Administração Pública

Santo André dá
adeus ao atraso

ANDRE MARCEL DE LIMA - 07/12/2004

Santo André está despertando para novos tempos. Tempos de múltiplas oportunidades urbanísticas e socioeconômicas. Com a recente aprovação do projeto de lei que flexibiliza o uso do solo, a cidade de 670 mil habitantes ganha liberdade para atrair empreendimentos residenciais e comerciais essenciais para a recuperação de áreas degradadas pela evasão industrial. E os primeiros resultados já estão surgindo: a construtora paulistana Goldfarb vai erguer condomínio residencial de 360 casas em terreno que já foi ocupado pelas indústrias IAP/Copas na Avenida Industrial ao mesmo tempo em que uma rede atacadista multinacional se prepara para ocupar megaterreno na Avenida dos Estados. “Trata-se apenas do início de série de empreendimentos favorecidos pela nova legislação” — ressalta Irineu Bagnariolli, secretário de Desenvolvimento Urbano de Santo André.

O projeto da Goldfarb foi antecipado na edição de agosto de LivreMercado, em reportagem sobre os prováveis desdobramentos do projeto encaminhado à Câmara de Vereadores em março último pela secretaria de Desenvolvimento Urbano. Com a aprovação em 23 de novembro, o plano começa a se tornar realidade com o início das obras em janeiro. Serão 360 casas de 75 metros quadrados com duas vagas na garagem, em ambiente seguro e confortável no estilo dos condomínios fechados que proliferam pelo Interior paulista. 

Mais importante que atributos internos são os desdobramentos urbanísticos ativados pelo empreendimento de Primeiro Mundo. O Poder Público espera que o entorno degradado do terreno de 56 mil metros quadrados dê salto de qualidade com a chegada dos moradores. “No conceito moderno dos urbanistas, gente circulando é sinônimo de recuperação e desenvolvimento” — explica Irineu Bagnariolli.

Evasão industrial

A degradação na órbita do que restou das indústrias IAP/Copas na Avenida Industrial é reflexo da evasão que afetou Santo André nos últimos 30 anos na esteira da guerra fiscal, do inchaço dos custos de produção e da compactação tecnológica das plantas produtivas. A vivacidade urbana proporcionada pelas fábricas cedeu lugar ao ambiente deserto e inóspito onde proliferaram crimes, tráfico de drogas e prostituição. Mas essa realidade tem tudo para mudar dentro de dois ou três anos, prazo de conclusão do empreendimento.

Por isso, o caso Goldfarb é espécie de símbolo das possibilidades proporcionadas pela lei aprovada pela Câmara. E qual é, afinal, o pulo-do-gato permitido pelos vereadores? O novo regulamento permite construção de condomínios residenciais fechados verticais ou horizontais em terrenos com dimensões superiores a 10 mil metros quadrados. 

A regra vale para toda cidade, mas abriu múltiplas possibilidades principalmente para o chamado Eixo Tamanduatehy, que soma perto de dois milhões de metros quadrados disponíveis ao longo da Avenida dos Estados, Avenida Industrial e outras vias próximas afetadas pela evasão de empresas. “Como muitos terrenos e galpões abandonados ao longo do eixo têm mais de 10 mil metros quadrados, a reocupação ficava emperrada” — explica Irineu Bagnariolli. “Duas outras construtoras já procuraram a secretaria com intenção de construir condomínios horizontais” — revela o secretário.

Escala de produção

Para compreender os efeitos da nova legislação do mercado imobiliário de Santo André é preciso recorrer a preceitos básicos de economia de mercado. Empreendedores imobiliários não se interessam em construir condomínios residenciais horizontais em terrenos inferiores a 10 mil metros quadrados porque a restrição espacial engessa a escala de produção, leva ao encarecimento do preço dos produtos e inviabiliza a dinâmica da comercialização. 

Para oferecer casas em condomínio fechado a preços mais enxutos ou vantajosos sob a ótica da relação custo versus benefício, os empreendedores precisam contar com áreas mais amplas que permitam construir maior quantidade de unidades e, assim, tirar a rentabilidade da escala e não necessariamente da sofisticação ou da diferenciação dos produtos. Essa lógica de democratização e acessibilidade falou alto ao governo petista de Santo André, sensível a questões de caráter social.

Mas a explicação não está completa. Se a escala de produção é tão importante, por que empreendedores imobiliários não optam por condomínios verticais que proporcionam aproveitamento espacial muito maior? Aí entra a lendária lei de oferta e procura. “O mercado de prédios de apartamentos explodiu nas décadas de 70 e 80 e hoje está saturado em Santo André. Condomínios horizontais são a tendência do momento — explica Irineu Bagnariolli, confirmando reportagens de LivreMercado que apontam nessa direção. “A alteração é espetacular”. Vai fomentar a indústria da construção civil” — comenta João Carolino Ramos, diretor da construtora JCR, há 25 anos em Santo André.

