se embrenha por ramificações porque de alguma forma quer retaliar o trabalho de Luiz Eduardo Greenhalgh, então a história é outra, caro senador. Quem acreditar na segunda alternativa reservaria ao senhor a desconfiança de que está dando corda ao personagem do pastor evangélico por razões que não resvalariam minimamente na pureza de quem quer colaborar. Caro senador Eduardo Suplicy: gostaria imensamente de acreditar na versão da existência do pastor evangélico, mas esse enredo parece manjado demais para ser levado a sério. O senhor anda alimentando um embuste com pagamento de passagem. Nos meios policiais, caro senador, o que mais se ouve como resposta ao assunto são sonoras gargalhadas. 

 O senhor caiu no conto da testemunha tecnologicamente mais avançada. Sim, porque há falsas testemunhas de audição, de visão, de percepção. Testemunha de câmera de filmagem em punho supostamente comensal de uma festa que se apresenta sozinho, sem sequer o acompanhamento de outros convivas e, depois, misteriosamente, brinca de gato e rato com o senador, convenhamos, é uma atividade de mau gosto e desrespeitosa, porque, afinal, o senhor é senador da República. 

Senador Agente 86

Na semana seguinte – exatamente em 17 de novembro de 2005 – voltei a escrever na então newsletter CapitalSocial Online, sob o título “Mais uma mensagem ao Agente 86, senador Suplicy” sobre as trapalhadas do então senador petista. Leiam o texto completo e entendam as razões de não se compreender a supressão das fanfarronices histriônicas de Eduardo Suplicy do livre de Silvio Navarro – não fosse a farsa do enredo a melhor explicação, claro. 

 Desculpe, senador Eduardo Suplicy, pela inconfidência. É que escapou, num descuido quase que voluntário, desses que dão comichão de tornar o texto menos formal, chamá-lo de Agente 86. O senhor certamente sabe de que se trata essa antiga e quase proscrita série do detetive Agente 86, cujo ator morreu ainda recentemente. Aliás, morreu um pouco antes de um palhaço genuinamente nacional e muito mais divertido, o nosso Ronald Golias. Sabe, senador, a atuação do senhor no último final de semana prolongado foi digna mesmo de um agente trapalhão. Talvez o senhor esteja buscando performance de um 007, mesmo que envelhecido, mesmo que fora de forma física e plástica, mas, convenhamos, saia dessa. Pior que o senhor, caro senador da República, com todo o respeito que o senhor merece, só os jornalistas que correram atrás de suas "investigações" nos Três Tombos. 

 Devo confessar que o senhor e a sua assessoria são de primeira linha. Sabem exatamente como ocupar espaços na mídia. Os senhores pautam essa descuidada mídia que compra gato por lebre sem pestanejar. Ainda mais em final de semana prolongado, quando as redações de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão estão às moscas, com esquemas de folga pré-concebidos, chefias gozando delícias do campo e da praia. Pode cair o mundo que são os contingentes de sempre dos finais de semana prolongados que vão tratar das notícias. A perspectiva de que nada de importante acontecerá é o padrão dos chefes de redação. Se cair o mundo, que se danem os leitores, os ouvintes e os telespectadores. 

 O senhor pegou muito bem essa onda, caro senador da República. Sua assessoria deve estar bem informada sobre os buracos da mídia. Foi aos Três Tombos, fez o papel do Agente 86 e todos caíram feito patos na lagoa. Essa mídia é tão descuidada, senador! O senhor e sua assessoria de imprensa sabem disso.  Não pense o senhor que esteja este jornalista usando de sarcasmo para desclassificar sua pífia atuação de investigador de polícia. Nada disso. O que pretendo, no fundo, no fundo, é sugerir certos cuidados ao senhor. Sua imagem, que é uma maravilha em honradez e ética, pode começar a sofrer avarias. Afinal, é impossível que a mídia seja o tempo todo tão sofrível, tão acrítica, tão facilmente usada, e o senhor saia sempre como cavaleiro da esperança que retirará o caso Celso Daniel das penumbras de dúvidas criadas, como o senhor sabe, por razões que vão muito além dos Três Tombos, invadem palácios e outros endereços. 

 Sabe, caro senador Eduardo Suplicy, o senhor acabou erigindo uma fortaleza à argumentação dos advogados de defesa de Sérgio Gomes da Silva com a abordagem a duas novas testemunhas que teriam visto fragmentos do arrebatamento do prefeito Celso Daniel? Verdade! O senhor, ao contrário do que divulgou a maioria da mídia deliberadamente contrária à apuração da Polícia Civil, do DEIC e da Polícia Federal de que se trata de crime comum, o senhor, como estava dizendo, caro senador, acabou por ajudar no reforço da tese de crime não-político, embora fizesse tudo, mesmo que numa dissimulação manjada, para oferecer a cabeça de Sérgio Gomes ao banqueteamento geral e irrestrito. Vamos por parte para revelar o que foi traduzido de forma incorreta pela mídia, com seu preciosíssimo aval de Agente 86? 

 A dona de casa que relatou o sequestro e que avocou o testemunho de uma irmã que passava férias em seu apartamento disse a verdade verdadeira quando afirmou que apenas Celso Daniel foi retirado do carro e que só depois percebeu que Sérgio Gomes estava ao lado da Pajero. Pois foi exatamente esse o enredo documentado em depoimentos à Polícia Civil. Sérgio Gomes estava às voltas com a tentativa de fazer o carro andar (versão que o delegado do DHPP, Armando de Oliveira, sustenta ser absolutamente lógica) que mal percebeu que Celso Daniel, no banco de passageiro, abriu a porta (conforme consta de depoimentos de um dos sequestradores) para pedir calma aos marginais. Foi então (e os olhos da moradora acompanharam tudo a distância) que os sequestradores levaram o prefeito embora. 

 É normal que a irmã da moradora tenha estranhado que Sérgio Gomes tenha ficado para trás, que os marginais não o tenham levado também. Aliás, outras testemunhas do caso, ouvidas pela Polícia, relatam situação semelhante. Com tanta audiência, já que o movimento nos Três Tombos não é de cemitério, seria mais que imprevidência, seria loucura mesmo, os sequestradores esticarem a operação e capturarem o motorista que, segundo consta de relatos à Polícia Civil, presumivelmente não passaria mesmo disso, de simples motorista. A distância que separava a moradora-testemunha do arrebatamento de Celso Daniel não permite, evidentemente, qualquer juízo de valor sobre a expressão facial de Sérgio Gomes. 

 No mínimo, no mínimo, a testemunha que a Imprensa induziu à criminalização de Sérgio Gomes, de fato o inocentou. Basta ler o depoimento de uma testemunha considerada chave do Ministério Público que, num relato contestadíssimo pela Polícia Civil, disse ter observado (pelo retrovisor do veículo que dirigia) Sérgio Gomes da Silva em ação de colaboração com os sequestradores. Ora, bolas: se a moradora-testemunha, do alto de seu apartamento, observou um Sérgio Gomes ao celular, como ele, ao mesmo tempo do desenvolvimento da ação de captura de Celso Daniel, estaria dando suporte aos sequestradores? Das duas uma, caríssimo senador: ou a moradora-testemunha que lhe relatou os lances do sequestro está mentindo, ou é a testemunha do Ministério Público que viu demais. 

 A outra testemunha que o caro senador da República levou às páginas dos jornais e ao noticiário das redes de rádio e TV afirma que saiu à janela e observou, pós-sequestro, que Sérgio Gomes estava ao telefone celular e que parecia, vejam só, parecia, estar tranquilo. Há relatos testemunhais no inquérito policial que refutam frontalmente a suposta tranquilidade de Sérgio Gomes. Mas isso não é o mais importante. O que vale mesmo é a fidelidade do fato da segunda testemunha quando relata Sérgio Gomes ao celular. O acompanhante de Celso Daniel utilizou o aparelho diversas vezes após o sequestro. Primeiro para chamar a polícia. Depois, para se comunicar com o próprio sequestrado, deixando-lhe mensagem na caixa postal. Depois, ligou para os amigos. A quebra do sigilo telefônico de Sérgio Gomes pela Polícia Civil comprova essas iniciativas. 

 Não pretendia escrever hoje sobre esses novos lances do caso Celso Daniel, mas não resisti a telefonemas de leitores fiéis desta newsletter que, encarecidamente, pedem esclarecimentos.  Não me furtaria a escrever porque estou cada vez mais boquiaberto com a incapacidade da mídia em recepcionar as informações e, antes de torná-las matéria-prima de novos bombardeios, confrontar os dados com as peças policiais. Quem quer que tenha acesso aos inquéritos saberá que tanto uma nova testemunha quanto outra reproduzem respectivos olhares e sensações que, entretanto, não podem estar descolados de um conjunto sistêmico de outros testemunhos e informações. 

 A mídia ainda não se deu conta ou finge que não se deu conta de que o caso Celso Daniel na esfera criminal é uma coisa e na esfera administrativa é outra. Por querer juntar alhos com bugalhos, comete sucessão de incorreções que transformam o senador Eduardo Suplicy em exemplar quase irretocável de Agente 86. Sim, porque não tem sentido o caro senador sair das lides congressuais para as quais foi eleito e, num improviso populista e espetacularizador, travestir-se de detetive. Mas, mesmo admitindo que o fizesse, por surto de justiça, que, pelo menos, soubesse ler as mensagens dos testemunhos que, diferentemente do próprio senador e dos repórteres que lhe deram guarida, não colocam mais pedras sobre o caixão do morto-vivo Sérgio Gomes. Pelo contrário: aliviam consideravelmente o impacto de acusações eivadas de subjetividades próprias de depoimentos tópicos. 

 Caro senador Eduardo Suplicy: não vou escrever neste artigo nada sobre o fantasma do pastor evangélico que anda assombrando sua alma, porque, como o senhor sabe e até prova em contrário, tudo não passa de brincadeira de mau gosto de quem pretende expô-lo ao ridículo. Já sobre o testemunho dos sequestradores que, durante todo o dia e noite de segunda-feira, reafirmaram o enredo de crime comum, nada mais a declarar, caro senador. Se os próprios bandidos decidem manter a verdade e, com isso, desprezam vantagens de redução da pena a ser cumprida, o que se pode fazer para reiterar que aquela noite de 18 de janeiro de 2002 foi um acidente de percurso que deveria atingir, como se sabe, o comerciante do Ceagesp? Por falar nisso, caro senador, me liga que lhe passo o telefone celular daquele empresário, cuja foto está na edição de novembro da revista Livre Mercado. Um abraço e cuidado com as más línguas. Agente 86 é divertidíssimo -- mas desabonador.

Resposta lacônica

Duas semanas após o artigo, entrevistamos o senador Eduardo Suplicy. Foram-lhes encaminhadas, via e-mail, várias indagações. Especificamente sobre o pastor evangélico que ele deu ampla publicidade como prova de que o sequestro de Celso Daniel foi coordenado por Sérgio Gomes, eis a pergunta que lhe enviei e a resposta que dispensa comentários porque, de fato, o pastor não passava de um estelionatário detido pela Polícia Federal: 

Pergunta -- Temos informações de fontes confiabilíssimas de que o pastor evangélico que o senhor afirma ter conversado pessoalmente e por telefone, e que também teria conversado por telefone com o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, não passa de um embuste. Vamos traduzir a questão: os senhores conversaram com um impostor. Alguém que foi plantado para dar ao caso mais um ramal de diversionismo. A fita que ele diz possuir e que incriminaria Sérgio Gomes foi um lance adredemente preparado para confundir, não para esclarecer. O que o senhor, envolvido na história, explica sobre isso?

Eduardo Suplicy – De acordo com informações da Polícia Federal, a partir de investigações realizadas com os dados que forneci, aos quais dei publicidade na reunião da Subcomissão da CPI em São Paulo, na segunda-feira, e na reunião da CPI em Brasília, dessa terça-feira, a pessoa que me procurou não era um pastor e está respondendo a alguns processos. Mas essas mesmas informações não são conclusivas com relação à existência ou não de uma fita sobre o momento do sequestro.

O então senador petista fez-se, portanto, de desentendido. Mantive tempos depois breve diálogo com ele. Fiz-lhe uma abordagem contundente: ele teria a ideia do custo à imagem de Sérgio Gomes da Silva, decorrente do fato de ter propagado à mídia em geral que descobrira um ponto-chave que desvendaria a morte do prefeito Celso Daniel? Os jornais e as emissoras de TV que deram ampla cobertura ao indianajonismo de Eduardo Suplicy praticamente se calaram diante da informação de que o senador caíra no golpe de um estelionatário, a quem pagou inclusive passagem de avião a Brasília. Como Silvio Navarro, autor do livro, há assuntos que não interessam porque contrariam a farsa de crime de encomenda.  



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