Administração Pública

Academia dá
lição de governo

VERA GUAZZELLI - 11/01/2005

A gestão pública chegou ao limite das possibilidades empíricas e não deixou espaço para modelos de administração apoiados apenas em boa vontade. Exatamente por isso há cada vez mais necessidade de mobilização nacional para abordar o tema da especialização acadêmica do funcionalismo público. Um dos braços de influência da disseminação dessa filosofia é o Eneap (Encontro Nacional de Estudantes de Administração Pública), que chega em 2005 à quarta edição e terá como sede Santo André. 


As datas ainda não foram definidas, mas a comissão organizadora já mantém contatos com representantes da Prefeitura para viabilizar o evento antes do final do primeiro semestre.


A idéia de capacitar o funcionalismo público de Santo André não é recente. Antes de reassumir a Prefeitura em 1997, o então deputado federal Celso Daniel, que lecionava na Fundação Getúlio Vargas, fundou a Escola de Governo hoje dirigida pela socióloga Ivone Santana. Tratava-se, no entanto, de curso meramente técnico. Quase 10 anos depois, a criação de uma graduação na Uni-A (Centro Universitário Santo André) aglutinou essa experiência à expectativa de executivos da livre iniciativa, do Poder Público e do meio acadêmico. 


Expandindo experiência 


O professor Jaime Guedes, diretor da instituição, o ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira Sousa, mestre em administração pública, o empresário Wilson Bonfim e os executivos Nelson Tadeu Pereira e José Batista Gusmão decidiram pôr a mão na massa e levar para dentro da sala de aula conhecimentos que o administrador público moderno deve ter para trabalhar melhor orçamentos e demandas. A primeira turma de graduação se formou em dezembro último e os pós-graduados encerraram o curso em julho do ano passado.


O despertar de cursos de formação e capacitação do funcionalismo surgiu da exigência da sociedade em relação a eficiência do serviço público. Na mesma balança ainda pesou Lei de Responsabilidade Fiscal ao impor sanções às administrações maior cautela e zelo com receitas e orçamentos. 


No entanto, a idéia de que o administrador público deva ser alguém capacitado tecnicamente não descarta o diálogo político. Não há saber técnico isento de visão de mundo e permeado por ideologias.

Há consenso entre docentes de escolas de governo de que a influência acadêmica na gestão pública permite que as ações administrativas fiquem mais transparentes e dificulte atos ilícitos porque cria mecanismos de controle e visibilidade da iniciativa privada. 


Conhecimento indispensável


A partir da capacitação acadêmica, também a imagem depauperada do servidor público brasileiro pode ser diluída numa solução incrementada de conhecimento e método. Os cursos de Administração Pública funcionam como soro revitalizante e necessário nesses tempos de exigência de alta performance e preparo multidisciplinar. O funcionário público que se especializa mostra interesse em melhorar o serviço prestado e isso salta aos olhos do principal usuário: a população. Ao mesmo tempo, permite-se ascender na carreira e almejar remunerações mais condizentes com o potencial de trabalho desenvolvido. 


Embora recente, o curso de Administração Pública da Uni-A despertou atenção na rede de escolas do gênero em todo o País. A participação ativa da delegação de Santo André no 3º Encontro Nacional de Estudantes de Administração Pública (Eneap), em Minas Gerais, em julho de 2004, foi fundamental para a programação do evento no Município. “O propósito do encontro é afunilar as questões comuns a todos os cursos de Administração Pública, envolvendo estudantes e egressos que atuam como gestores públicos” — pontua o coordenador dos cursos da Uni-A, Klinger Sousa. 


O 3º Eneap reuniu cerca de 500 estudantes de quase 30 centros formadores de graduação e pós em Administração Pública. “Trazer o evento para Santo André significa oportunidade de apresentar para cidadãos e gestores públicos de outras localidades nosso modo de governar e as práticas vitoriosas da atual administração pública” — diz o coordenador do projeto Cidade Futuro, José Batista Gusmão, que cursou a pós-graduação da Uni-A. 


Da prática à teoria 


O executivo afirma que a maior parte dos participantes do 3º Eneap não tinha experiência em serviço público, ao contrário da delegação de Santo André, que trilhou caminho inverso: ou seja, saiu da prática para a teoria. “Nós contribuímos mais do que assimilamos” — acredita Gusmão.


José Batista Gusmão passou a maior parte da vida profissional envolvido com a iniciativa privada e agora se vê às voltas com o Poder Público. “Não tinha intenção de ingressar na vida política” — garante. 


