Apesar de minimizar a desindustrialização do Grande ABC comprovada pela perda de 39% do Valor Adicionado em oito anos do governo FHC, o recém-empossado presidente do Sebrae nacional, Paulo Okamotto, traz às páginas amarelas de LivreMercado análise que aprofunda os Arranjos Produtivos Locais com questões particularmente relevantes para a economia regional. O técnico industrial nascido em Mauá reconhece que a experiência dos APLs chegou com atraso à região, mas deposita todas as fichas no modelo de associativismo formatado para transformar pequenos em grandes e apresentar o pessoal do andar de baixo do mundo produtivo a conceitos modernos de gestão e, principalmente, à escala — uma das palavras-chave de competitividade.
Parceiro da Agência de Desenvolvimento do Grande ABC nos APLs de plástico, autopeças e ferramentaria, o Sebrae pretende investir R$ 1,5 milhão entre 2005 e 2007 nas 60 empresas que integram o projeto. O aporte financeiro representa 1% dos R$ 150 milhões que a entidade destina anualmente a aproximados 250 conglomerados de empresas em todo o País, mas ganha dimensão consistente porque abre a possibilidade de interromper o ciclo vicioso do isolamento que dificulta o acesso à tecnologia e ao crédito. Tanto que muitos participantes dos APLs do Grande ABC ainda correm atrás de certificações de qualidade que há muito se tornaram obrigatórias no território de negócios mundializados.
Paulo Okamotto analisa a importância do papel das instituições e do poder público na detecção e viabilização de Arranjos Produtivos Locais e ressalta a importância das prefeituras nesse processo. “Não é possível um APL se desenvolver sem o protagonismo local” — é enfático o executivo que assume o comando do Sebrae com a missão de destinar cerca de 60% dos recursos orçamentários aos aglomerados de empresas. Especificamente sobre o Grande ABC, afirma que os APLs são passo importante para ajudar empresas dos setores de plástico e ferramentaria a encontrar novos mercados e diminuir a forte dependência do setor automotivo.
A Agência de Desenvolvimento Econômico e o Sebrae comandam APLs (Arranjos Produtivos Locais) no Grande ABC desde o ano passado. Como o senhor avalia o trabalho dos grupos de plástico, autopeças e ferramentaria empenhados em encontrar formato produtivo mais moderno e arrojado para enfrentar a competitividade global num Grande ABC que foi literalmente sacudido pela desindustrialização e pelas transformações macroeconômicas das últimas duas décadas?
Paulo Okamotto — Entre outras ações, o trabalho nos APLs do Grande ABC visa aumentar o acesso à inovação tecnológica e aos mercados; melhorar a gestão e a logística; espalhar a cultura da cooperação e estimular o empreendedorismo. Tudo isso é vital para aumentar a competitividade, criando condições para enfrentar com melhor preparo os desafios da globalização. Acredito que não tenha havido no Grande ABC a desindustrialização no sentido estrito da palavra. Ocorreram, no entanto, perdas de empresas e a reconversão produtiva de algumas que não tinham competitividade, mas também houve ingressos e surgimento de novos negócios.
Os três segmentos agrupados em APLs na região estão umbilicalmente ligados à indústria automotiva, ainda a principal matriz econômica do Grande ABC. Diante dos bons resultados do setor automobilístico em 2004 e de anúncios de investimentos já feitos por várias montadoras locais, principalmente em função do pacote de incentivos do governo estadual, como os APLs devam se comportar em 2005 para se inserir nessa eventual onda de bons ventos produtivos?
Paulo Okamotto — Os três segmentos estão muito empenhados em integrar cada vez mais suas cadeias produtivas. São empresas que ainda precisam correr atrás da certificação ISO e da QS, a norma internacional específica para a indústria automobilística. Evidentemente, a busca de menor dependência das montadoras é chave para se pensar na competitividade sustentável porque possibilita maior blindagem a fatores conjunturais que afetam mais fortemente quem tem vínculo total com a indústria automobilística.
A matriz do plástico é considerada a saída para livrar a região da dependência do segmento automotivo em função da presença e da iminente ampliação do Pólo Petroquímico de Capuava, além da diversidade de aplicação industrial do insumo. Foi cogitada alguma proposta específica para reforçar o APL do plástico na região, considerando-se que, por exemplo, Diadema concentra mais de três centenas de transformadoras da terceira geração da cadeia, a maioria pequenas e médias empresas?
Paulo Okamotto — Nessa busca de independência do setor automotivo e de diversificação, o segmento de plástico do Grande ABC é um dos que precisa ganhar maior competência tecnológica, por isso, o APL é um passo. Nesse esforço, considero também importantes a formalização do Ciap (Centro de Informação e Apoio à Tecnologia do Plástico), da Fundação Santo André, além da Escola Senai Mário Amato, de São Bernardo, especializada em formar e treinar mão-de-obra para o setor. Outro exemplo está em acordo firmado recentemente entre a Agência de Desenvolvimento do Grande ABC e a UniFEI (Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana), com o objetivo de dar apoio tecnológico aos participantes do APL do plástico. Sem dúvida, o segmento de plástico concentra o maior número de empresas na região e essas empresas perceberam que podem ir além do setor automotivo. Superar a forte dependência das montadoras é crucial na equação de mais competitividade e isso só se consegue com inovação, investimentos em design e reconversão de parte do processo produtivo.
Muitos especialistas consideram que os APLs chegaram com atraso ao Grande ABC, principalmente porque a região demorou a se mobilizar institucionalmente diante do quadro de perdas econômicas. O senhor concorda com a avaliação? Como classificaria a experiência do associativismo produtivo no Brasil?
Paulo Okamotto — A experiência de APL pode até ter demorado a chegar ao Grande ABC, mas não por negligência, e sim devido a fatores econômicos e sociais. O convênio da Agência de Desenvolvimento com o Sebrae pode recuperar esse atraso porque é exemplo de como o Grande ABC pode se rearticular institucionalmente em busca de saídas para problemas estruturais. Como o Grande ABC tem forte concentração urbana, de alta densidade empresarial e de muitos setores, a aprendizagem de processo como os APLs pode ter efeito positivo nas demais dinâmicas produtivas da área.
O senhor considera mais relevante na atuação dos Arranjos Produtivos Locais o fato de as pequenas empresas saírem do círculo vicioso de isolamento com baixa competitividade e acesso limitado a inovações tecnológicas e crédito ou a possibilidade de descobrir o que os especialistas chamam de coopetição, definição moderna do associativismo sem deixar de lado a concorrência inerente ao mundo dos negócios?
Paulo Okamotto — Sem dúvida, a cooperação é elemento vital, é a chave da competitividade dos pequenos negócios. Não se pode falar em APL sem cooperação. Aliás, o conceito de APL passa necessariamente pela cooperação. No Grande ABC foi feito um plano de trabalho nos três segmentos que identificou a necessidade de trabalhar cooperadamente. A partir daí, vem sendo feito grande esforço para estimular ações conjuntas. Os grupos se reúnem semanalmente para discutir e encaminhar ações e já perceberam que, entre outros benefícios, a cooperação proporciona escala, fundamental para a competitividade das empresas de pequeno porte. Atuando juntas, reduzem custos e se relacionam com o mercado de forma mais consistente e menos desigual.
O grau de entendimento dos APLs do Grande ABC sobre o quase sempre complicado binômio cooperação/concorrência já apresenta avanços? O senhor acredita que o fato de o grupo de ferramentaria já ter anunciado disposição de se tornar entidade juridicamente legalizada é o primeiro desdobramento do modelo de associativismo proposto pelo trabalho?
Paulo Okamotto — O esforço para o entendimento é muito bom. A competição é normal e saudável, mas não exclui a cooperação. Pelo contrário. Como já afirmei, as empresas dos APLs estão empenhadas na busca de soluções cooperadas como forma de superar as fragilidades individuais. Mas sejamos francos: não podemos romantizar sobre cooperação empresarial como algo totalmente realizável no curtíssimo prazo, sem que bases para a construção da confiança, das relações de interdependência e de suporte mútuo se estabeleçam. É uma mudança de modelo mental, como chamam alguns especialistas, passar a olhar o outro empresário do mesmo setor não mais como simples concorrente, mas como parceiro a quem se aliar frente aos desafios do mercado.
O Sebrae é um dos principais parceiros da Agência de Desenvolvimento Econômico no projeto dos APLs. Está previsto para este 2005 algum aporte financeiro para os APLs já em andamento? Há previsão para formação de novos grupos na região?
Paulo Okamotto — O novo modelo de planejamento do Sistema Sebrae, bem mais democrático e transparente, estabeleceu para o período 2005/2007 a alocação de recursos para projetos finalísticos, isto é, de atuação direta junto às empresas. Todo esse trabalho será feito com recursos das unidades estaduais do Sebrae repassados pelo Sebrae nacional. Nesse contexto, estão alocados pelo Sebrae em São Paulo quase R$ 1,5 milhão no triênio para os arranjos do Grande ABC. As aplicações podem ir muito além desse montante, porque temos a participação do governo do Estado e outros parceiros. Está sendo negociado pelo governo estadual, com a articulação do Sebrae, um empréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de US$ 10 milhões exclusivamente para arranjos produtivos em São Paulo. Provavelmente um pedaço disso deve ser direcionado para os APLs do Grande ABC.
Como os APLs estão enquadrados nas prioridades do Sebrae Nacional? Quantos grupos o Sebrae apóia em todo o País, quanto destina em dinheiro e apoio técnico para esse trabalho e quais são os resultados mais relevantes até agora?
Paulo Okamotto — Atuar em APL é uma das principais diretrizes estratégicas do Sebrae. A importância do APL é tanta que estamos aplicando cerca de 60% dos recursos orçamentários em ações coletivas, nas quais se enquadram, obviamente, os aglomerados de empresas. Acreditamos que os APLs são uma estratégia de desenvolvimento consistente. Estamos presentes em mais de 250 aglomerações produtivas no País, das quais umas 150 podem ser consideradas arranjos produtivos locais. São mais de R$ 150 milhões alocados anualmente em projetos do tipo APL. Essa presença já traz resultados práticos.