Mais empreendimentos

A eliminação da limitação espacial que restringia a construção de condomínios horizontais não é a única novidade de peso do projeto aprovado pela Câmara. Outra cláusula carregada de potencialidades socioeconômicas é a que passou a permitir instalação de comércio atacadista no trecho da Avenida dos Estados que compreende da Rhodia Têxtil ao Wal-Mart. É exatamente em um ponto dessa extensão que grande rede atacadista está pronta para se instalar, confidencia Irineu Bagnariolli. “A instalação só depende da negociação com os proprietários do terreno” — comenta o secretário.

Condomínios horizontais e redes atacadistas representam atualização do projeto urbanístico Eixo Tamanduatehy, lançado com a missão de atrair prestadores de serviços de alto valor agregado, sob conceituação de Celso Daniel. Como a intenção original se mostrou insuficiente para ocupação dos dois milhões de metros quadrados disponíveis, a administração abriu o leque favorecido pelos ventos da nova lei. 

Além de desatar nós cruciais para o desenvolvimento urbano e socioeconômico o texto aprovado também toca em outras questões importantes, porém pontuais.

Caso da liberação para que comissões de moradores possam requerer documentação necessária à regularização de condomínios — prerrogativa até então exclusiva das construtoras. Trata-se de saída de emergência para consumidores imobiliários obrigados a assumir as rédeas da construção em casos como o da malfadada Encol.

Plano social

O Plano Diretor sob apreciação da Câmara de Vereadores é muito mais do que simples instrumento de orientação do crescimento urbano e ocupação espacial. No caso de Santo André, o compêndio de 191 artigos é ferramenta dedicada ao fortalecimento do papel socioeconômico do patrimônio fundiário, conectada, inclusive, ao ideal de reocupação e desenvolvimento determinantes para a aprovação da lei que flexibiliza o uso do solo.

A preocupação com o papel social da terra é flagrante no artigo que determina a utilização compulsória de terrenos com mais de mil metros quadrados ociosos ou subutilizados. Proprietários de terrenos abandonados ou com menos de 20% da área aproveitada serão compelidos a encontrar destinação produtiva sob pena de ingressar em regime de progressividade que pode encarecer o IPTU em 15% cinco anos após a notificação pela Prefeitura. “Vamos desestimular a reserva imobiliária para especulação e induzir a utilização e o desenvolvimento” — sintetiza Claudia Virgínia, diretora de Desenvolvimento Urbano. 

Claudia Virgínia conta que cerca de 400 terrenos considerados improdutivos já foram cadastrados e que a Prefeitura aguarda aval da Câmara para iniciar notificações. Diante desse fato, impossível não captar a simultaneidade estratégica de ações entre o Plano Diretor e a lei recentemente aprovada. 

Fim de amarras

A administração liberou amarras para potencializar a atratividade de grandes áreas abandonadas por indústrias ao mesmo tempo em que estimula o desapego dos proprietários e a inserção dos terrenos na roda da fortuna do mercado imobiliário. Mas os resultados virão no longo prazo. “Os proprietários serão notificados, terão dois anos para apresentar projetos de aproveitamento dos terrenos e outros cinco pagando IPTU progressivo. Depois deste período, a Prefeitura pode recorrer à desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. O trabalho leva tempo mas precisa ser implementado o quanto antes” — considera.

Outra cláusula claramente convergente aos interesses sociais é a que prevê a figura jurídica da outorga onerosa. Trata-se de contribuição compulsória que empreendedores imobiliários terão de pagar ao poder público caso desejem construir além do patamar previsto na Lei de Zoneamento. Os recursos financeiros da outorga onerosa serão reunidos em fundo especificamente destinado a obras de infra-estrutura, urbanização de favelas e construção de habitações populares, principalmente na faixa que engloba bairros como Vila Luzita, Jardim Irene e Cata Preta.

Participação social 

O Plano Diretor de Santo André foi elaborado com intensa participação de movimentos sociais, ambientais e empresariais, além de técnicos, e não de maneira unilateral, no interior de gabinetes da Prefeitura. O material que chegou ao Legislativo é resultado de 18 meses de plenárias públicas e pretende atualizar a diretriz de 1976 que, de tão ultrapassada, é continuamente remendada por projetos de lei. “A pilha de leis complementares é imensa” — comenta Claudia Virgínia. 

Um dos maiores sinais de fadiga do material é a segregação espacial entre indústrias, estabelecimentos comerciais, de prestação de serviços e residenciais dos tempos em que atividades produtivas e habitações eram como água e óleo — não se misturavam. Hoje, como lembra Irineu Bagnariolli, há botecos que incomodam mais do que atividades não poluentes da indústria do conhecimento. Como os tempos mudaram, as leis têm de mudar. “O novo Plano Diretor agrupa atividades por níveis de incômodo, e não por setores como no passado. Isso significa que é possível ter uma empresa de desenvolvimento de softwares em área dominada por residências, mas não uma transportadora de cargas próxima de uma escola ou museu” — explica o secretário.



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