Mas o sincretismo de interesses voltados à qualidade de vida de Santo André direcionou o caminho do ex-executivo da Bridgestone Firestone para a Prefeitura. “A experiência é diferente da adquirida no mercado privado” — diz. Para ele, o curso de Administração Pública é ferramenta de valorização do serviço público, já que a maioria dos professores tem experiência na área. 


Colega de turma de Gusmão, o empresário Nelson Tadeu Pereira também deslizou da livre iniciativa para a área governamental num determinado momento da carreira. Foi secretário de Desenvolvimento Econômico em Santo André e, mesmo tendo retornado ao setor privado, decidiu frequentar o curso de pós-graduação por considerar interessante entender algumas variações relacionadas ao Poder Público. “Quando fui secretário, cheguei a discutir isso com o então prefeito Celso Daniel” — conta Tadeu. 


Visão mais ampla


A conversa projetava para futuro não muito distante funcionários com visão sistêmica da máquina pública. O empresário pertence à Fiesp e, segundo entende, para presidir ou dirigir entidades de classe é preciso ter conhecimentos mais aprofundados. “Temos de saber mais do que o que simplesmente sai na imprensa” — acentua. Representantes de entidades de classe têm de aprender a fazer propostas aos poderes públicos e ter conhecimento do que falam. 


Frequentar cursos de gestão pública, segundo sublinha, permite ver a conjuntura de várias outras formas e ter espírito crítico. “Geralmente o brasileiro questiona pouco” — avalia. “Se a gente quer uma cidade melhor, por que não começar pela prestação do serviço público?” — sugere o empresário Wilson Bonfim, sócio-executivo da McNew, aluno da graduação da Uni-A que também participou do 3º Eneap. Bonfim integra a equipe que irá organizar o encontro em Santo André. 


Para ele, evento dessa envergadura tem de ser cercado de todos os cuidados e infra-estrutura como acomodação, refeições, lazer e entretenimento, além do conteúdo programático. “Cabe também ao futuro administrador público conhecer e divulgar as tradições e culturas locais” — sublinha.


Desenvolvimento sustentável 


Para o empresário, Santo André sempre foi referência de desenvolvimento, mas não tinha estabilidade para fomentar geração de emprego. O administrador moderno, a seu ver, tem de possuir conhecimentos para melhor planejar o desenvolvimento econômico, promover a cidade e preservar o meio ambiente. “Nossa região está envolta por 60% de área de manancial e não dispõe de espaço físico para novos parques industriais. Por isso, o desenvolvimento sustentável desemboca em planos de turismo ecológico e de negócios como meio de atrair recursos para a região” — diz Bonfim.


As idéias ambientais do empresário recheiam o trabalho que os alunos da graduação da Uni-A apresentaram no final do curso. De acordo com Wilson Bonfim, foram entregues mais de 150 projetos sobre sustentabilidade direcionados a Santo André. “Pensei na criação de um centro de convenções no Parque Central para promover espetáculos, feiras e eventos de turismo de negócio. Para o Pedroso, onde temos teleférico desativado, poderia haver um parque temático como o Hopi Hari e Wet’n Wild” — diz.


Bonfim lamenta a resistência de funcionários, principalmente de carreira, em frequentar aulas de graduação ou pós em Administração Pública. Bolsas de estudos e convênios com prefeituras da região são meios encontrados para atrair o maior número possível de servidores para a sala de aula.


Primeira vez 


Em Santo André, a experiência acadêmica em gestão pública é assinada pela Uni-A e teve início em janeiro de 2003. O diretor Jaime Guedes conta que a idéia surgiu de série de contatos que a instituição mantinha com prefeituras do Grande ABC. “Havia e há demanda para treinamento do funcionalismo público e existem poucos cursos do gênero em São Paulo” — diz Guedes. 


A Uni-A decidiu montar o curso superior de tecnólogo em Administração Pública com duração de dois anos e a pós-graduação como extensão acadêmica para outras graduações com duração de um ano e meio. “Nosso foco é a regionalidade, tema mais do que importante no contexto administrativo do Grande ABC” — afirma. Não é à toa que 90% dos alunos são funcionários das prefeituras dos sete municípios do Grande ABC. Mas o curso também acolhe demandas de sindicatos e candidatos a cargos eletivos. O ex-candidato a prefeito de Santo André pelo PMDB, Wilson Bianchi, esteve entre os alunos da pós-graduação até o início da campanha eleitoral, quando trancou a matrícula por dificuldade de agenda.


A construção dos cursos combinou o conhecimento de professores da Fundação Getúlio Vargas e a experiência de colaboradores do Poder Público de Santo André, como o ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira Sousa, que ingressou na Prefeitura por meio de concurso e depois ocupou cargo de secretário de Serviços Municipais no governo de Celso Daniel, função estratégica no projeto do então prefeito de transformar Santo André em cidade agradável. Klinger Sousa coordena os cursos de gestão, que contam com 12 professores. O curso de Administração Pública da Uni-A já foi aprovado pelo MEC e está em fase de reconhecimento da primeira turma de formandos.


O curso da Uni-A também é baseado em legislação e normas para administração pública, considerando a ética profissional e necessidade de planejamento estratégico nas áreas municipal, estadual e federal. A proposta é preparar em dois anos administradores para planejamento, implantação e acompanhamento de projetos. 


Além de disciplinas tradicionais, o estudante encontra grade de matérias específicas como Introdução à Administração Pública, que estuda conceitos elementares voltados ao tema; os princípios basilares que norteiam a ação do gestor público; as formas de prestação de serviço público; as parcerias; os mecanismos de controle social; a relação entre Estado e sociedade; cidadania e participação popular; além do controle externo da Administração Pública.


Já Teoria Política aborda a evolução do pensamento político e acompanha a construção do Estado moderno, bem como a atual crise do Estado Nacional. As aulas incluem as formas possíveis de organização da sociedade: capitalismo, socialismo e a chamada terceira via, além da questão democrática e seus limites. O terceiro setor também consta do aprendizado: o estudante aprende a fazer análise histórica sobre origem e formação das Organizações Não-Governamentais (ONGs) no mundo e no Brasil e discute o papel dessas entidades junto à sociedade.


São ainda ministradas aulas de Estado e Poder Local com ensinamentos que vão além da simples gestão da cidade e estabelecem políticas e construção de projeto de desenvolvimento amalgamado à sociedade civil, com mais transparência e menos exclusão social. Ética no Setor Público apresenta aos alunos visão conceitual da questão ética, distinguindo o tema como parte importante da conduta humana. Finanças Públicas e Orçamento Municipal abordam questões relativas às finanças públicas, análise do Código Tributário Nacional e o espaço de distribuição de receitas entre os entes federados, bem como vinculações orçamentárias obrigatórias. Trata ainda das despesas e das receitas, das técnicas orçamentárias, do orçamento como instrumento de planejamento e das experiências de gestão participativa na área.


Em Gestão Urbana e Serviços Públicos, os alunos aprofundam estudo dos aspectos que envolvem a gestão urbana desde os vinculados à administração do uso do solo urbano até a gestão das políticas urbanas como habitação, transporte, paisagismo e sistema viário. Há especial ênfase aos planos diretores e Estatuto da Cidade.


Jeito mineiro


Criada para capacitar funcionários para o Estado de Minas Gerais, a Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte, oferece graduação em Administração Pública há mais de 10 anos, mestrado e vários treinamentos. O curso é reconhecido pelo MEC e o presidente Amílcar Vianna Martins afirma que é referência no Brasil. O maior diferencial em relação a outros cursos do gênero é que, ao passar no vestibular, o candidato garante vaga no corpo funcional do governo do Estado. Até 2003 eram abertas 40 vagas por ano, mas desde julho último outras 40 vagas foram criadas para curso que inicia no meio do ano. 


A formação é de bacharel em Administração Pública e a duração é de quatro anos. “É faculdade com emprego garantido e os alunos ainda recebem salário mínimo mais ajuda de custo em alimentação e transporte” — menciona Martins. Mas a contrapartida é linha dura. A dedicação ao curso tem de ser exclusiva. Frequência, assiduidade e performance são avaliadas com afinco.


A grade curricular se estende de administração financeira a legislação do setor público e todo o aprendizado acaba refletido no serviço prestado. “Os estudantes ingressam no mercado com experiência” — garante o presidente. Essa experiência é adquirida graças aos convênios com o programa Facilita Minas, voltado a empresários com os quais os alunos mantêm contato e cumprem papel de interlocutores entre a livre iniciativa e o setor público.


Uma das bandeiras da Fundação João Pinheiro é reduzir ao máximo o número de funcionários comissionados sem, no entanto, entrar no mérito político. “Esse é um dos gargalos: funcionários de carreira versus cargos de confiança” — pontua. 


O diretor da Escola de Governo da FJP, Afonso Henriques Borges Ferreira, contabiliza a formação de 210 alunos desde a criação da graduação em 1992. “O objetivo do programa de graduação é formar uma burocracia permanente qualificada no governo de Minas Gerais” — especifica. Ferreira cita como exemplo os modelos canadense e inglês que independem do que chama de partidarização da administração pública. “A função da burocracia é executar as políticas públicas propostas pelo partido que estiver no poder. São primordiais para quem ocupa cargo de confiança o conhecimento e a experiência da burocracia permanente” — afirma o diretor. 


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