Pesquisa recente junto a empresas que participam de APL mostram que a atuação do Sebrae fez com que 50% aumentassem o faturamento e 56% ampliassem a produção. Em paralelo, o Sebrae participa ativamente de grupo de trabalho criado pelo governo federal sobre APL, no qual 23 instituições oficiais e privadas buscam alinhar a atuação em arranjos produtivos, de maneira a tornar mais eficaz a aplicação de recursos, evitando duplicidade de ações e desperdícios. Fora essas linhas de frente, montamos também metodologia de gestão de APL com base em projetos-piloto operados no Rio de Janeiro, Paraíba, Pará e Sergipe, em conjunto com a Promos, o braço internacional da Câmara de Comércio de Milão e o BID.
Então é para reforçar a gestão dos APLs que o Sebrae anunciou recentemente curso de pós-graduação em arranjos produtivos locais? Quais os principais pontos dessa importante formação acadêmica e o que exatamente aprenderão os profissionais que se dispuserem a frequentar salas de aula para estudar o associativismo produtivo?
Paulo Okamotto — É muito grande a carência no mercado de profissionais habilitados para atuarem na gestão de projetos de desenvolvimento de APL, principalmente pela falta de tradição brasileira em associativismo. Por se tratar de perfil profissional de amplas e variadas competências, dificilmente encontrados nos cursos de graduação ou pós-graduação em economia, administração, engenharia de produção e disciplinas correlatas, definiu-se curso de pós-graduação junto com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) , organismo da ONU com sede em Santiago do Chile e também interessado em desenvolver perfil profissional para gerenciar projetos na América Latina e Caribe. O curso é voltado especificamente para a gestão de projetos de Arranjos Produtivos Locais com ênfase nas competências de relacionamento, uma vez que esses profissionais são mediadores de conhecimento, das relações entre instituições, empresas e mesmo com o mercado. Em vez do modelo clássico de MBA, no qual prevalece o sentido da gestão de empresas individualmente, dentro do chamado modelo fordista, esse MBA focado em APL busca exatamente solucionar o desafio entre competir e cooperar em aglomerações produtivas.
O Poder Público e as instituições são fundamentais para induzir os APLs? Praticamente todos os exemplos que temos no Brasil têm à frente o Sebrae, as federações estaduais de indústrias e os governos estaduais e federais. Isso é indicativo de que o APL só vai para frente se existir um agente para dar o pontapé inicial no processo?
Paulo Okamotto — Um dos principais papéis do Sebrae é o de articulação, de juntar partes, incentivar parcerias. Não há como tocar projetos de APL sem parcerias, até porque a essência do arranjo produtivo é o associativismo e seria contradição, um contra-senso, não juntar gente para tocar os arranjos. Não é possível um APL se desenvolver sem o protagonismo local, sem a participação dos atores locais e aí tem de estar envolvido todo mundo, empresários, prefeituras, governos estaduais e federal, ONGs, entidades de classe e o Sistema S.
Nesse caso, as prefeituras tem importância fundamental na viabilização dos APLs?
Paulo Okamotto — Cada vez mais as prefeituras estão se conscientizando de que podem atuar como agências de desenvolvimento, ajudando a atrair negócios, reduzindo a burocracia e atraindo a mão-de-obra qualificada. Na chamada governança local, as prefeituras têm papel fundamental. Um bom exemplo disso é o pólo de cosméticos de Diadema, incentivado pela Prefeitura e Sesi local e que já se tornou uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público).
Qual a relação entre Arranjos Produtivos Locais e regionalidade?
Paulo Okamotto — APL e região têm tudo a ver. Mesmo que o conjunto de empresas esteja num território delimitado, nem todos os fornecedores e compradores estão no mesmo município. O sistema de logística de transportes que se está criando no Grande ABC é um facilitador do desenvolvimento do APL. Como já ocorre em vários lugares do País, a produção de bens e serviços de conjunto de municípios abrangidos pelo APL pode ganhar reputação pela qualidade, o que se transforma em forte elemento de marketing.
Os APLs são realmente a maneira mais eficaz das pequenas empresas se transformarem em grandes, principalmente para ter acesso às linhas de crédito do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal?
Paulo Okamotto — Evidentemente. Os APLs, no entanto, não são a única forma de ampliar o acesso das pequenas empresas aos serviços financeiros, mas que ajudam, ajudam e muito. O fato das empresas se juntarem, de atuarem coletivamente, reduz riscos e pode atrair o crédito. Já está ocorrendo em São Paulo, inclusive com bancos privados como o Bradesco, um ensaio do que chamamos de finanças de proximidade, o início do formato do que se classifica de cluster bank. Ocorrem, nesses casos, o fluxo maior de informações sobre os negócios da potencial clientela da instituição financeira, a criação de laços de confiança entre uma ponta e outra, o banco operando para um conjunto de tomadores de crédito.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira