Num universo varejista cada vez mais dominado pelas grandes redes, principalmente nas regiões metropolitanas, a única alternativa de sobrevivência ao alcance dos pequenos é adicionar arte no próprio negócio. É preciso investir em atendimento ultra-personalizado e oferecer produtos diferenciados ou outros recursos que individualizem a transação. Caso contrário, a queda diante dos gigantes é praticamente fatal. Os pequenos precisam se tornar artesanais, na melhor acepção da palavra, já que não é possível guerrear com os líderes no front dos preços e da variedade do mix.
Essa é uma das conclusões do consultor Edson Zogbi, especialista em Marketing de Varejo e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing entre 1990 e 2001, antes de atuar na rede C&C — Casa e Construção. O horizonte de ultra-especialização é particularmente interessante para o Grande ABC que assistiu à explosão de pequenos negócios comerciais e de serviços a reboque da desindustrialização.
Mas nem só de competência individual sobreviverão os pequenos comerciantes jogados às feras da globalização e da improvisação. O consultor lembra que as associações de lojistas devem se organizar para transformar ruas inteiras em verdadeiros shoppings ao ar livre a fim de seduzir consumidores cada vez mais exigentes. Cita como exemplos intervenções urbanísticas realizadas nas ruas João Cachoeira e Oscar Freire, na Capital. Essas e outras sugestões integrarão o livro Inovação no Varejo, O que Faz o Lojista Criativo, que deve ser lançado no início de 2005.
A domesticação da inflação e a globalização econômica criaram um divisor de águas no varejo brasileiro. Como esses dois processos revolucionaram o comércio?
Edson Zogbi — O varejo não só se beneficiou com a queda da inflação a níveis administráveis, como aproveitou a entrada de produtos importados para virar o jogo perante as indústrias fabricantes de bens de consumo. No primeiro caso, por ter mais tempo disponível e menos investimento em remarcações diárias na época da inflação, e por ter maiores recursos da informática para gerir seu negócio. E no segundo, por livrar-se da imposição de preços e produtos por parte da indústria. É notório o caso das lojas Mappin, que importou fraldas descartáveis da Argentina e as venderam a preços 50% menores do que a única opção nacional na época. Esse é um caso típico de aproveitamento da abertura de mercado para posicionar a loja ao lado do consumidor, livrando-o do abuso de preços. Desde então, o varejo começou a se organizar melhor e decidir como definir seu mix de produtos, o que profissionalizou o mercado muito rapidamente.
Os profissionais de marketing estão preparados para essa nova realidade?
Edson Zogbi — Na grande maioria não. Nas últimas décadas, o ensino focou exclusivamente a administração de marketing para os fabricantes, suas linhas de produtos e suas marcas. Nada, ou quase nada foi estudado sobre o varejo. Hoje, as instituições de ensino começam a disponibilizar cursos de graduação, pós-graduação e MBA sobre o varejo, mas existe muita adaptação do corpo docente para ensinar o assunto. São praticamente os mesmos professores que ensinavam marketing nos moldes da indústria, aprendendo o varejo junto com seus alunos. As grandes redes de varejo e os shoppings concentram os profissionais de marketing mais especializados no assunto. Acredito que, após alguns anos, a disseminação da cultura própria do varejo por intermédio desses profissionais, através do ensino ou por métodos empíricos, diminuirá esta defasagem de conteúdo.
O senhor detecta como tendência de curto prazo a eliminação do médio varejista com subsequente fortalecimento dos grandes grupos e também dos artesanais. O que torna médios varejistas presas fáceis e quais características transformam os artesanais em força competitiva num universo dominado pelos gigantes?
Edson Zogbi — Generalizar é contrariar o marketing. Isso me lembra de quando lecionava na ESPM e os alunos tratavam o livro do Philip Kotler — Administração de Marketing — como a Bíblia do marketing. A obra é básica, mas não encerra o assunto. Pelo contrário, abre enorme universo de possibilidades. Tratar uma tendência como regra é arriscado.
Uma tendência é um movimento de mudança e pode ou não ser seguido. Se a opção for segui-la , o ideal é ter dois momentos de ação. No primeiro, identificamos a tendência como uma onda e nos adequamos para não ficar fora do contexto. No segundo momento, aí sim, assumindo todos os riscos, entramos na onda da tendência. Este é o momento de inovar e de sermos criativos.
O varejista médio tende a desaparecer porque o consumidor tem as mesmas expectativas quando entra numa loja média ou numa loja grande e, para se tornar competitivo, só lhe resta crescer, tendo todas as qualidades dos grandes, como mix, preço, prazo, facilidades, serviços, entre outros. Nesse caso, ele desaparece porque caminha para ser grande. O consumidor tem expectativa sobre o seu sucesso. A outra possibilidade é o encolhimento do médio varejista. É uma estratégia possível, mas tem de ser muito bem assessorada para não deteriorar a imagem da loja na mente do consumidor. Quanto aos artesanais, pela própria definição, eles tendem a sobreviver. Eles colocam arte no negócio, seja no atendimento ultra-especializado, seja em produtos exclusivos ou qualquer outro recurso que personalize a transação comercial a ponto de o consumidor se dispor a pagar mais por isso. Quando identifico uma tendência, busco fazer um alerta do tipo aí vem uma onda. Alguns vão ficar de fora, contrariando a tendência. Outros vão tentar surfá-la, adequando-se a ela. Outros vão dar um show de surf, sendo inovadores e criativos. O importante é cada modalidade do varejo fazer sua análise e se posicionar. O posicionamento é a palavra-chave, porque indica que o varejista parou, pensou e decidiu sobre o assunto.
O último levantamento da Abras mostrou que 65% do faturamento do setor está nas mãos de pequenos varejistas, índice que pode transmitir a falsa impressão de predomínio generalizado dos pequenos quando se sabe que nas regiões metropolitanas as grandes redes nacionais e internacionais imperam e dão o tom. O senhor enxerga futuro para o pequeno comércio familiar nas regiões metropolitanas priorizadas pelos gigantes? A questão é particularmente importante para o Grande ABC que viveu verdadeiro boom de pequenos negócios familiares a reboque do desemprego industrial dos anos 90.
Edson Zogbi — Ainda aproveitando o assunto anterior, os pequenos têm um mundo de ações possíveis que podem torná-los mais rentáveis, ou fazê-los crescer, ou até virarem franqueadores. É só uma questão de planejamento. Na história do varejo, muitos dos grandes nasceram pequenos, e isso tem se repetido há séculos. O que faz a diferença é a maneira como o varejista trata seu negócio. Ele deve buscar ser profissional e inovador constantemente. Aliás, esse é o tema do livro que lançarei no começo de 2005: Inovação no Varejo, O que Faz o Lojista Criativo.
Como enxerga o Grande ABC em relação ao potencial ou saturação comercial nas diversas modalidades varejistas tendo como pano de fundo a seguinte realidade paradoxal: a região ostenta o terceiro potencial de consumo do País, de acordo com a Target Marketing, mas perdeu mais de 30% da geração de riqueza industrial nos últimos nove anos, com base no Valor Adicionado.
Edson Zogbi — O ABC está passando por grandes mudanças, e essas mudanças trazem as oportunidades para quem quer investir e crescer. No passado as indústrias produziam muita riqueza na região, mas boa parte do consumo era feita em São Paulo. Agora as indústrias geram menos riqueza, mas o consumidor gasta mais na região. O mercado é assim, dinâmico, e o varejista tem de acompanhá-lo. A depuração comercial, que vem após a saturação, acontece constantemente em qualquer mercado. A vantagem do ABC é que concentra muita riqueza em relação ao resto do Brasil. Digo que não é hora para ser pessimista. Aliás, para o varejista, nunca deve haver hora para ser pessimista.
Especificamente no universo dos shopping centers, há exemplos de empreendimentos sólidos, como o Metrópole, de São Bernardo, o ABC Plaza e o Shopping ABC, de Santo André, mas não faltam combatentes mortos e feridos que chegaram a ter glamour no passado, como o Best Shopping, fechado em São Bernardo, o Golden Shopping, visivelmente agonizante no mesmo Município, além do Shopping São Caetano, que mudou a vocação para centro empresarial. Como o senhor analisa esse quadro de fartura e de dificuldades em um mesmo território?
Edson Zogbi — Trabalhando como consultor de varejo há 20 anos, percebo que existem comerciantes e investidores-comerciantes. Os primeiros gostam muito do que fazem e por isso mesmo aprendem constantemente sobre o assunto. Normalmente eles sobrevivem. Os segundos descem de pára-quedas com capital para investir e nem sempre conseguem sobreviver. As causas são muitas: despreparo do próprio investidor, falta de envolvimento, delegação a profissionais sem experiência no ramo, entre outros. Em alguns casos, os investidores-comerciantes fazem bonito, mas basta pesquisar para descobrir que estão com as pessoas certas nas funções certas.
Recentemente o Shopping ABC foi ampliado de maneira heterodoxa, com a transformação de ala de estacionamento em piso loft, marcado pelo despojamento do ambiente. Trata-se de tendência entre os shoppings brasileiros?
Edson Zogbi — O consumidor é ávido por mudanças. Imagine que ele frequenta shoppings há décadas. Uma novidade sempre será bem recebida. A chave está num bom planejamento. No caso do Shopping ABC, optou-se por dar leveza ao novo piso, além das novas lojas âncoras com perfis diferenciados. É uma excelente estratégia. A maior tendência nesse setor está em reduzir a sensação de confinamento que um shopping passa. O consumidor está confinado na sua casa vendo TV, no seu carro com vidros fechados, no trabalho de muitas horas. Então, tudo o que proporcionar leveza e espaço maior será agradável e ele frequentará.
Os administradores de shopping centers conhecem a importância de um mix bem formatado de lojas para a longevidade do empreendimento. Basicamente, a oferta de lojas deve ser estrategicamente abrangente e equilibrada a fim de proporcionar demanda para todos e evitar canibalismo entre condôminos comerciais. No comércio de rua, entretanto, vigora um verdadeiro vale-tudo em que no mesmo quarteirão se amontoam lava-rápidos ou pequenos mercadinhos que se sufocam mutuamente. Trata-se de efeito inexpugnável do livre mercado ou denota limitações do poder público municipal que poderia e deveria agir estrategicamente como administrador do mix de um grande shopping center, que é a cidade?
Edson Zogbi — O poder público no Brasil não tem conseguido resolver as coisas mais básicas da população. Não acredito que isso seja prioridade e nem que tenha know-how para isso. Diante desse cenário, a rua permanecerá por muitos anos como está. As associações de lojistas podem se organizar e transformar ruas inteiras em shoppings ao ar livre. Esses movimentos foram muito fortes antes do advento dos shoppings. Depois caíram no esquecimento. Hoje já vemos locais que se organizam e voltam a tratar o assunto com seriedade, união e competência. Veja os casos em São Paulo, da Rua Oscar Freire e da Rua João Cachoeira. Mesmo os centros comerciais mais populares devem se organizar e se movimentar nesse sentido, além dos especializados, como a Rua Jurubatuba de São Bernardo, com lojas de móveis.
No setor de venda de materiais para construção, quais as perspectivas em relação à concentração de mercado?
Edson Zogbi — O setor de materiais de construção segue a mesma história dos supermercados no Brasil. Com a implantação do auto-serviço, vieram as grandes lojas e com as grandes lojas as mega-fusões. Tive a oportunidade de dar consultoria para a Madeirense e posteriormente para a C&C Casa & Construção e conheci a fundo os dados desse segmento. Esse setor segue a tendência de sobrevivência dos grandes e dos pequenos, mas com uma diferença: os pequenos sobrevivem não por serem artesanais, mas por serem a primeira opção de conveniência para pequenos reparos e reformas. A lojinha ao lado da minha casa, como o consumidor costuma dizer. Esse segmento no ABC não será diferente do resto do Brasil.
Qual o estágio atual e os prováveis horizontes do comércio eletrônico no Brasil?
Edson Zogbi — O comércio eletrônico é o futuro de grande parte do comércio mundial. Hoje, no Brasil, cresce a passos largos. Só não acelera mais porque a base de computadores pessoais residenciais ainda é muito pequena. Setores inteiros do comércio devem desaparecer das ruas por conta das lojas virtuais, mas como o varejo é mudança, dinâmica e inovação, sempre haverá um local não virtual para consumirmos prazerosamente. Vamos tomar um café ali na esquina?
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira